28.5.09

Primavera



Parece que enfim a primavera chegou. Isto levou-me, vá-se lá saber porquê, à música barroca. Ando a ouvir Monteverdi e descobri estas imagens de uma encenação fabulosa do Orfeu, com direcção de Jordi Savall. Logo me lembrei do privilégio que foi assistir a uma versão concerto, também dirigida também por Savall, no Teatro Liceo de Salamanca, quando esta cidade foi Capital Europeia da Cultura e eu tive a imensa sorte de por lá viver. Assisti com um grupo de amigos que me visitavam e que não sabiam bem ao que iam. Alguns adormeceram, outros acharam bonito, mas chato, e outros ainda gostaram bastante. Eu gostei muito, mas depois de ver estas imagens fico com uma boa dose de inveja por não ter assistido a uma versão integral, em particular esta.



25.5.09

Coisas de línguas


Depois do inglês técnico apurado, chegou esta coisa de difícil catalogação. Fico na dúvida se é galego com sotaque mirandês ou alentejano com sotaque catalão. Talvez ainda nos espere um franco-argelino com sotaque de Bordéus, ou um alemão com acento vienense da zona do Prater.

21.5.09

In memoriam – João Bénard da Costa (1935 – 2009)

Voz cavernosa, cigarro acesso, discurso sábio e decidido. Assim me foram apresentados alguns dos grandes clássicos da sétima arte. Prosa rica, profunda, culta e apaixonada. Assim se escreveram na nossa língua as mais belas linhas sobre cinema. O tempo verbal passado infelizmente é agora o adequado.
Partiu o Senhor Cinema, partiu para o outro mundo em que acreditava. A imagem afasta-se de uma vasta paisagem em branco e negro e uma sinfonia de Mahler toca ao fundo. No ecrã aparecem vários amigos a receberem-no de braços abertos: James Stewart, John Ford, Vincent Minelli, Grace Kelly, Ingrid Bergman, Farley Granger, Alfred Hitchcock, e muitos e muitos mais. As cores misturam-se com o preto e branco e nenhuma voz se atreve a dizer “corta”. Será uma cena para a eternidade.

14.5.09

Haja decoro

A senhora já tinha tentado explicar, com pouco sucesso, a presença simultânea nas eleições para o parlamento europeu e nas autárquicas no Porto. Tentou, mas acho que só fanáticos do partido podem entender tamanho desrespeito pela democracia e pelos eleitores. Depois, disse que a presença nas listas europeias era apenas “para fazer número”, o que bem mostra o seu respeito pelas instituições. Não contente, veio depois, em acção de campanha, justificar que determinadas obras efectuadas no Porto – consta que umas pinturas nuns bairros – foram feitas com dinheiro do Estado, do PS. Não fora a sério, e dito em público, e poderia ser apenas uma brincadeira, infelizmente foi mesmo a sério.
Esta gente acha mesmo que o Estado é o partido e o partido o Estado, esta mesma gente que diz que precisa da maioria absoluta em nome da estabilidade. Já ouvi chamar muitos nomes a isto, estabilidade não me parece o mais adequado, nem como eufemismo para um assalto ao que é de todos nós, por gente sem escrúpulos e sem a menor noção da coisa pública. O Estado não pode ser uma empresa sujeita a OPA’s por parte do poder político, muito menos feita com este descaramento. A senhora Elisa Ferreira vem demonstrando, sem ajuda de oposições, toda a sua falta de decoro. Os eleitores que pensem bem se é esta a maneira certa de fazer política e se esta triste personagem merece o seu voto. Caso mereça, é bem justo chorar por uma democracia em que o povo se comporta uma criança irresponsável.

Onde estão os modernos

Gostava de saber onde anda a gente moderninha, sempre pronta a disparar impropérios contra o Papa, seja a propósito de preservativo, seja por declarações em Ratisbona, seja por qualquer outra coisa. Onde andará essa “inteligentzia” sempre pronta a atacar a Igreja nem que para isso invente pretextos. Gostava de saber onde anda e qual a sua opinião sobre as declarações do Papa, ontem em Belém. Gostava de saber o que acham da sua posição sobre o muro de Israel e o Estado Palestiniano. Gostava de saber, só para perceber se o seu antagonismo com a Igreja só tem a ver com discordâncias de facto ou se deve a um qualquer problema com a instituição. Gostava de saber se são tão capazes de dizer bem, como de criticar, uma instituição à qual não pertencem e à qual tentam insistentemente impor as suas ideias. Gostava de saber, apenas para registo.

Triste país o nosso

Caso Cavaco Silva não vete a obscena lei de financiamento dos partidos.

Triste país o nosso

Lopes da Mota continua em funções. Sócrates pede calma. Cândida Almeida continua a ser a responsável pelo processo Freeport.

11.5.09

O tamanho interessa?

O magnífico país moderninho deu mais um passo e direcção ao seu ideal com a abertura do maior centro comercial da Europa. Este país do “maior que”, em que a obsessão com o tamanho poderia ter interessantes interpretações do senhor Freud, ao ponto de se especular se esta gente anda, para dizer o mínimo, com má cama. Tudo tem de ser o “maior”, seja a feijoada na ponte, o aeroporto, os quilómetros de auto-estrada, a torre de Alcântara ou o centro comercial. Claro que a grandeza (quantidade) é privilegiada em relação à qualidade, continuando por isso a sermos um país periférico e pobre que vive de com obras faraónicas. Freud ia-se divertir mesmo muito com este país, ia deliciar-se com a análise sobre rapidinhas pouco intensas, sobre tamanhos mal usados, sobre a falta de qualidade. Portugal é cada vez mais um país de machos bem dotados que se julgam muito viris, mas completamente incapazes de oferecerem um orgasmo decente a uma mulher.

A Sesta

Esparramava-me ontem pelo sofá, enquanto ouvia, com som baixo, a repetição de “O Eixo do Mal”, na SIC Notícias. Recuperava de uma noite divertida acabada a horas tardias e deixava o corpo e o cérebro repousar. Ia ouvindo sem muito ouvir as coisas que os comentadores diziam. Até que o tema passou às touradas e às câmaras municipais que se declararam anti.taurinas. Despertei então os sentidos, pois o tema interessa-me bastante como aficionado. Começou Pedro Marques Lopes, que disse que nem gostava de touradas, mas que era intolerável a sua proibição por parte das câmaras e que contrariava as liberdades em relação a um espectáculo que é tradição e património português. Até aqui tudo normal num liberal, mas o seu remate de apoio às corridas de morte despertou-me um pouco. Seguiu-se Luís Pedro Nunes que concordou, o que me começou a surpreender. Seguia-se Clara Ferreira Alves, de quem esperava uma postura condenatória ao estilo esquerda urbana. Surpresa que me acordou, CFA defendeu convictamente as touradas e também os touros de morte. Enalteceu a sua importância cultural para o país e criticou as câmaras. Estava já bem acordado quando tomou a palavra Daniel Oliveira. Esperava aqui a posição típica do bloquista – urbano – intelectual – classe média alta – alter globalizado. Daniel Oliveira começou por dizer que não tinha uma posição igual aos restantes porque…era aficionado. Sentei-me de imediato com uma incredulidade que me fez saltar tipo mola. Prosseguiu, explicando que as câmaras não proibiram a execução de espectáculos, mas sim o apoio aos mesmos, o que está certo e se coaduna com ano eleitoral em municípios sem tradição taurina. Encerrou com o apoio total às touradas e com a veemente condenação a qualquer proibição. Nuno Artur Silva contrariou dizendo que estava em desacordo com todos, ao que logo foi contraposto por Daniel Oliveira dizendo que “da carninha que comes já gostas, aquela que vem de vacas que vivem em cubículos desde que nascem até que morrem.”
O programa foi uma lição sobre o preconceito. Não esperava ser fácil estar de acordo com Daniel Oliveira em qualquer assunto. Encontrei finalmente tema de conversa. Já o posso conhecer sem o embaraço da falta de tema de conversa. Dos restantes esperava uma posição politicamente correcta e asséptica, urbana e distante, intelectualmente arrogante perante a tradição. Enganei-me. Penitencio-me por isso. Não segui os meus princípios cristãos e julguei sem conhecer. Posso, apesar disso, acabar com um “ainda bem”, é que isso se deve a estarmos todos de acordo neste ponto. Ainda bem.

8.5.09

Grande música para um dia cinzento

Tracey Thorn (Everything but the girl) e Jens Leckman numa versão de "Yeah! Oh Yeah!" dos Magnetic Fiends.

"Are you out of love with me?
Are you longing to be free?
Do I drive you up a tree?
Yeah! Oh, yeah!

Do I drive you up the wall?
Do you dread every phone call?
Can you not stand me at all?
Yeah! Oh, yeah!

Though I need you more than air
is it true you just don't care?
Are you having an affair?
Yeah! Oh, yeah!

When we met I thought
money was everything
so I let you buy the house,
the car, the ring
but I can't take your perpetual whining
and you can't sing

I though if we live apart
we could made a brand-new start
Do you want to break my heart?
Yeah! Oh, yeah!

I've enjoyed making you
miserable for years
found peace of mind in
playing on your fears
How I loved to catch your gold
and silver tears, but now my dear

What a dark and dreary life
Are you reaching for a knife?
Could you really kill your wife?
Yeah! Oh, yeah!

Oh, I die, I die, I die!
So it's over, you and I
Was my whole life just a lie?
Yeah! Oh, yeah!"

5.5.09

Ouvir coisas boas

Havia já alguma nostalgia do tango. Um incessante reouvir de discos com sotaque “porteño” desta e de outras eras. O tango é música que se entranha e nos envolve no seu charme encantatório. Foi assim, ontem, no S. Jorge. Concerto de Daniel Melingo, intérprete do tango “de calle”, porteño, genuíno. Momentos de transporte espacial a um bas-fond de San Telmo, Corrientes ou Arenales. O fumo artificial a substituir o dos cigarros e o silêncio do público em vez do barulho de copos e pedras de gelo. Matar saudades da personalidade única de Buenos Aires, desta música que é coisa de alma, de vida. Melingo é presença melíflua e felina, teatral e cativante, voz de barítono arranhada por tabaco e noite, com cicatrizes de vida. O tango, assim, flui natural, com a voz como extensão do corpo, da alma, de vidas e tempos passados. Histórias de canalhas e malandros, de vidas perdidas ou tortuosas, ironias do destino. O calão “callejero”, por vezes ininteligível, marcando o sotaque inesquecível a quem já teve o gosto imenso de passear pelas ruas “porteñas” com o seu som já ele cantado e doce.

Ouvir coisas boas


O novo disco de “Os Golpes”, “Cruz vermelha sobre fundo branco” anda a tocar em repeat no meu computador. O lançamento na passada sexta-feira, no Santiago Alquimista, mostrou uma banda surpreendentemente madura e profissional, que conseguiu um admirável concerto num ambiente mais do que familiar e que com facilidade se tornaria uma brincadeira entre amigos.
Rock sério, muito anos oitenta, muito num imaginário “Heróis de Mar”, muito lusitano. Letras na nossa língua, guitarras britânicas aguçadas, ritmo por vezes marcial. Grande música bem portuguesa que, caso seja devidamente divulgada, terá de ser caso de sucesso. A “Marcha dos Golpes” concorre para ser das melhores músicas em português dos últimos anos, com potencial de hino para uma geração:



“Gerados por uma pátria ausente,
Buscamos um tempo transparente.

Olhar claro,
Olhar limpo,
A dança começa.

Olhar claro,
Olhar limpo,
A dança começa na estrada vazia.

A vida corre inteira pelas nossas mãos
A morte morre inteira pela força das nossas mãos.”

Palavras curtas e certeiras, afiadas, neste “folclore disfarçado de Roque Ene Role”. Apetece dizer que o rock português, cantado em português, com marca profunda de Portugal, está vivo, e o seu futuro passa, certamente, por aqui.


P.S.: No concerto tocaram também uns ainda verdes “Capitães da Areia”, onde se destacou um poderoso baterista, e uns mais rodados “Os Velhos”, que mostraram música interessante e prometedora.