24.12.03

Natal



O Anarcoconservador deseja a todos os seus leitores um Feliz e Santo Natal.

19.12.03

Será que o Pai Natal é de esquerda?

Em tempos em que a discussão entre esquerda e direita, e o que de facto as distingue, é cada vez mais actual, parece pertinente perguntar qual será a ideologia do Pai Natal.
Partamos do princípio de que ele existe, sim, que este senhor vive algures na Lapónia e nos visita, de forma estranhamente ubíqua, uma vez por ano.
A argumentação primeira, aquela em que todos pensarão, é que o senhor é caridoso, que distribui presentes por todos, que é solidário, que não é um capitalista interesseiro, já que nada cobra pelo seu serviço. Até aqui, segundo os chavões habituais, ele é sem dúvida de esquerda. Mas os presentes que ele entrega aos ricos são melhores que os dos pobres, será ele um porco capitalista entregue à distinção de classes?
Trabalha apenas um dia no ano inteiro, apesar de o imaginarmos o resto do ano actualizar ficheiros de moradas. Denoto aqui uma certa postura hedonista, de aproveitamento dos rendimentos para estar 364, ou 365, dias praticamente sem produzir. A sua cota para a sociedade é grande, mas não deveria ser maior e prolongada durante o ano? Chegado aqui começo a julgá-lo de uma certa direita individualista, achando que o seu papel para com a sociedade é cumprido apenas num dia do ano, podendo usufruir no resto das coisas boas da vida.
Consta que tem renas, e que elas o transportam, ao suave ritmo do chicote, para todo o lado. A exploração indevida dos animais não o coloca por certo do lado irracionalmente protector dos animais que caracteriza uma certa esquerda radical. Será que vamos ver alguma manifestação no dia de Natal contra a opressão das renas da Lapónia, com gritos de assassino qual manifestação anti-taurina?
Surge outra dúvida, porque será que nunca muda de uniforme, e porque escolheu o vermelho como cor? Acho que um fatinho castanho iria melhor com o seu ar bonacheirão de velhinho simpático. Detecto aqui uma assunção do vermelho como cor de intervenção, de certo ligada a tendências pró comunistas, quem sabe se devido a uma adolescência revolucionária por entre as neves do Norte da Europa. Devo aqui acrescentar a insistência nas longas barbas, por norma associadas aos grades revolucionários, lembro Marx, Fidel e o eterno Che. Serão da família? É que dela nada conhecemos e o seu passado permanece obscuro.
Acho que em conclusão o senhor deverá ser social democrata. Vem do Norte da Europa, onde os sociais democratas são de esquerda, mas deve ter uma costela portuguesa, onde a prática da social democracia se encontra num limbo entre o centro esquerda e o centro direita. No fundo acho que apesar da imagem exuberante, o Pai Natal é do centro, do cinzento centrão, daquela amálgama ideológica incompreensível e oscilante ao sabor das marés. Se fosse português estava agora a apelar ao entendimento entre Durão e Ferro, procurando que apenas existissem dois partido em alegre e monótona alternância.
Por tudo isto é que eu não acredito no Pai Natal. Para mim o Natal é o nascimento de Jesus, uma comemoração de fé alargada a uma festa de família. O Pai Natal sempre foi personagem exótica e de difícil encaixe na visão natalícia lá de casa. Quem dá os presentes sempre foi, e será, o Menino Jesus. A ele agradecemos e a ele pedimos, o Natal é, fora de dúvidas, seu. Viva o Menino Jesus.

18.12.03

Campo de Trigo com Corvos

Por insondáveis motivos lembrei-me hoje de um dos quadros da minha vida. Recuei alguns anos até uma alegre viagem por terras holandesas. Por entre os passeios em Amsterdão detive-me, com os amigos que me acompanhavam, no Museu Van Gogh. Este era já um dos meus pintores preferidos, e tinha grandes expectativas de ver o museu a ele dedicado.
O espanto perante as cores reais e irreprodutíveis foi enorme. Já tinha noção da diferença entre um quadro in vivo e uma reprodução, mas nunca como com Van Gogh essa diferença era tão gritante.
A visita foi longa e intensa, mas o chef d’ouevre estava reservado para o fim, este extraordinário "Campo de Trigo com Corvos". Um céu azul, intenso, com revoltas nuvens num aparente prenúncio de tempestade, esmaga e detêm o olhar. Por debaixo, entre barrentos caminhos sulcados por carroças, um longo campo de trigo. Ou antes um quase mar amarelo, ondulado ao ritmo de uma brisa intensa, num movimento suave mas firme, agitando a terra e testando as raízes. Neste cenário forte, carregado, um grande bando de corvos plana. Talvez fugindo de uma tempestade, talvez picando sobre a terra em busca de alimento, qual gaivotas mergulhando no mar. Aqui, um tema aparentemente bucólico transforma-se em muito mais, uma simples paisagem desperta um turbilhão de sentimentos. A grande pintura é assim, um indizível desencadear de sensações, tantas vezes sem motivos concretos.
As cores e o movimento conseguem um efeito hipnótico e lembro-me de ter de ser insistentemente chamado para largar o quadro e ir embora. Este era o último quadro da exposição, este é, segundo alguns, o último quadro de Van Gogh. Talvez seja uma coincidência, mas por entre os vários quadros deste pintor que adoro, este é, até agora, aquele que mais gostei.

Natal dos Hospitais

Ontem em "zaping" passei por imagens que me pareciam quase arqueológicas. Parei e percebi que era um programa sobre a história do Natal dos Hospitais, apresentado por Júlio Isidro, Ana Zanatti e Henrique Mendes. Fiquei a ver um bocado e deliciei-me em momentos de alegre nostalgia.
O cenário era uma tenda de circo em tons cinza prateado de onde caíam fitas brilhantes. Os colarinhos das camisas eram avantajados, senhoras usavam calças por dentro de altas botas e camisas de manga de balão. E os artistas... Herman ainda magro, ainda com muita graça, ainda com o cabelo preto, na pele de Tony Silva cantando um delicioso medley de músicas da época. Cândida Branca Flor num número musical acompanhada por um bailarino saído de um filme musical série Z dos anos 40. Rui Veloso cantando "Um café e um bagaço", com menos 30 quilos e mais um bigode. O romântico Tony de Matos no seu melhor. Carlos Alberto Moniz a cantar para as crianças, acompanhado pela irreconhecível filha Lúcia, então pré, pré adolescente. Um irreconhecível Fernando Mendes, este com menos 60 quilos, com Francisco Nicholson num número de revista.
Neste momento parece uma obsessão estar a citar o estado de gordura de cada artista, mas é a mais pura da verdade. Leva-me a pensar se podemos estabelecer um paralelo entre a engorda dos artistas e a progressão económica de Portugal. A ser assim, podemos prever que comecem rapidamente a emagrecer, pelo menos assim o diz a Ministra das Finanças. Convém guardar segredo, pois o Dr. Tallon pode ficar sem clientes e tornar-se violento.
Hoje por acaso liguei a televisão...lá estava o Natal dos Hospitais. Um pouco diferente nos cenários, nas barrigas proeminentes dos artistas consagrados, na própria cor da televisão. No resto igual, o dia em que todos os artistas, bons ou maus, desconhecidos ou consagrados, aparecem na televisão. Descobrimos cantores obscuros de voz abafada pelo playback e visual inaudito. Revemos gente que julgávamos desaparecida. Conhecemos novos artistas. No fundo é como ir a um casamento, sem a missa e as comidas. Um acontecimento anual indispensável que só se suporta como exercício quase masoquista de nostalgia. Aguentei uns dez minutos.

Presentes de Natal

Ontem achei por bem começar a pensar na parte prática do Natal. A família é grande e ainda nem sequer de leve tinha pensado nos presentes. Neste ponto poderia tender a ficar horrorizado com a proximidade do Natal e a manifesta falta de tempo. Assim não é.
Hoje o Natal é marcado por um consumismo desenfreado, barbaramente estimulado pelas televisões. As crianças escolhendo catálogos inteiros do Toys'r'us para pedir ao Pai Natal. A febre das compras, particularmente sentida nas grandes superfícies, onde as pessoas se acotovelam, quase se espezinham e se agridem para chegar aos jogos que os filhos pediram e que têm de se dados. Hoje as crianças não podem ser desiludidas, podem sofrer de desequilíbrios graves se não receberem a Barbie Patinadora ou o Action Man da Guerra do Iraque. São as novas pedagogias e educações que as crianças recebem, responsabilidade de pais e professores em cotas iguais.
Independentemente disto adoro as compras de Natal. Deliro ao passear alegremente pelas lojas, vendo, mexendo, pensando no "não sei quê" de ideal para cada pessoa. Que seja barato, original e de preferência inútil (adoro dar inutilidades, aquelas pequenas coisas que não compramos para nós, mas que gostamos de receber e de ter). Dar presentes por gosto, mais não será do que dizer a alguém que dele gostamos. Quando se aproxima o Natal gosto de sair para a rua, no frio de Inverno, e passear longamente, tentando descobrir aquilo que me apetece dar. Mas recuso as grandes superfícies. Prefiro o Chiado, as ruas iluminadas, o ar que se respira com o cheiro a castanhas ainda presente. As pessoas girando felizes, de sorriso na cara e sacos nas mãos. Lanchar por ali, na Benard ou no Chá do Carmo (ou ainda um belo gelado na Hagen Dahz), parando a ver o corrupio. Descer um pouco à baixa, deambular pela Rua Augusta. Subir ao Bairro Alto em busca de algo original, com passagem obrigatória na TonTon. Tudo isto a passar-se no dia 22, ou 23, ou mesmo 24. Sim , depois de tantas voltas ficam sempre as compras para o fim, para aquele último dia em que entro na FNAC e só de lá saio com todos os presentes cumpridos. Sejam livros de cozinha ou discos de música clássica, sejam vídeos da Walt Disney ou livros de contos tradicionais, sejam romances actuais ou biografias imprescindíveis. Aqui o caos é grande, neste dias, mas muito e muito distante de um Continente. As pessoas são razoavelmente civilizadas, não costumam trazer crianças, não gritam, não há carrinhos de compras obscenamente cheios a impedir o caminho, não há músicas do coro de Santo Amaro de Oeiras. Pode-se ir de Metro fugindo ao inenarrável trânsito desta época, pode-se ficar para jantar no Bairro Alto.
Ontem na FNAC perguntei se tinham o vídeo do segundo Harry Potter, responderam que não , só no Colombo ou então no fim da semana. Óbvio que voltarei no fim de semana, ir ao Colombo nesta época nem que me paguem, muito.

17.12.03

Imagens 3

A teimosia é uma característica minha, assumo.
Volto à carga com as fotografias, agora em novo "hospedeiro". Será desta?
Na senda da posta anterior: Será que só eu vejo o que estou a ver?

"Burgueses de Calais" de Rodin
Patio de Escuelas Menores, Salamanca 2002

Casa das Conchas, Salamanca 2002

16.12.03

Imagens 2

Afinal ontem nem tudo correu bem. Tenho as imagens num sítio hospedeiro mas, apesar de eu ontem as visualizar bem, parece que afinal as imagens não aparecem. Já tirei as postas onde só apareciam cruzes encarnadas. Resumi-me à insignificância dos meus conhecimentos informáticos, pelo menos para já terei de proseguir sem fotografias.
Não resisto a citar um comentário hoje recebido a este propósito:
"Não vejo as imagens - por vezes acontece, nós vemos, mas os outros não."

15.12.03

Imagens

Após as primeiras semanas de blog, achei que gostava de inserir no mesmo algumas fotografias minhas. Fui ao Blogspot saber como o podia fazer, vi os upgrades, e tentei. Durante semanas fui tentando e, nada.
Finalmente descobri que podia ir buscar imagens que estivessem alojadas noutros sítios da Net, com a vantagem de não ter de fazer upgrades. Foi assim que arranjei um "hospedeiro" para as minhas imagens que agora posso inserir no blog. A partir de hoje, na segunda fase deste blog, também com imagens.

Porquê um Blog?

Há dois meses que comecei este blog. Hoje pergunto-me porque me terei metido nisto, porque se metem as pessoas neste mundo da blogosfera.
No meu caso começou por puro acaso. De quando em vez, escrevia uns mails mais pensados e elaborados, que enviava para alguns amigos. Parece que eles se iam divertindo e, depois de um deles - curiosamente a primeira posta deste blog -, houve quem me sugerisse que fizesse um blog. Na altura confesso que pouco ou nada sabia de blogs, apenas tinha ouvido vagamente falar de alguns e do que era de facto um blog. Resolvi navegar um pouco e fui descobrindo - graças aos links dos blogs que primeiro consultei - uma série de gente interessante, a escrever bem, e com opiniões livres e não espartilhadas pela fortemente "engagée" comunicação social portuguesa. Por uma ou duas semanas iniciava o dia com uma leitura dos meus blogs favoritos. Pensei então que podia fazer o meu blog, mas no fundo porquê um blog? Talvez porque gosto de escrever, apesar de uma enorme preguiça para começar qualquer texto, gosto muito de escrever. O blog foi para mim uma maneira de disciplinar um pouco a escrita, de combater a irritante preguiça, de dizer algo, nem que seja para o ar ou para mim. Manter um blog arruma ideias, exercita o cérebro, faz-nos pensar com regularidade e escrever de forma mais expedita.
Há certamente algo de narcisista em escrever para os outros, em acharmos que temos algo para dizer e que haja quem nos queira ler. No meu caso há também um certo pudor, que me leva a que até hoje só um amigo (também blogger) conheça o meu blog. Com outros descaí-me a dizer que tinha um blog, mas resisti até hoje a dar o endereço. O meu pudor foi forçado a esbater-se porque, este Sábado, fui compelido a finalmente dizer o nome do meu blog. Cedi, e ainda hoje seguirá um mail para alguns amigos desvendando a identidade do meu blog.
Termina assim a primeira fase do AnarcoConservador, aquela em que entrei na blogosfera escrevendo para mim e para quem foi encontrando este blog pelas mais diversas razões. Durante dois meses tentei perceber que tipo de blog queria: se algo de mais sério, baseado em questões políticas e da actualidade; se algo pessoal, com reflexões e pensamentos sobre a vida; se algo mais corrosivo, tentando destruir na escrita as convenções de que não gosto.
Hoje acho que encontrei o rumo para este blog, ele será definido exactamente pela falta de rumo. Vou escrever, como aliás fiz até hoje, sobre aquilo que literalmente me apetece, sem preocupações de coerência. Falarei de política e de viagens, de situações e de livros, de filmes e de lugares. No fundo porei por escrito os assuntos em que for pensando, com a anarquia que caracteriza os meus pensamentos.
A partir de hoje, e com muito gosto, também para alguns amigos. Sejam bem vindos e espero que se divirtam.

12.12.03

Hoje

Acordei cedo e não estava mal disposto, para mim uma quase absoluta contradição. Abri as janelas e um sol brilhante adivinhava-se por detrás de uma neblina matinal. Vencido o frio do quarto despertei para um dia de trabalho que esperava não ser um arrastar penoso de minutos. Hoje tinha assuntos vários a tratar Alentejo adentro, e isso animava-me o espírito.
A calma estrada começou a ser vencida e o sol foi-se impondo ao branco nevoeiro. O pasto verde brilhava num tom quase ofensivo, as folhas baças dos sobreiros cediam o protagonismo ás silhuetas irregulares. Não gosto especialmente de guiar, mas estas estradas, nestes dias, são tapetes onde deambulamos vencidos pela beleza esmagadora da natureza.
O fim do dia chegou, no momento do regresso, com o brilhante sol a desaparecer. As cores sucediam-se por detrás dos troncos despidos ou dos esguios montados. Apetece parar o dia, o tempo, fixar estes momentos e usá-los, abusá-los. Dias destes reconciliam-nos connosco, com a beleza, com o mundo, até com o Homem que ainda não conseguiu destruir tudo. Ainda há dias e sítios assim. Felizmente.

9.12.03

Telemarketing

Sábado de manhã, telemóvel desligado. O sono seguia profundo e retemperador. No corredor o telefone toca, levando ao meu desesperado despertar. A noite anterior tinha seguido longa até quase de madrugada. Enrolo-me para o outro lado, não quero acordar, não me apetece levantar. Adormeço. Um pouco mais tarde volto à realidade com mais um toque, que se foi sucedendo uma e outra vez. Vou conseguindo adormecer, a espaços, numa persistência por descanso. Consigo um pouco de sono profundo, do qual acordo um pouco menos mal disposto. Após o banho o telefone volta a soar e atendo, tentando decifrar quem persistentemente me incomodava em dia de descanso. Do outro lado uma voz feminina sobrepondo-se a algum ruído de fundo fez-me pensar em telemarketing. Passo a uma voz mais antipática, após identificação da criatura, perguntando se já me tinha tentado ligar. A resposta afirmativa fez despoletar em mim uma fúria agressiva, afinal tinha sido esta a culpada pelo agravar de uma ressaca já de si infame e poderosa. Comecei, com voz ainda vagamente ameaçadora, a perguntar à senhora se achava normal incomodar as pessoas a um Sábado de manhã. A sua insolente resposta acabou com as minha reservas, passando a descompô-la - ainda que educadamente - com toda a minha revolta. No fim de uma firme reprimenda, a senhora, que de mim nada conhecia, rematou com uma pérola que me fez definitivamente despedir com um seco "Boa tarde" seguido do desligar do telefone. Disse com voz ainda mais insolente, malandra e enervantemente bem disposta "Ah! Peço desculpa, já percebi que o senhor aproveitou para passar a manhã no ninho com a sua esposa".
Será preciso mais para declarar guerra ao telemarketing.

Cultura

Nota avulsas acerca do Prós e Contras sobre cultura de ontem à noite.

1. Frente a frente o actual e o anterior Ministro da Cultura digladiam argumentos. Não são só duas correntes políticas que estão em causa, são duas formas diferentes de estar na política e na vida. O histriónico Carrilho, sempre tomado pela voracidade dos flashs e das câmaras; o sereno Roseta, sempre discreto e apagado.
Carrilho optou sempre pela demagogia, falando de metas estabelecidas (sobre o que Roseta lembrou a Casa da Música que devia ter estado pronta em 2001), lembrado com soberba tudo o que fez (ou diz que fez). Roseta respondeu objectivamente, sem se enlear em promessas, falando no que vai fazendo, no seu assumido "low profile".
Definitivamente em tudo são diferentes. Prefiro a seriedade de Roseta, não alinhando em festividades efémeras, falando do concreto, assumindo uma postura política absolutamente "fora de moda". Carrilho soa, quase sempre, a uma divagação aborrecida. Roseta não tem obra feita, mas deixemos que trabalhe e falemos daqui a uns anos, quero crer que o balanço será positivo.

2. Irrita-me ver o "Comendador" Berardo a surgir como mecenas florentino à escala portuguesa. Não discuto os méritos da colecção arquitectada por Francisco Capelo, pelo que conheço ela é de facto excelente. Simplesmente não tenho memória curta e recordo a minha dolorosa visita à Quinta da Bacalhoa por si adquirida. Esta Quinta, marca fulcral do Renascimento em Portugal, foi barbaramente assassinada por este senhor. Não o Palácio, mas os maravilhosos jardins. Nestes rebentou todo o extraordinário sistema hidráulico com uma enorme terraplanagem, deitou abaixo o pomar (imprescindível ao desenho do jardim) e uma grande quantidade de árvores centenárias (nomeadamente as que protegiam o palácio da Estrada Nacional). Não esqueço também o restauro de muros com cimento ou betão e os azulejos hispano-árabes que foram partidos sem clemência. O IPPAR assistiu impassível a este crime. O "Comendador" e "patrono das artes" foi devidamente avisado por especialistas do mal que estaria a fazer e continuou com a obra (antes fosse a ignorância a sua desculpa). Parece que a motivação estava ligada com a plantação de mais vinha e com a logística do casamento do seu filho.
Repito, não discuto o mérito das suas colecções, mas definitivamente não gosto da criatura e revolta-me o altar cultural em que o guardam. Cultura não é só o actual, o contemporâneo, é também o respeito pelo que nos foi legado pelos nossos antepassados.

3. No início fico espantado com um dos intervenientes, o que estará lá a fazer Zita Seabra? Há algum tempo que não aparecia e, confesso, quase não me lembrava da sua existência. Passado um pouco do debate compreendo a sua presença, perante a lucidez das suas intervenções, com as quais só consigo concordar. De todos os intervenientes destaca-se claramente, em particular no que diz respeito à fulcral ligação das políticas de Cultura e Educação.

4. O debate perdeu pela excessiva politização, pelo confronto entre este e o anterior governo, entre o fiz e o vou fazer, entre as visões da direita e da esquerda. Valeu mesmo assim a pena.

4.12.03

Camarate

Lembro-me como se fosse hoje, numa recordação de infância perene. Estávamos em redor da braseira, como habitualmente nas frias noites de província. A emissão foi interrompida, um jornalista com ar grave anunciava que se tinha despenhado em Camarate o avião que transportava o Primeiro-Ministro Sá Carneiro, o Ministro Adelino Amaro da Costa e Patrício Gouveia. Na sala um silêncio sepulcral, os meus pais e as minhas irmãs entreolharam-se. A incredulidade deu lugar a algumas lágrimas de revolta. Ninguém queria acreditar que estes homens, em especial Sá Carneiro, tivessem morrido. Sentimos a sua morte como a de um parente de quem gostamos.
A esperança de um Portugal democrático e pacificado estava a solidificar-se com a crença neste homem. Meses antes, lembrava-me da praça da minha cidade completamente cheia para um comício da AD, acompanhado por uma audiência quase histérica. Como mais novo, acompanhava os meus irmãos nestes momentos, enchiam-me de autocolantes e eu empunhava feliz bandeiras ao som de palavras de ordem. Até hoje sobreviveram as bandeiras, o single com o hino, até alguns autocolantes. Foram tempos de esperança, de política vivida com convicção, sem votar em males menores, com intervenção real das pessoas.
Era então uma criança, mas a importância desses tempos, dessas pessoas, demostra-se ao lembrar-me ainda hoje, como se de ontem se tratasse, do dia em que caiu em Camarate esse avião, e com ele a esperança de muitos portugueses.

Arrendamento nas cidades

A propósito de uma excelente posta do Impensável, acerca do crédito mal parado para a habitação, cito:
"A política do arrendamento originou outras consequências catastróficas: os centros antigos das cidades não foram renovados e encontram-se em estado de ruína e despovoados: perderam-se memórias e modos de viver e um precioso património - já que não há dinheiro para a restauração dos imóveis."

A situação actual é profundamente hipócrita. O Estado, com medo da contestação e perda de votos, adia há anos a actualização das rendas. Hoje em dia, século XXI, há casas com rendas de 25€ (sim mensais, não é diários) em pleno centro das cidades. Alguém me convence que isto dá para mais do que para comprar o livro de recibos? Quando as obras são necessárias quem as paga, o senhorio ou o inquilino? O inquilino refugia-se na sua própria miséria, tendo por vezes a distinta lata de exigir obras. O senhorio obviamente recusa, já que ao fazê-lo entra na fase em que paga para ter um inquilino.
Em quase todos os países da Europa os jovens arrendam casas. Antes de casar, quando resolvem viver sozinhos, ou depois, numa primeira casa quando ainda não sabem o que a vida vai ser. Não compram directamente como em Portugal, por certo com uma taxa de casas próprias elevadíssima. Mas é compreensível, a mensalidade de um arrendamento é sensivelmente igual à prestação de um empréstimo. Assim, quem não prefere comprar em vez de alugar (claro que isto remete para a muito portuguesa forma de encarar a propriedade, mas isso fica para outra posta).
No nosso país o instrumento chave para reabilitar os centros urbanos é uma lei do arrendamento realmente eficaz. Que de uma vez por todas termine com a obrigatoriedade dos proprietários serem "Santas Casas da Misericórdia" dos seus inquilinos, mantendo, por vezes com prejuízo, as casas com rendas ridiculamente baixas. Como consequência lógica os edifícios degradam-se e os centros urbanos estão moribundos.
Sem isto não há decretos ou vontades que recuperem as cidades. A partir daqui sim, pode-se pensar em técnicas para atrair novos habitantes e para dinamizar os centros. Como se pode chamar, realmente e em número considerável, gente para os centros, sem que haja habitação condigna, segurança, comércio, em suma, movimento e vida? Ninguém quer ir para sítios mortos, não tranquilos ou sossegados, mas definitivamente mortos. Para aqui caminham os nossos centros, em particular o da nossa capital, espelho do país.

3.12.03

1º de Dezembro

A abaixo citada gripe impediu que conseguisse fazer uma posta neste dia, que atrasada aqui vai.
Aos mais incautos o primeiro dia do último mês parece ser feriado por motivos de doença (não, não estou a voltar à posta anterior). O mundo tinha que dedicar este dia à enorme catástrofe que é a SIDA. A minha - já citada noutras postas - aversão aos "dias de..." agrava-se mais uma vez. (reconheço no entanto que este dia se justifica perante a dimensão desta calamitosa doença) Este dia é feriado em Portugal, e é o por motivos bem importantes.
Portugal é Portugal, um País, Livre (mais ou menos) e Independente (de forma "europeiamente" relativa) e não mais uma região dos reinos de Espanha. Para muitos isto pode nada querer dizer, para mim é importante. Há quem queira uma união ibérica, começando por vibrar com o casamento do príncipe com a jornalista e acabando em loas ao Rei (deles). Há quem queira uma Europa diluída de nações, em que cada uma conte um pouco tão pouco que é nada. Há quem se diga patriota sem resquícios de nacionalismos de pacotilha, e tenha orgulho em Portugal e nos portugueses, particularmente nos que deram de si para que sejamos hoje um País Livre e Independente.
Um país tem por base a história, a sua história, e é sobre ela que se constitui. Não tenho dúvidas que muitas dos problemas dos EUA são a sua falta de história, é por ela que a sociedade americana têm as características que tem. A esquerda moderna têm uma propensão, quase uma base de raciocínio, para limpar a história, para a seleccionar com bases ideológicas, em suma para a manipular. Para a esquerda a história é algo a esquecer, e quem a lembrar é, certamente, um perigoso nacionalista e, como tal, fascista. Por isso é politicamente correcto hoje em dia esquecer a história, as suas datas e os feitos antigos. Merda, é o que eu digo sobre isto.
Sou patriota, tenho curiosidade por conhecer a minha história, vontade de a lembrar e orgulho por ela. Posso reconhecer "pecados", fases em que estivemos mal, mas é com indisfarçado orgulho que recordo esses conjurados que no Palácio Almada se reuniram para que Portugal fosse de novo independente. Aos espanhóis Espanha, e mantenhamos com orgulho Portugal para Nós.

Gripe

A cabeça vazia, como se um aspirador nos tivesse extraído as entranhas. Os ouvidos quase surdos, o som filtrado por forma estranha. O nariz aberto como uma torneira. A tosse esporádica mas avassaladora, com os pulmões tentando saltar, sustidos sem saber como. A febre, nem alta nem baixa, antes pelo contrário. A gripe, ou, na linguagem mais na moda, a virose.
Assim estou desde há dois ou três dias, resumido ás vantagens e desvantagens de casa. A um computador que não me apetece ligar, talvez pelo trabalho que dá sair da sala de estar, talvez pela excessiva informação que dele sairía. Os livros amontoados na mesa de cabeceira, uns a meio outros virgens, que a vontade é ter vontade de os arremessar pela janela - não fosse o enorme esforço de me ter de arrastar até ela, mantendo energias para os conseguir atirar. As revistas, vistas e revistas, especialmente nos seus artigos menos interessantes e estimulantes, numa tentativa de baixar o exercício cerebral ao mínimo possível.
A televisão surge como a solução final, a melhor companhia, não fosse o "zaping" um exercício fundamental mas perfeitamente inútil. Termino quase sempre a ver tele-vendas ou equivalentes do tipo programas da TVI. O vídeo seria a solução milagrosa - sim, ainda não aderi ao DVD e a minha televisão é mais pequena que o monitor do computador - não tivesse o meu, por certo por solidariedade, avariado a função de "rewind". Restam-me assim as cassetes que previamente tenha rebobinado, o que no meu caso são poucas, desgraçadamente poucas. Safam-se algumas, revejo assim "A Desaparecida" e "Notorious" do grande Hitchcock.
Apesar de todas as tentativas a agonia mantêm-se, não é esta afinal a maior característica da gripe, fazer com que nos sintamos tão indefinivelmente mal.

28.11.03

Miséria

Noite miserável a de ontem. Por muito habituados que estejamos a sofrer, ele há coisas que ultrapassam os limites. Perder é uma óbvia consequência do jogo, mas contra um clube de aparentes amadores bem organizados!
A verdade é que quem é do Sporting só o é por ser, pelo menos um pouco, masoquista. Foram 18 anos seguidos sem uma alegria que não fosse ganhar ao Benfica e Porto. Depois habituámo-nos mal, ganhámos dois campeonatos e, com o novo estádio, esperamos decididos novas vitórias. Ontem foi dia de recordações, daquelas derrotas aparentemente impossíveis, da equipa a jogar algo apenas assemelhado a futebol. A época já se arrastava em jogos decididos, a favor ou desfavor, nos minutos finais. Neste jogo nem podemos apelar a uma vitória moral.
Enfim, espero que não voltemos a perus comidos antes de época e a Natais de trágico futebol, afinal a nossa cor é da esperança, e durante 18 anos foi isso que manteve o clube com gente no estádio. Saibamos uma vez mais, com grande pena, perder.

27.11.03

A causa deles

Num único blog acumular Eduardo Prado Coelho e Vital Moreira poderia ser prenúncio de sono, mas eis que surge um casal histriónico, formado por Ana Gomes e Vicente Jorge Silva, para fazer companhia. Cedo á repulsa e entro, apenas por deferência ao recomendável Luís Osório. A blogosfera não voltará a ser a mesma, agora que a ela chegaram os gritos de Gomes.

26.11.03

Mystic River

Fim de tarde sem nada para fazer. Rumo resolutamente ao cinema para ver o último Clint Eastwood. Espero muito, espero mesmo o melhor deste filme, tal como de qualquer outro realizado por um dos melhores realizadores de cinema da actualidade. Numa pausa em que tento encontrar os melhores filmes estreados nos últimos anos, aparecem seguramente alguns de Eastwood.
Saio esmagado, sem ponta ou reminiscência de desilusão. Saio, com a certeza de ter visto um dos melhores filmes do ano, dos últimos anos. Poderoso e belo.
No meio disto o filme, o esmagador relato da história de três amigos de infância e do seu reencontro anos depois em circunstâncias trágicas, como trágico foi o seu último encontro enquanto Amigos de infância. Nesse dia em que Dave morreu e apenas voltou como um vampiro, vagueando pela vida sem sentido. Tim Robbins é absurdamente arrepiante nesta composição. As suas palavras são lâminas que nos ferem ao longo de todo filme. Lâminas com que apetece ferir quem no Portugal de hoje ainda relativiza o escândalo Casa Pia, desvalorizando os depoimentos dos "vampiros" hoje transformados em delinquentes. De visionamento obrigatório a quem queira falar deste escândalo que, nem por coincidência, "comemora" um ano de primeiras páginas nos jornais. A cena em que Dave confessa parte do passado à mulher é de perfeita antologia, com o fundo negro e a sua cara parcialmente iluminada, disparando feridas e assumindo fragilidades.
Sean Penn é Jimmy, um dos três amigos cuja amizade não voltou a ser a mesma desde o dia em que o carro se afastou e apenas se vislumbrava a silhueta da cabeça de Dave olhando para trás amedrontado. Tornou-se um criminoso, e apenas deixou essa vida por amor à sua filha, que vem a morrer brutalmente no assassínio que serve de motor a este filme. Sean Penn é devastador na sua raiva contida, no seu retrato de um homem à beira de um abismo, sempre controlando, ou tentando controlar, a realidade.
Sean é o terceiro amigo, o polícia que se vê a braços com a investigação do crime, numa altura em que a mulher o deixou, levando consigo a filha. Vive como os outros no fio da navalha, numa apenas aparente normalidade, recordando amargamente o passado. Kevin Bacon consegue aqui um sólido desempenho, talvez o seu melhor.
O filme é muito mais do que os três amigos, são outras personagens igualmente fortes num absoluto festival de interpretação. Um argumento soberbo, uma fotografia de uma beleza sóbria e uma montagem magnífica, alternando com saber os longos planos com passagens narrativas perfeitas, uma realização sensível mas com a precisão de um relógio suiço. Um ensaio sobre a natureza humana, sobre indivíduos e o lado sombrio de cada um, sobre o peso do passado. Um desenho sombrio do mundo de hoje, desapaixonado e cruel, relatado com uma beleza dura e intensa.

25.11.03

O amor acontece

Já sinto o espírito de Natal. As ruas começam a encher-se e o frio ameaça chegar. Aproveito a tarde de Sábado para um calmo cinema. A Praça de Londres está radiosa com uma pequena multidão de peões a circular. Passo no Magnólia para um café e um bolo. Entro então no cinema onde me espera uma comédia, realizada por Richard Curtis, o argumentista de "Quatro Casamentos e um Funeral" e de "Notting Hill". Sou um fã confesso destes dois filmes, encontram-se mesmo na minha lista Prozac de filmes anti-depressivos. Parece moda dizer mal de comédias românticas, não é intelectualmente correcto. Para variar ignoro a correcção. Gosto porque sim. Imparcialmente recordo os grandes clássicos sem fazer comparações.
O filme não desmerece os anteriormente escritos por Curtis, falta-lhe talvez um pequeno suspiro de inspiração. Várias histórias encadeadas com algo em comum, o Amor. Sim esse sentimento tão difícil de ser descrito, em palavras ou imagens, sem cair num tom meloso, piroso. Mas aqui o nível não desce a esses patamares. O tom mantêm-se entre o drama e a comédia, sempre em volta do amor. Saímos bem dispostos, com o espírito natalício em alta, com a esperança de encontrar a mulher da nossa vida, se calhar num supermercado onde nos cruzemos, chocando, entre os vinhos e os queijos.
Sei que é um filme de fácil escárnio, especialmente pelos "machos latinos" incapazes de confessar fraquezas, ou, como diria o Pipi, coisas de rotos. Eu aconselho vivamente a quem queira passar um bom bocado e transformar um qualquer mau dia num dia de franca boa disposição e redenção com a vida.

Feriado

Há muito, muito tempo, era eu uma criança, e uns senhores queriam sair de uma ditadura cinzenta para outra de tons encarnados. Eu por certo faria birras, inconsciente do perigo que corríamos em nos tornarmos uma coutada soviética. Mas eis que graças a alguns senhores o processo foi travado e Portugal tornou-se uma democracia. Pelo menos em teoria a liberdade passou a ser possível, sim, a liberdade, a real, a não condicionada ás ideologias, a que me permite dizer aquilo que me apetece.
Hoje devvia ser feriado, assim como no outro 25. Tão importante foi sair de uma ditadura como foi não entrar noutra. Assumamos finalmente os fantasmas da revolução e comemoremos o facto de Portugal ser livre. De não ser possível a um realizador português fazer um "Adeus Lenine" por manifesta falta da história que alguns quiseram para nós.
Deveria ser feriado, hoje sim deveria ser feriado.

19.11.03

Avante camarada Odete!

Afinal Santana estava a enganar-nos. A salvação do Parque Mayer não vem com o mercenário Ghery, mas sim com a Camarada Odete. Perplexo? Nada mais simples, a Camarada estreou-se na revista, e logo no Parque Mayer.

Corramos todos a ver
A camarada a cantar
Rir do que vai dizer
Sair de lá a dançar.

O partido é minha via
Aos camaradas o diz
Deputada pelo dia
Pela noite actriz.

Sim, sei que são muito maus os versos, mas era essa a ideia, a la revista. Realmente entrei em delírio com esta visionária acção de Santana. Agora percebo porque não pestanejava com os valores do arquitecto. O projecto vai ao ar, e em seu lugar (bolas peguei na rima) vamos ter a Companhia de Teatro do PC a animar o Parque com as noites proletárias, por entre as quase ruínas dos teatros. Anima-se a zona e cria-se um ícone cultural para Lisboa, o Comunismo ao vivo, já tínhamos o Oceanário, agora temos uma reminiscência do Parque Jurássico. Ao Parque e em força.

18.11.03

Dia de...

Parece que hoje é Dia Mundial do Não Fumador. Irritam-me particularmente os dia mundiais ou nacionais. Chegámos a um ponto que tudo justifica um dia de... Sejam os doentes de colesterol ou as lésbicas loiras vítimas de assédio sexual. Vale tudo. Basta um pouco de "lobbying" e lá vem mais um dia.
Hoje falamos de não fumadores nos quais não me incluo. Sim, fumo, sou assumidamente fumador. Cobarde porém, já que apenas me fico por cinco ou seis cigarros em dias normais e num maço devorado ostensivamente em dias de saída nocturna. Não me incluo no grupo dos profissionais, daqueles que nunca se ficam por menos de uns dois maços por dia. Daqueles que fumam marcas sérias, tipo SG Filtro ou Ventil, ou ainda os potentes Ritz. Desses empedernidos que se levantam e, ainda na cama, começam a sua série diária de cigarros bem puxados e melhor travados.
A esta altura muita gente já me julgará louco, defensor demente do vício ou corruptor da sociedade. Nada mais errado, apenas me manifesto a favor da liberdade das pessoas, mesmo que a mesma vá contra o que o politicamente correcto julgou adequado. Óbvio que o tabaco faz mal, mas não saberemos nós já o suficiente sobre isto. Eu fumo e sei que me faz mal, como me faz mal beber doze Wiskeys numa noite, ou comer uma sopinha de Cação seguida de uns secretos de porco preto rematados com leite creme queimado. Tudo faz mal em excesso, até a saúde.
Que se informe sobre os males advindos do tabaco, tudo bem. Que se transformem os fumadores em marginais e seres anti-sociais, isso é que não. O nosso país, por enquanto, é tolerante com o fumo, mas surgem já fascistas consciências a quererem-nos apontar o dedo. Citando João Pereira Coutinho em post de hoje: "As campanhas contra o tabaco, na sua versão moderna e aparentemente «consensual», são apenas um pretexto - recorrente e tragicamente humano - para humilhar alguém sob a capa da legitimidade higiénica."
O velho chavão diz que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros. Se o fumo que a minha liberdade me permite fumar incomoda alguém, que haja uma alternativa que me permita fumar sem o incomodar. E que a mesma não seja ir para a rua no pino do inverno ou nem aí poder fumar (EUA), ou ficar fechado num minúsculo cubo de vidro com tal fumo que entramos a pensar encontrar D. Sebastião (Aeroporto de Heathrow). Pelos direitos dos fumadores, sim também temos direitos, criem nos locais onde não se pode fumar zonas dignas para fumadores. Dignas, simplesmente dignas.

13.11.03

Ao espelho

Porque insistes, espelho permanente?
Porque duplicas, misterioso irmão,
O menor movimento desta mão?
Porquê o teu reflexo de repente?
És o outro eu de que falou o grego
E espreitas desde sempre. Na lisura
Da água incerta ou do cristal que dura
Procuras-me e é inútil eu estar cego.
O não te ver, mas o saber que existes
Acrescenta-me horror, poder com que ousas
Multiplicar o número das coisas
Que somos e as nossas sinas tristes.
Quando eu morrer, vais copiar um outro
E depois outro, outro, outro, outro...

Jorge Luís Borges

Ódios de estimação: Mariza

Há algo de irracional nos nosso ódios de estimação. Não é fácil de explicar o porquê de alguém nos irritar ao limite da urticária. A cara, a voz, os tiques, qualquer coisa serve para que algo, ou alguém, por nós seja odiado visceralmente.
Hoje apetece-me falar de Mariza - a nova "diva" do fado - a propósito de notícias do seu recente concerto no CCB. Não é só a voz que está aqui em causa e muito menos a pessoa, que não conheço (esta frase é demasiado politicamente correcta, mas vou deixar estar). Pode parecer estranho num cantor, mas não é só pela qualidade vocal da senhora que ela me faz urticária.
Ouço o seu primeiro disco e, para além de uma boa técnica vocal, o que chama a atenção é uma desmedida intenção de colar a sua voz e modo de cantar ao de Amália. Os fados escolhidos todos os cantou a Amália. Os maneirismos são os mesmos e a sua personalidade musical quase nula. O segundo disco é francamente melhor, ao ser de interpretação mais livre. No entanto, não me entusiasma muito.
Para além da voz - que ainda me permite ouvi-la em disco - claramente era incapaz de assistir a um concerto seu. A visão daquele "look" de girafa cibernética é mais do que o tolerável para conseguir ouvir alguém cantar. É evidente que o seu visual mais não é que uma boa campanha de marketing, original (muitíssimo original mesmo) e capaz de chamar a atenção de qualquer pessoa aqui ou no estrangeiro. O penteado louro em estradinhas arranjadas qual doce de ovos mas de aspecto incomestível. O pescoço, já de si fino, ainda mais acentuado e ridículo devido aos adereços. Os fatos espantosos, fazendo hesitar entre um gigantesco papel de rebuçado amarrotado e um repolho alongado. Gostava de conhecer a inspiração do suposto costureiro para fazer algo tão positivamente feio. Se eu tivesse a ideia de criar um visual com o intuito de ser o pior possível, ele não andaria longe disto.
Voltando à voz concordo com José Miguel Tavares em artigo no DN de ontem: "Mas se Mariza já é uma grande artista, ela continua a não ser uma grande fadista". Fado não é só afinação e potência na voz, é alma, a alma de um povo. Pode Mariza ser das grandes cantoras que temos. Não gosto, mas admito. Agora o grande fado não passa por aqui. Felizmente que vai passando por outros vozes, menos exuberantes na forma mas francamente mais importantes no conteúdo.

Caminho final

Euforia no vazio, viagem.
Sono alegre pelo espaço, fugiste no labirinto da vida.
Formiga rebelde escolheste a deriva, o rumo perdido.
O tempo levou-te, não o viste passar.
Tomaste o expresso directo para nunca mais.
Branco como o céu foi teu destino.
Caminho de um sentido só.
Seguiste sem medo, na esperança de chegar ao fim, ao ponto azul do teu céu.
Negro o viste sem o sentir.
Chegaste mais depressa do que pensaste, ao centro do alvo eterno.

Santana e Lisboa

Os receios vão-se confirmando. Apesar da esperança de novas ideias e dinâmica para Lisboa, Santana tem vindo a optar pelo "show off".
1. Sobre a polémica de Gehry muito tem sido dito. A opção é legítima e estritamente política, Gehry é hoje mais do que um arquitecto e a sua influencia nas cidades onde projectou trespassa as questões estéticas. Não gosto do seu estilo enquanto arquitectura, duvido mesmo que o seja. Encontro-o mais como uma escultura de provocação pós moderna. O exemplo de Bilbau é particularmente feliz, mas o enquadramento urbano é totalmente diferente. Tenho as minha dúvidas quanto ao projecto do Parque Mayer. Não sendo um opositor à partida, espero para ver o projecto concreto.
Acho que esta opção (de construção) é pouco arrojada, seria muito mais estimulante e definitivamente arriscado (politicamente) prever naquela zona uma área pública que passasse por um jardim/praça pública. A ligação ao jardim botânico permitiria uma obra de ruptura com o habitual de hoje em dia, criando, finalmente, uma área verde nova no centro de Lisboa. Oportunidades destas não se vão repetir, na cada vez mais apertada malha urbana de Lisboa.
A muito discutida questão dos honorários nada tem a ver com arquitectura. O montante é estratosférico e injustificável no que à arquitectura diz respeito. Do que aqui se fala é de um enorme investimento em marketing para a cidade de Lisboa e para o seu turismo. Neste prisma a justificação só pode ser encontrada no terreno da economia.
2. A escandalosa poluição dos outdoors que pululam pela cidade ofende a alma. Em tempos em que devíamos tentar acabar com estas formas de poluição, é a própria Câmara que avança em força nesta forma de publicidade. O que me choca já nem é o dinheiro gasto (se não fosse aqui seria noutras formas de publicidade) mas sim o desastroso impacto na cidade.
3. Quanto ás flores na Avenida da Liberdade, o que se pode questionar é a desmedida verba empregue. Esteticamente não gosto da solução, mas subscrevo a ideia base. Hoje esta Avenida é mais apelativa, especialmente para os turistas que nela encontram a veia central da cidade.
4. A face mais negra vem, no entanto, da ideia peregrina de fazer o túnel do Marquês. O grave problema é não se perceber qual é a ideia para a cidade. Não é normal que ao mesmo tempo se tire o trânsito de algumas zonas da cidade, para depois fazer obras que facilitem, e estimulem, a entrada de mais carros na cidade.
Ao mesmo tempo é anunciada a construção de silos em zonas históricas. Nada tenho contra o estacionamento em altura. Parece-me que conceptualmente os projectos até são interessantes, aproveitando o arrojo da Experimenta Design. Mantenho algumas dúvidas sobre o enquadramento nas zonas em questão, mas mais uma vez é esperar para ver.
5. Como conclusão, o que Lisboa precisa não é de uma série de ideias avulsas, umas boas outras nem por isso, mas sim de uma política coerente que consiga promover a qualidade de vida das pessoas. Não temos uma capital caótica como o México, mas podemos melhorar, e muito, a vida dos lisboetas. O centro arrasta-se numa morte lenta da qual parece difícil de sanar. Não chegam as boas intenções, é precisa muita coerência e isso, a meu ver, é o que tem faltado a Santana Lopes.

12.11.03

Ferro e Baker

Na RTP o Dr. Ferro volta a falar da Casa Pia. Desligo, já não há paciência.
Ponho a minha última aquisição - "Baby Breeze" de Chet Baker - na aparelhagem. Simplesmente genial este disco em que Baker alterna a voz com o sopro, sem nunca perder a irrepreensível qualidade. "Born to be blue" é na sua voz uma delícia etérea. Ouvir Chet Baker faz-nos sentir definitivamente "cool". As noites tornam-se mais simples, calmas e felizes. Quem consegue pensar em Ferro Rodrigues com este som.

6.11.03

Estupefação

Notícia TVI: fenómenos anormais nas rodagens de "O teu olhar". Monitores ficam encarnados e Patrícia Tavares fica possuída começando a falar com voz de Homem. A produção chamou um padre para averiguação. Tudo se passa na Igreja do Castelo de Montemor.
Inês de Castro voltou, no local onde foi condenada, para assombrar a existência de uma novela. Estará tudo louco. Até a Manuela Moura Guedes esboçou um sorriso. A TVI está capaz de tudo perante o fracasso do Big Brother.

Oposição

Onde está a oposição, qual é o seu futuro e o que podemos esperar dela?
Do inefável Dr. Louçã podemos esperar que continue a cumprir o papel de Stallone, disparando sempre e em todas as direcções. A todo o momento descobrirá uma nova minoria à qual irá buscar o voto. Talvez aos defensores dos direitos da formiga branca ou ao grupo armado de defesa dos sobreiros contra os capitalistas da cortiça.
Do moribundo PC (que ontem até deu sinais de existência, talvez num último suspiro) apenas podemos esperar poemas declamados pela camarada Odete, intervenções surrealistas do camarada Bernardino, gritos estridentes da senhora de "Os verdes" ou a sempiterna Festa do Avante.
Temos ainda o Dr. Monteiro do qual nunca sabemos o que esperar. Apenas que será contra e que as posições mais duras serão defendidas pelo indescritível Dr. Ferreira. Aguardemos por esse vazio ideológico que apropriadamente se chama Nova Democracia. De facto a democracia anda mesmo pelas ruas da amargura.
Chegamos finalmente ao maior partido da oposição, pelo menos em número de votos e por enquanto. O PS é cada vez mais um equívoco. A todos os níveis. Um líder que ninguém sabe muito bem o que anda a fazer, numa pose cada vez mais distante e seráfica. Lembrando um pouco o Tonecas dos últimos tempos, vago, pensativo, quase etéreo. Será que no Largo do Rato distribuem comprimidos para a alienação? Imagino o Dr. Ferro gritando: "Ó Costa, traz-me um Alienex duplo."
No meio desta desorientação geral surge agora o persistente JS. Sim, a Juventude Soarista, que na falta do pai - agora mais preocupado no combate diário aos EUA e ao seu Império do Mal - corre decidida para o poder socialista. A confirmar-se, podemos esperar mais oposição, apenas duvido que seja melhor.
Se JS seguir o estilo da sua última campanha em Lisboa já imagino Vasco Lourenço na vice presidência para as relações externas. A família Soares em repetidas marchas contra o fascismo português - seja ele o que for - acusando todo o governo de salazarismo e de retorno ao passado. Dissertando em estudos comparativos sobre o curriculum anti-fascista dos membros do governo. A palavra chave será ressuscitar, os fantasmas e ódios que - passados quase trinta anos - já deviam estar sanados e esquecidos. (Imagino já uma retribuição à altura do governo, questionando a descolonização do pai Soares). A ILGA será por certo convidada para a pasta da família no governo sombra. Quanto a coligações podemos esperar o pior. Numa desesperada tentativa de unir a esquerda, decerto construirá um Albergue da Rosa Vermelha, ressuscitando (outra vez a palavra chave) os espantosos POUS, MDP, PC (R) e outros afins. A este se juntará o Albergue da Esquerda Caviar (BE) e o Partido da Imutabilidade Comunista (PCP).
Por certo será mais animado, mas será prudente apesar disso que mudem de repente de líder? A verdade é que o governo precisa de oposição. Não porque esteja a governar particularmente mal, mas também está longe de ser brilhante. Precisa de ser espevitado para ir ao sítio, para acordar o Dr. Barroso, para estancar os erros de casting sucessivos. No fundo, para conseguir implantar realmente as boas intenções que tem. Haja oposição.

O Homem de Cera e o Fóssil Milionário

Ouço na SIC que José Castelo Branco (assim se intitula), o Homem de Cera e Betty Graffstein, o Fóssil Milionário, foram presos no aeroporto de Lisboa. Motivo: Contrabando de jóias.
A cena terá sido de antologia. Betty com o seu ar esfíngico falando tranquilamente em inglês. "Xossé, o que se passa. O que querem estes senhores? Fale com eles." José - recordando os seus idos tempos de Trumps - armando uma peixeirada digna do Bolhão. "Não me toquem, está-me a sujar a camisa Versace. Não me enxovalhe as calças Gaultier. Parece que não sabem quem sou eu, sou o José Castelo Branco. Acham que eu era capaz de contrabando. O Sr. Agente, sim, o senhor de corpo musculado, quer revistar-me? Essas jóias são da Betty, tirando aqueles 14 colares de pérolas que são meus. São para os meus shows. Acho que vou falar à Lili, ela deve conhecer alguém que me tire daqui. O quê? Querem levar-me para a prisão onde está o Bibi? Ah! Pronto, será que ainda consigo falar com ele hoje."
Imagino o regabofe que terá sido no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Adorava ter visto este ser ridículo e arrogante a ser exposto ao...ridículo.

4.11.03

Estações de Comboio

Vou esperar um amigo a Santa Apolónia. Passou algum tempo desde que me rendi à escravatura do carro. Pouco tenho usado o comboio e das últimas vezes já o fiz na bela pós-modernidade do Oriente.
Para variar o comboio atrasa. Melhor assim. Aproveito para uns minutos de melancólica observação. Lembro os tempos de estudante em que aos fins de semana este espaço ocupava uma parte importante da minha vida. Tempos de ida a casa para junto da família após uma "dura" semana de aulas.
Há um misticismo estranho nas gares. As paredes cansadas pelo tempo, o chão desgastado pelas passagens velozes dos atrasados. As velhas de negro, com caras sulcadas, sempre transportando cestas de verga cheias sabe-se lá de quê. Os estudantes de grandes mochilas, ora animados e ansiosos, ora pensativos. Senhoras, com o ar despreocupado de quem não guia nem quer guiar, comprando revistas de decoração. O apito estridente de uma locomotiva a sair. O inconfundível cheiro que inunda o ar. Os "agarrados" e vagabundos mendigando moedas e cigarros, ou buscando vítimas fáceis para furtos breves.
As chegadas apressadas em busca de táxi ou de um abraço de acolhimento.
Com grande pena minha nunca fiz Inter Rail. Não por um fascínio de percorrer quilómetros de mochila ás costas mas sim pelo inata sensação de liberdade e desprendimento. Sentir por dias e dias o ambiente de gares imponentes ou miseráveis. Repousar em bancos de madeira para fugir ao frio do exterior. Usar este meio de transporte de lirismo só superado pelos veleiros.

Halloween

Abomino o Halloween. Revolta-me esta aculturação a tradições americanas a que nada nos liga. Somos um país de tradições, fortes, porque teremos agora de importar as dos outros. Particularmente esta. Dedicando um dia a bruxas e a abóboras. Estas últimas ficam bem em sopa e as bruxas, bem, o melhor é perguntar ao Herman que nos últimos tempos se especializou neste tema.
Esta época do ano lembra-me broas. Lêvedas e de mel. Lembra o cheiro a castanhas inundando as ruas frias e húmidas. O dia de todos os santos tocando ás provincianas portas da minha terra em demanda de "bolinhos, bolinhos, à porta dos santinhos". As pessoas acorrendo ás janelas, vendo quem tocava, e alegremente nos compensando com um sorriso quase sempre acompanhado de um bolo ou rebuçado. As tias idosas que discretamente nos metiam umas moedas ou uma nota no bolso. O fim do dia em grupo, contanto os brindes conseguidos e comendo-os desenfreadamente. O regresso a casa para o cheiro das broas acabadas de fazer. O dia seguinte rumando à tarde com a mãe ao cemitério para limpar o jazigo de família.

29.10.03

Angola

Faz-me mal ver o nosso primeiro ministro a visitar um assassino. José Eduardo dos Santos há anos que o é. Promoveu e manteve uma guerra em proveito próprio. Devastou com isso um país, por entre mortos e estropiados. Toda uma geração de angolanos viverá no estigma de ter visto irmãos a matarem-se. Conseguiu uma fortuna colossal construindo um regime absolutamente corrupto e déspota. Enquanto isto o povo continua a viver na maior miséria.
Haverá solução para Angola sem ele? Não tenho resposta. Se calhar não há. Acredito também que o povo angolano precise de nós independentemente do seu líder. Nada disto invalida que me custe que Portugal se dê com gente tão pouco recomendável.

27.10.03

Prémios do dia

Prémio Lili Caneças - José Miguel Júdice. Parece que anda em todo o lado. Sugere-se que passe uns dias na Quinta das Lágrimas.

Prémio Vasco Granja - Ana Gomes. Desapareceu de circulação. Sugere-se que assim continue a bem da nossa sanidade mental.

Prémio Tom & Jerry - Manuela Moura Guedes e Miguel Sousa Tavares. Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos, com câmaras do Big Brother nas salas de maquilhagem.

Prémio Marilyn Monroe - Herman José. Por este andar acaba louro platinado a cantar "Diamonds are the girls best friends".

A nova hora

Odeio este novo horário. Não sei, não quero saber, nem me interessa a quem o devemos. Quero lá saber se as pobres criancinhas não devem entrar de noite na escola. E que as indústrias gastam assim menos energia. E que assim mantemos a diferença horária com Espanha e acompanhamos a Europa. Mas eu não quero acompanhar a Europa. O que de facto detesto, e me incomoda profundamente, é que as cinco da tarde passam a ser cinco da noite. É tão desagradável tomar chá sem luz natural.
Muito sinceramente, e ironias à parte, não será melhor entrar de noite no trabalho ou na escola, podendo sair com alguma luz de um dia que ainda não findou. Os dias assim parecem mais curtos e menos produtivos. Com o frio a chegar, ao cair da luz já só pensamos num sofá, numa lareira e num bom livro. Quem pode produzir assim.

Racionalidade

A racionalidade não é, claramente, uma estupidez. Pode é ser, transformada em modo de encarar a vida, uma forma castradora da criatividade e de uma postura mais hedonista.
O que levamos desta vida que não sejam os pequenos prazeres e os humildes momentos, não será por certo a frieza dos números e do raciocínio que na campa não entrarão.

Voxx à chuva

Sexta feira. Chuva inclemente sobre Lisboa. As ruas parecem um gigantesco stand de automóveis parados. Farto dos CD passo para a telefonia. Na TSF nada de novo. Passo à Voxx em busca de boa música. Escuto os acordes de "Por quem não esqueci" da Sétima Legião. Chega o refrão: "Procuro o cigano; para me dar o pó...", terei enlouquecido? A música prossegue com uma letra no mínimo invulgar. Espero a próxima. O acordeão debita algo semelhante a uma caninha verde minhota. Confirmo no RDS, é mesmo a VOXX. Sai uma ao estilo de Marco Paulo e uma sucessão improvável e, no mínimo, surrealista. As nuvens negras do trânsito imóvel dissipam-se com uma boa disposição incontrolável. Continuo parado mas agora divertido.
A tarde tornou-se menos penosa, ainda assim preocupo-me com a Voxx. Será que terei de reduzir em mais uma o restrito leque das rádio audíveis?
Sábado à tarde. Entro no carro para uma viagem longa. Ligo a telefonia, aparece Voxx no RDS, a boa música voltou. Alguém me poderá explicar o que se passou na Voxx nessa molhada tarde de sexta feira?

22.10.03

Adeus Lenine

Ontem fui, finalmente, ver o "Adeus Lenine". Consta que perdi um discurso do nosso Presidente e uma discussão acalorada no Jornal da Noite da TVI. Confesso que preferi o meu jantar de tapas seguido do filme.
Divirto-me mas penso o quanto sofreram os povos de Leste com a experiência soviética. A cena da manifestação é o cabal exemplo de como o poder do povo era apenas uma aparência nestes regimes. As propaladas igualdade e liberdade nunca foram tão falsas como na prática comunista. Uma elite educava o povo e este era suposto deixar-se educar sem nada perguntar ou por em causa. Um mimo. O filme vale a pena pelo seu sentido de humor, por vezes delirante, e por um argumento no mínimo imaginativo.

Maldades

Acordo mal disposto. O dia definitivamente ameaça não correr bem. Um feroz ataque de rinite alérgica ataca-me devastadoramente. Apetece-me descarregar com maldade sobre alguém. Gostava de ter a Dr. Ana Gomes à minha frente numa barraca de tiro ao alvo com tomates. Sim, tomates bem encarnados e bem maduros. Apetece-me trancar o Dr. Louça num Colombo sem FNAC, obrigando-o ao íntimo contacto com os mais puros instintos consumidores e capitalistas do povo. E que tal convidar o Dr. Ferro para o Big Brother, ao menos aí saberia que estava a ser escutado 24 horas por dia. Talvez não fosse má ideia descalçar o Dr. Barroso, percorrendo em seguida os seus pés com uma simples pena até o fazer rir, desalmadamente. Ao Dr. Sampaio talvez sugerisse a ingestão de "speeds" ou ácidos antes dos discursos, continuaríamos a não perceber nada, mas pelo menos a rapidez dos mesmos impediria que adormecêssemos rápida e alegremente. E que tal obrigar a nossa querida Ministra das Finanças a gastar dinheiro, em qualquer coisa que fosse.
A divagação vai longa, mas esta terapia de maldade está-me a fazer bem. As nuvens vão-se dissipando na minha cabeça, lembro-me de fazer um jantar do Dr. Soares com dez clones do Dr. Portas, ou vice-versa. Que tal obrigar o Dr. Cavaco a ler a integral do Independente de outros tempos. Uma terapia de bom humor para o nosso Nobel. Convidar o Dr. Carrilho como representante do partido num concerto da fogosa Ágata.
Que bem me sinto agora, por hoje acho já ter pensado o suficiente em mal, sinto-me próximo de um verdadeiro Demo. Que pena não poder concretizar algumas destas, digamos subtis, maldades...

17.10.03

Açores

A propósito de umas belas fotografias apresentadas no Picuinhices recordo os Açores, um dos poucos locais, a par com algum Alentejo, onde voltamos a ter esperança em Portugal e no mundo. Um sítio que o Homem ainda não conseguiu estragar. Um pedaço do nosso país onde nos sentimos como no último reduto do paraíso. Onde tudo é possível, o tempo tem ritmo próprio e a terra parece comunicar com sinais de fumo. Onde o verde não está sufocado por entre o betão e o ar que se respira cheira a flores ou a mar. Onde as gentes ainda são puras e têm orgulho do que é seu. Onde a comida eleva os sentidos. Onde o mar é cristalino até ao limite e no qual podemos passear por entre golfinhos brincalhões ou plácidas tartarugas. Um sítio onde valorizamos a vida e comprovamos, os crentes, que Deus existe e se demorou por aqui.

A mulher perfeita?

A esta eterna questão julgo encontrar uma resposta afirmativa ouvindo o disco de Carla Bruni, "Quelqu’un m’a dit". Depois de anos a mostrar a sua beleza e charme ao mundo, despertando os mais básicos sentidos masculinos, seduz-nos agora a cantar. Com o tímido sol desta tarde de Outono apenas apetece rumar a Itália ou Paris, com um anel numa mão e um enorme ramo de flores na outra. Que pena as coisas não serem simples assim.

A relação das secções ou as secções da relação

No episódio de hoje da nossa novela da Casa Pia (que por motivos estranhos não é da TVI, e não têm gémeos nem a Sofia Alves), sabemos que um acórdão da relação, efectuado um dia depois do que deu liberdade ao Sr. Pedroso, o contraria na quase totalidade. Parece que para os juizes desta secção o arguido tem sólidas provas incriminatórias contra si, algumas delas novas, e deveria ser mantido em prisão preventiva.
Será que a justiça em Portugal é feita em função das secções? Estarão os juizes a brincar connosco ou teremos princípios de uma epidemia de loucura colectiva nos nossos magistrados? Será necessário fazer exames de controlo anti-dopping? O povo aguarda cada vez menos sereno o fim desta novela. Quais serão os próximos episódios: Rui Teixeira constituído arguido por si próprio, Carlos Cruz a dar-se como vítima de abusos sexuais, Jorge Ritto a confirmar que era um agente infiltrado na rede e Paulo Pedroso a pedir indemnização a Catalina Pestana por assédio sexual? Tudo parece possível e esta novela, ao contrário das outras, promete ter um fim inesperado sem casamentos felizes.

14.10.03

Para as termas, e depressa.

Após o abalo governativo no qual caíram dois ministros, foram duas as senhoras escolhidas para os substituir. Talvez por inveja deste súbito protagonismo das mulheres do centro para a direita, eis senão quando surge Ana Gomes em todo o seu esplendor, saindo de dentro das nossas televisões com a infinita delicadeza de um elefante numa loja de cristais. A potência da sua presença foi tal que conseguiu a ubiquidade de estar a ser entrevistada em dois canais ao mesmo tempo.
Num acesso que facilmente se qualificaria de histeria, disparou para todo o lado. Primeiro que um artigo do Le Point (aliás já com alguns meses durante quais permaneceu silenciosa) teria referido dois ministros como sendo clientes habituais do Parque Eduardo VII. Não consta que até hoje tenham sido referidos por abuso de crianças, não consta até hoje que tenham sido investigados no caso Casa Pia, consta apenas que seriam frequentadores de um local de engate e prostituição homossexual. Segundo as palavras desta Passionária inflamada estes senhores deveriam estar a ser investigados (e como saberá ela que não o estão a ser?) , mais, parece que todos deveríamos saber os seus nomes, entrando assim por intimidades que me parece não interessarem a ninguém senão por sórdida curiosidade.
Continuou com a defesa do camarada Pedroso, insistindo que o assunto era político e voltando a falar na famigerada cabala, sob outros nomes, agora que este saiu de moda. Voltou a defender a festança no parlamento e todas as outras manifestações que, na sua sempre brilhante opinião, em nada são pressões sobre a justiça e que, em nenhuma circunstância, são formas de politizar a questão. Parece estranho, afinal o que seria necessário para politizar esta questão para além de tudo o que fez o PS?
Não contente com todos estes pensamentos ainda questionou a nomeação de José Lamego para o Iraque, desvinculando totalmente o partido desta decisão e esclarecendo que a mesma foi tomada apenas a título pessoal. Curioso raciocínio que estabelece um trabalho ao serviço do país como algo do foro pessoal e um crime de pedofilia como um crime político.
Aparentemente o PS apercebeu-se de mais uma salva de tiros no pé e, ainda hoje, António Costa veio a público puxar a orelhas da camarada Ana, pedindo silêncio e prudência sobre este tema. Parece que o Dr. Costa percebeu que a histeria colectiva do PS estaria a entrar em patamares dignos de internamento. Termas meus senhores, termas recomendam-se e para já. O país aguarda ansioso.
JAC

13.10.03

Portugal ou EUA

Estou inquieto...
São dias de pessimismo estes em que duvidamos do amor ao nosso país e não percebemos que país é pior, se o nosso querido Portugal se os agora fora de moda Estados Unidos.
Nós temos Ministros dos Negócios Estrangeiros que tentam alterar a lei à medida das filhas e, na impossibilidade de o conseguir, metem discretas cunhas a assessores do Ministro da Educação. Depois dizem sobre palavra de honra e em grande pompa que não falaram com o colega da Educação. Claro que agora se percebe que isso não era necessário, uma vez que o Ministro já tinha convidado o assessor da Educação a mudar para o seu ministério e assim nem precisou de falar com o colega, falou com o assessor. A continuação é ainda mais bizarra pois o primeiro a demitir-se foi o da Educação e, após grande estrondo no país, só depois o dos Negócios Estrangeiros. O mais curioso foi o silêncio ensurdecedor do Primeiro Ministro, quiçá preocupado com alguma pesquisa de receitas de cherne com a nova Ministra.
Ainda nós, temos um ex-deputado que estava em prisão preventiva por abuso de menores que, após recurso na relação aprovado apenas por maioria, saiu em liberdade com termo de identidade e residência. Num qualquer país isto seria um dado normal, noticiado com ponderação uma vez que o julgamento ainda não começou e, apesar da óbvia presunção de inocência, ainda ninguém foi ilibado. Mas não, aqui deu direito a directos desde as seis da tarde em todas as televisões, filmando incessantemente qual Manuel de Oliveira um plano fixo da porta da penitenciária, aguardando a emocionante saída do deputado. A histeria dos jornalistas era grande e á saída perseguiram a pé o carro onde o Sr. deputado saiu, rodeando-o no primeiro semáforo onde parou. O espectáculo prometia terminar, mas eis que num frenético directo do parlamento, dezenas de jornalistas se empurravam à porta. Chegou o carro e parecia a final do Super Bowl americano, as formações correram, sem olhar a meios, atrás da bola (vulgo deputado) por entre portas e escadas deixando vários espojados pelo caminho. Por momentos pensei que era o D. Sebastião a regressar, mas não, não havia nevoeiro. Os colegas do PS choravam, talvez recordando-se do 25 de Abril, e os abraços eram intensos ao herói - que por acaso é ainda arguido dos mesmos 15 crimes de abuso de menores, o que é de somenos importância. A emoção tomava conta de todos, com a honrosa excepção da jornalista da SIC que continuava a frisar que a situação jurídica do Sr. era igual á do dia anterior, com a única diferença de a aguardar em liberdade. Estranho país este em que as vítimas de crimes tão simpáticos como violação enquanto menores são esquecidos e os supostos criminosos tidos como vítimas de uma conspiração e tratados como heróis. Ninguém questiona que houve crimes, parece é que toda a gente quer que não haja criminosos, estes - ainda com presunção de inocência - ou outros quaisquer. O PS parece ter saudades de um sistema feudal em que os poderosos faziam o queriam e tinham tratamento diferente, para as ortigas a igualdade de direitos.
Perante isto, tudo parecia perdido, definitivamente Portugal seria um país do terceiro mundo mas...
Os EUA, grande bastião da nova civilização ocidental, suposto modelo social de virtudes acaba de eleger como governador de um dos seus estados mais importantes e quinta economia do mundo... o Arnold qualquer coisa. Aquele que já foi um Exterminador Implacável, o Conan, o único homem que já engravidou, o ex mister universo, no fundo um grande intelectual e um político de futuro.
Afinal continuo a preferir o nosso Portugal, nós, apesar de alguns Jardins, Loureiros, Avelinos ou Macários, ainda não elegemos o Tarzan Taborda para nenhum cargo público. Benza-nos Deus.

JAC