30.9.08

Diálogos Imaginários

– Charles! (voz rouca)
– Sim, menino.
– Estou péssimo.
– Então, menino?
– Esta coisa de achar que posso sair durante a semana acaba comigo.
– Já percebi, menino. Chá verde e torradas só com manteiga. Uma ou duas Águas das Pedras frescas a acompanhar. No fim dois cafés.
– Charles, o que seria da minha vida sem si? Provavelmente uma lenta agonia.

Coisas do Lux

Achei que tinha de ir nu. Coisa divertida isto de ir nu. O convite era giro, mas dúbio. Muito dúbio. Um jornal com frases soltas. Falava de sexo, nudez, corpos. Tinha um oráculo. Coisa moderna e bem feita. Mas dúbia. Na dúvida recorri a técnica já recorrente, usando a mala “Sport Billy” do meu carro para levar roupas alternativas. Passei lentamente pela porta e averiguei dos trajes. Alguma nudez, alguma sensualidade, alguma normalidade também. Optei pela normalidade. Até acharia graça estar numa festa em tronco nu, mas em Agosto, numa noite quente e com o mar em frente a bater na areia.
A noite foi longa, mais longa do seria aconselhável num dia de semana. Hoje o cenário matinal era dantesco, ao ponto de questionar a minha seriedade e pensar em simular uma gastroenterite que me permitisse passar o dia em casa no sofá. Assim não foi. Mas foi giro, animado, recheado de meninas de belas silhuetas realçadas por vestidos colantes. Também rapazes de tronco nu e uma ou outra drag-queen. Gente amiga e gentes conhecidas. Um festão bem frequentado e divertido. O problema é sempre o dia a seguir.

26.9.08

Coisas da vida

Estranho esta sexta-feira em que não tenho de me preocupar em confirmar se o fato está limpo e os sapatos engraxados. Estranho tanto que ainda não sei o que fazer durante o fim-de-semana. Esta pausa na época de acasalamento, que termina para a semana, deixou-me a escolha, algo a que já estou pouco habituado. O sol chama e a chuva prevista convida ao recolhimento. Balanço na dúvida. Balançarei até ao limite de ter de decidir. Bom é poder decidir, mas há dias que não foram feitos para isso, em que se deseja simplesmente não pensar e seguir conduzido por alguém ou algum desígnio.

25.9.08

Coisas nossas e do mundo

O resto do mundo discute o sistema financeiro, a crise americana e as consequências que daí advirão. Portugal discute o “casamento” dos homossexuais. Será que andam por aí a distribuir, em conjunto com os “Magalhães”, alguma substância alienante a que ainda não tive acesso?

23.9.08

Época de acasalamento

Sábado decorreu mais um capítulo deste meu romance. Mais um casamento. Noivos felizes e muita diversão. Quando a média etária dos convidados já não é baixa, ou seja, quando a geração dos noivos já tem mais de trinta, teme-se que tudo possa acabar cedo por entre conversas de trabalho, dos homens, e de fraldas e empregadas, das mulheres. Felizmente nem sempre é assim e foi com gosto que vi muitos amigos que julgava já vergados aos pesos da responsabilidade a beberem e dançarem como se o amanhã fosse uma miragem. Como sempre que juntos embarcamos em noites longas gerou-se um agradável fenómeno de alienação colectiva, sempre expresso em fotografias impublicáveis num blog, mas muito reveladoras da animação de todos. Satisfaz-me quando vejo que o tempo passa por nós, mas, nuns mais do que noutros, parece que vai deixando poucas, ou, nalguns casos, nenhumas, marcas
Domingo foi outra coisa. O pequeno-almoço tardio era um cenário de miséria onde os olhos dos presentes concorriam pelas maiores olheiras e as cabeças ameaçavam estalar como balões de água. Pela minha parte, e após deslocação até casa, permaneci o maior tempo possível na posição horizontal, numa tarde de intenso namoro com o meu sofá. Ele tinha saudades minhas e eu sentia a falta de passar mais tempo com ele. Acabou por ser uma tarde feliz a culminar mais um belíssimo capítulo.

16.9.08

Coisas da província II

O abaixo falado serão provinciano foi também recordado o indecritível Carlos Bastos, esse nome único da música portuguesa que ficará na história pelas suas extraordinárias versões fadistas de grandes clássicos da música. O álbum “All that fado” já me tinha sido dado a ouvir por um amigo e motivou intermináveis gargalhadas numa noite muito bem disposta. Para quem não conhece recomendo vivamente o "Hey Jude " e os seus trinados fadistas e o grandioso “Satisfaction”. Ouçam e digam se isto não é um mimo.


Coisas de província I

Num provinciano serão deste fim-de-semana, um fenómeno de alienação tomou conta da sala e quatro pessoas, insuspeitas de tendências revolucionárias, deram por si a cantar juntos músicas que fariam os seus progenitores terem súbitos e sucessivos ataques convulsivos. O “Zeca”, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, José Mário Branco, e uma série de outra comunagem, muitos dos quais, após um irremediável processo de aburguesamento, corarão hoje de vergonha de palavras escritas e cantadas na época. Naquele dia também nós as cantámos divertidos, até ao momento em que reparámos que a janela estava aberta e corríamos riscos inúmeros, entre a criação de um ajuntamento de saudosistas do LUAR, a passagem de amigos que pudessem cortar relações alegando insanidade, ou a estupefacção de jovens menos conhecedores das alarvidades que se cantaram nos tempos que se seguiram a Abril.

11.9.08

Nine eleven

Lembrar ou esquecer. Tentar esquecer para não viver refém do passado, lembrar para manter viva a imagem do que o homem é capaz, do que certos homens são capazes. Escolher com consistência a civilização contra a barbárie exige que a barbárie esteja presente, seja mensurável e nos deixe sem dúvida sobre o caminho a seguir. Pena que haja a palavra “mas”, que turva tanta e tanta gente, cega por ideais e incapaz de destrinçar a civilização da barbárie. Uma civilização pode não ser perfeita, mas é, ainda e sempre, melhor do que a barbárie.

9.9.08

Setembro

O verão dos outros tempos era largo e com muita praia, mas Setembro era o mês do campo, das quintas, das terras e casas de avós. Hoje, com grande pena minha, essa coisa dos três meses de férias mais não é que uma recordação ou um desejo em momentos de delírio. Restam assim os fins-de-semana para uns tempos de província a fazer lembrar as semanas de quinta a acompanhar as vindimas.
Um simpático convite de amigos levou-me até às agrestes terras da raia, onde me encontrei rodeado de granito em dias radiosos a contrariarem meteorologistas pessimistas. Além do convívio por casa e dos passeios pelas ruas íngremes e estreitas de Monsanto, não posso esquecer a noite de festa popular. Tinha saudades de um bom arraial popular, com bandas pimba e rifas, e minis perfeitamente geladas. O som é hoje menos roufenho e arranhado, sinal de que os tempos modernos vão chegado aos confins do país, mas a qualidade musical não defrauda. Entrando necessariamente no espírito, é uma delícia dançar animadamente êxitos de letras que rimam, com insistência, “paixão” com “coração” ou com “traição”, e com um acompanhamento musical em que a palavra instrumento é uma inexistência. Festa popular que se preze tem rifas e foi com grande animação que, guiados pelas senhoras, nos dirigimos à barraquinha. Havia uma certa falta de graça nos prémios, demasiado úteis, tendo sido sentida a falta de quadros com o menino a chorar, candeeiros em vidros fumados castanhos ou soutiens e combinações de colecções dos anos oitenta, mas nada que impedisse as senhoras de insistirem até se tornar difícil o transporte de todos os ganhos. Como o jantar havia sido belíssimo, não houve apetite para provar as bifanas, mas nunca é demais referir as minis, que, de tão perfeitamente geladas que estavam, eram a companhia insubstituível para uma noite tão bem passada.

P.S. Se já me apetecia ver o filme “Aquele querido mês de Agosto”, depois deste fim-de-semana ainda fiquei com mais vontade.

Coisas de verão

A minha praia da Figueira sempre foi a mesma, nos mesmos metros quadrados definidos pelos banheiros de sempre. Uma praia de caras que se conhecem de uma vida e que teimosamente repetem rituais e locais. Sem barulho da cidade, lá longe ao cimo do areal, o burburinho de conversas e crianças fez sempre desta praia, em Agosto, o prolongamento de um café de bairro ou de um clube, em que se torna difícil ler um livro sem recorrer ao iPod, sob interrupções constantes de gentes vetustas que temos de cumprimentar ou amigos ávidos de conversa e que não entendem os benefícios da leitura ou do sossego.
Há poucos anos cedi ao imobilismo que por lá se instala nos banhistas, mal habituados que estão a não precisar do carro para nada, e rumei a uma praia que me tinha sido muito elogiada pela falta de vento em dias de nortada, pela beleza natural, pelo sossego e pelo simpático bar. Gostei e fui repetindo ainda que timidamente, pois o estado de ressaca não é o mais convidativo para pegar numa carro e fazer um estrada de terra com precipício sobre o mar. O vento insistente foi-me ajudando a esta decisão e aos poucos dei por mim este ano a ir mais vezes para aí do que para a minha praia de sempre. Preocupei-me se estaria a perder as minhas raízes e a vender-me a modernices, problema que me afecta muito, até perceber que estava apenas a atingir um novo estado de banhista, o de banhista independente. Ao fim de anos a aceitar a postura de manada imóvel tão típica daquelas bandas, e em alguns casos agradável, consegui por fim seguir um caminho autónomo. Foi o meu ano de libertação banhista.

5.9.08

Foi bonita a festa, pá! - 1

Ver uma família de toureiros na praça – e a restante nas bancadas, por coincidência mesmo ao meu lado - dando o melhor de si no que melhor sabe fazer, perante um público reconhecido, foi de uma beleza difícil de descrever. Há um ano, aquando da alternativa de Manuel Ribeiro Teles Bastos, já assim havia sido. Campo Pequeno cheio, ambiente de festa, arte e emoção na arena. Na retina as presenças em praça do Mestre David, as lides de João Jr., o violino de João, a série de três compridos memoráveis de António, o palmo de Manuel, o final em família com os quatro Ribeiro Telles em praça.

Foi bonita a festa, pá! - 2

Ontem o cartel foi de “não há bilhetes”, perante a revoltante indignação dos poucos, mas barulhentos, manifestantes que se entretinham a insultar quem passava, com a impunidade típica destes grupúsculos. A corrida foi transmitida pela RTP, a TVI vem transmitindo várias corridas e a SIC transmitirá, numa iniciativa inédita, a próxima corrida do Campo Pequeno. Num tempo em que as televisões, particularmente as privadas, só transmitem o que tem audiência, muitas gente deveria começar a questionar se as toiradas são um fenómeno de minoria ou se são outras minorias que querem impor a sua ditadura tentando impedir as touradas.

4.9.08

Aposta do momento

Bomba de gasolina, agência bancária ou multibanco? Para amanhã temos a bomba de gasolina a pagar 2:1, a agência bancária a 4:1 e o multibanco a 3:1.

Coisas de verão

Apesar de querer pensar que ainda estou na “saison” e que as coisas importantes devem ficar para trás – suplantadas por preocupações como a escolha da esplanada para o copo de fim de tarde ou do destino para o fim-de-semana – ler os jornais pode despertar perigosamente as nossas consciências.

Coisas de verão

A última noite, o último copo, o último bolo, o banho de mar madrugador, o último dia de praia, o último banho, o último gelado. As despedidas tinham o seu ritual, os seus rituais. Cada momento era pretexto para evocar a partida, as várias partidas.

2.9.08

Coisas do verão

O início de Setembro já foi para mim de neura e tristeza, nos tempos em que meus pais gostavam da ideia de prolongar a estadia na Figueira para além do mês de Agosto. Passava assim dias de angústia à medida que toda a gente partia, deixando os espaços que habitava cada vez mais vazios, mais tristes com os dias mais curtos, mais frios com o vento mais frequente, mais agrestes com as marés vivas que chegavam. Setembro começava triste, à beira da neurose, nesses tempos em que a solidão não podia ser encarada como algo de bom.

Coisas do verão

O Agosto foi preguiçoso, com muito olhares vazios para o Moleskine, assim como quem olha para uma mulher pouco interessante com falta do necessário desejo para avançar. As folhas ficaram em branco e faltaram os escritos de verão de que tanto gosto. Talvez porque o calor só agora chega, acho que ainda voltarei às palavras nostálgicas que o verão me desperta. Sempre vou prolongando a imaginária sensação de férias e tornando o quotidiano mais leve, escapando assim às coisas sérias que se vão passando por este país e esse mundo fora.

1.9.08

Frase do verão

Foram muito agradáveis as férias de primavera em Agosto.

Diálogos Imaginários

– Charles, foi mesmo boa a sua sugestão para ir no Sábado ao Guincho. Que tarde de praia maravilhosa. Nos raros dias em que não há vento, como é evidente, o Guincho é mesmo das melhores praias do mundo.
– Mas menino, é precisamente por isso que, no verão, consulto sempre os sites de meteorologia para confirmar o estado do vento. Só se pode ir para a praia no Guincho depois de confirmar o tempo.
– Com as minhas distracções, ainda bem que o tenho a si para controlar estas coisas.