28.2.07
Lei-aborto
Ontem foi entregue a proposta de lei do aborto na Assembleia da República e nela, pasme-se, aparece o aconselhamento como facultativo e apenas a pedido da mulher. Aquilo que foi negado veementemente pelo “Sim” na campanha acabou por acontecer, o aborto passa a ser livre e sem qualquer restrição. O aconselhamento, agitado durante a campanha por eminentes personagens, foi afinal uma mentira para convencer indecisos. As criaturas que apresentaram a lei ainda conseguem o desplante de considerar esta proposta equilibrada e de consenso, algo que só com manifesta má fé se pode dizer. Se esta é uma proposta equilibrada, o que seria então uma proposta desequilibrada perante os resultados do referendo? Aborto aconselhado pelo estado para reduzir custos sociais de crianças nascidas pobres?
Perante tudo isto resta esperar que, numa expressão muito em voga, Cavaco tenha tomates para vetar esta lei. Eu, como pouco espero do homem de Boliqueime e penso que o local que mais o interessa é o próprio umbigo, não acredito. No entanto a ver vamos.
27.2.07
A visão da guerra de Eastwood é a dos códigos de honra e dos patriotismos, dos medos, das memórias de quem se deixou, feita de soldados humanos com as suas diferenças e individualismos. A guerra, as guerras, tendem a ser vistas como algo de distante, deliberado por políticos e governantes inacessíveis e executada por robots ao serviço de uma pátria. Habituámo-nos a ganhar um distanciamento televisivo da morte, a torná-la algo de aritmético e estatístico. Esquecemos a guerra como ela é por dentro, com toda a sua humanidade e idiossincrasia.
Não há guerras boas, como não há apenas soldados inimigos maus. Eastwood foca muito da sua visão da guerra neste ponto, o inimigo não é genericamente mau, assim como o americano não é totalmente bom. A guerra pode ter, consoante a visão, um lado que represente o bem e outro que represente o mal, mas não é formada por massas homogéneas de bem e de mal, facto tantas vezes esquecido numa visão simplista da história. Para Eastwood é claro o seu lado na guerra, assim como é clara a diferença de sociedades – bem expressa nos japoneses que estiveram nos E.U.A. –, mas a diferença não implica superioridade e tem raiz na incompreensão, no desconhecimento. Os soldados japoneses ao querer matar o prisioneiro americano não o faziam por pura maldade, mas por não o entenderem como um igual, como um ser humano como eles, na mesma situação que eles, com as palavras escritas para a mãe que eles também escreveram.
Iwo Jima é o exemplo de uma batalha imbecil, onde o destino estava traçado à partida e em que os códigos de honra e patriotismo levaram a uma enorme chacina de seres humanos de ambos os lados. Foi heróica a resistência dos japoneses, mas de um heroísmo sem sentido, pois a morte estava marcada a ferro no seu destino. As vidas foram usadas num combate de números, em nome de um pretenso golpe de marketing para outras batalhas. A insensibilidade com que as guerras são tratadas cria-nos um distanciamento frio, mas por vezes é com um simples filme de duas horas e meia que nos questionamos e que descemos à nossa condição humana, olhando o mundo com outros olhos e a guerra com uma proximidade quantas vezes esquecida.
26.2.07
Diálogos Imaginários
– Com certeza, menino. Alguma celebração em especial?
– Claro que sim, Charles. Finalmente a Academia deu um Óscar a Martin Scorsese.
– Em hora boa, menino. Em hora boa.
23.2.07
Indignação selectiva
“Há coisas que se vão aprimorando com os anos. Talvez seja melhor dizer que se vão "apurando" com a experiência. Soa bem e cai ainda melhor, dá outro ar e sempre gostei de eufemismos. Digo isto com alguma ironia, naturalmente. Mas não era sobre minudências pessoais que gostaria de escrever.
Estive hoje num grande armazém de pronto-a-vestir onde existem dois tipos de roupa : a cara e a caríssima. Inexplicavelmente, dirijo-me sempre para as etiquetas que ostentam os valores mais escandalosos. É inevitável. Não é um capricho, é uma visão cirúrgica. É um sexto sentido esmerado. É uma perda de tempo. É uma chatice.
Pode estar a três ou quatro metros, que graças a Deus vejo bem ao longe, mas lá está o casaco de três digitos ou a camisola de caxemira. Lá no íntimo, eu, muitas de nós, sabemos que aquilo que vemos, exactamente porque é diferente, há-de ser, digamos, uma ficção. Apesar disso, nada nos impede de o olhar e revirar. Em situações extremas damo-nos ao trabalho de o provar, o que por vezes é bom. Outras vezes não é tão bom assim. Uma mente precavida e uma carteira pouco recheada acaba sempre por encontrar algum defeito. Lá está, é bom. Já uma criatura com ego inflamado mas praticamente na penúria, sente de imediato a necessidade de devorar um chocolate inteiro. O que é mau: pela frustração e pela dose de calorias. Quem nunca sentiu este olhar apurado, esta temível inclinação para marcas inatingíveis e preços praticamente obscenos que levante o braço. Sou pessoa para lhe passar um certificado de "consumidora feliz".
E se nos voltarmos a cruzar com aquele casaco, pode ser que esteja enfiado numa sujeita a precisar de tirar o buço e uns quilos a mais. Afinal, o casaco não é tudo. Pois...”
Desculpas voltam a atacar
“Todos os dias se mata, todos os dias nos vamos habituando. Mas, um dia, há um morto especial que nos lembra o absurdo da violência. O Brasil (o Brasil!, esse especialista do assunto) vive, desde a semana passada, um momento desses. Começou banalmente num semáforo do Rio de Janeiro, onde parou um Corsa. Dentro do carro, a condutora, urna amiga, a filha da condutora, de 13 anos, e o filho, João Hélio, de 6. As notícias que marcam acumulam aqueles pormenores que, depois, nos alimentam a conversa. Aqueles acasos que, depois, nos servem para confirmar corno o destino tem um jeito que é só seu para dar para o torto. O garoto, sentado no banco de trás, usava o cinto de segurança, bom hábito tão raro no Brasil.
Continua-se no trivial: parada no cruzamento, a condutora vê urna arma apontada e ouve a ordem para abandonar o carro. Saem todos. Quer dizer, nem todos. A condutora contorna o carro para libertar o filho do cinto de segurança. Outro pormenor para alimentar conversa: nessa tarde, João Hélio tinha marcado o seu primeiro golo na escola. A mãe abre a porta, puxa o garoto mas o cinto de segurança atrapalha. Nessa altura, os bandidos - são três e muito jovens - já estão dentro do carro. Este arranca, João Hélio escapa dos braços da mãe, a porta fecha (a lei da inércia funcionou, a única que não falha no Brasil) e o miúdo fica do lado de fora, preso. Durante sete quilómetros vai espalhando partes de si pelas ruas.
Os bandidos sabiam que levavam um corpo arrastado. Fazem ziguezagues corno quem se quer livrar de um estorvo. Mais do que a visão da cabeça do menino batendo no asfalto e na roda traseira, urna testemunha disse que nunca mais se esquecerá do desespero da irmã, gritando atrás do carro. Mais à frente, um motociclista alinha-se com o carro e faz sinal que arrasta um corpo. Os bandidos fazem-no desistir, apontando-lhe urna pistola. Sete quilómetros da cidade, bairros inteiros, botequins de esquina, um quartel de bombeiros, vêem o desfile macabro. Primeiro, julgando ser piada de mau gosto com boneco, depois, assustando-se com a lataria ensanguentada do carro. Enfim, o Corsa é abandonado numa rua tranquila. Outro pormenor, para dar pinceladas à conversa: o primeiro polícia que chega ao local é um sargento, não é novato, mas, depois de olhar a massa informe em que se transformou o João Hélio, desata num choro, não consegue pedir socorro.
Os três bandidos: um tem 23 anos e já seis entradas e saídas da prisão, outro, 18 anos, e o outro, 16, ambos sem cadastro. Depois de abandonar o carro, foram jantar a casa e foram a urna festinha da igreja do bairro. No dia seguinte, o de 16 e o de 18 anos são presos. Depois, é preso o de 23, irmão do menor e chefe do gangue, que costumava fazer estes assaltos.
Esse o caso que fez o Brasil assombrar-se. Emoção sentida, violinos baratos (os cortejos de Carnaval fizeram minutinhos de silêncio e versinhos) e, inevitavelmente, a discussão jurídica. Se, em vez daquele entra-e-sai da cadeia do chefe do gangue, ele estivesse numa a sério e pelo tempo razoável que a sua insistência no crime pedia, não se teria poupado o João Hélio? Pergunta demagógica, de acordo. Então, factos: o menor, aquele que apontou a pistola à condutora, ficará detido, no máximo, por três anos. O de 18 anos, mesmo que condenado ao máximo da pena, 30 anos, deverá ser solto ao fim de um sexto do cumprimento dela. Corno diz à revista Época, irónica: "Daqui a cinco anos, talvez esteja nas mesmas festinhas da igreja."
O Brasil tem das mais brandas legislações penais para menores. Em Inglaterra, para falar do país que inventou o habeas corpus, um menor pode ser condenado à prisão perpétua. Acontece que o Brasil está refém do seu arrependimento: em 1993, polícias mataram oito miúdos de rua, frente à igreja da Candelária, no Rio. Corno é que um país assim pode endurecer as suas leis para menores, sem ter as organizações internacionais à perna?
A verdade é que o Brasil tem muitos filmes sobre pivetes, garotos de favela, adolescentes da Cidade de Deus, filhos dos "capitães da areia" de Jorge Amado. A consciência pesada vende. Mas João Hélio, aposto, não vai dar filme.
Exagero? Então, oiçam. Na sexta-feira, o Presidente Lula foi inaugurar a maior central telefónica do mundo, em São Paulo. Seis mil empregos, quase tudo gente jovem. Lula falou para eles sobre o caso que abala o Brasil. Sobre João Hélio? Não. Sobre a necessidade de não ser demasiado emotivo com o condutor assassino: "Se a gente estivesse naquele lugar, o que a gente faria? Certamente nós faríamos quase a mesma barbaridade que ele fez com aquela criança." Não tendo havido linchamento, estranha-se a prioridade das preocupações. Espalha-se massa encefálica de urna criança pelas ruas e ganha-se o Presidente corno advogado.”
Linha do Tua
“Poucos sítios mantêm a paisagem natural rude e agreste, bela ao modo do "terrível", como os vales dos afluentes do Douro, rio de montanha rodeado por rios de montanha, que fizeram o seu leito cavando rochas e não espraiando-se por terras baixas irrigadas. O vale do Tua é um desses casos de beleza, ignorado, perdido, numa parte de Portugal que a maioria dos portugueses nem sabe que existe.
Mas, não tenhamos ilusões, a sua beleza selvagem só tem uma explicação, a de não ter havido até agora nenhum negócio rapace que tornasse o vale numa selva de empreendimentos e as cumeadas em enxames de eólicas. É natural que este seja o desejo dos locais, que precisam de emprego, negócio, comércio e riqueza e que, como uma vez me disse um velho de um desses locais prístinos, "não percebo porque gosta disto, são só montes, estamos fartos de só ver montes, que interesse têm?". A verdade é que, se for assim, nem o pouco que têm em potência vai sobrar em acto. Gastar-se-á em meia dúzia de anos. Porque o nosso problema é que passamos sempre do oito para o oitenta, do nada miserável do atraso para o novo-riquismo da combinação construção-turismo barato subsidiado-obras públicas.
E no meio do caminho da sua vida, como Dante à entrada do Inferno, lá continuará o vale do Tua, com a sua linha de "metro" que transporta meia dúzia de pessoas ao dia, de lado nenhum para lado nenhum, num sítio tão remoto e deserdado de tudo menos da beleza que nem um responsável dos comboios achou necessário ir lá para honrar os seus mortos, os mortos da empresa que "gere". Retirado o último morto das águas, o silêncio voltará, se calhar também já sem o "metro" de Mirandela.”
21.2.07
Agradecimentos
19.2.07
Grande Mangueira!
TENHO A MAIS BELA MANEIRA DE EXPRESSAR
SOU MANGUEIRA... UMA POESIA SINGULAR
FUI AO LÁCIO E NOS MEUS VERSOS CANTO À ÚLTIMA FLOR
QUE ESPALHOU POR VÁRIOS CONTINENTES
UM MANANCIAL DE AMOR
CARAVELAS AO MAR PARTIRAM
POR DESTINO ENCONTRARAM O BRASIL...
NOS TRAZENDO A MAIOR RIQUEZA
A NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA
SE MISTUROU COM TUPI TUPINAMBRASILEIROU
MAIS TARDE O CANTO DO NEGRO ECOOU
ASSIM A LÍNGUA SE MODIFICOU
EU VOU NOS VERSOS DE CAMÕES
ÀS FOLHAS SECAS CAÍDAS DE MANGUEIRA
QUE FALA AO PULSAR DO CORAÇÃO
.
DO OIAPOQUE AO CHUÍ OUVIR
A MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
IDOLATRADA OBRA-PRIMA TE FAÇO IMORTAL
SALVE... POETAS E COMPOSITORES
SALVE TAMBÉM OS ESCRITORES
QUE ENRIQUECERAM ATUA HISTÓRIA
Ó MEU BRASIL...
DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃE GENTIL
HOJE A HERANÇA PORTUGUESA NOS CONDUZ
À ESTAÇÃO DA LUZ
.
MEU IDIOMA TEM O DOM DE TRANSFORMAR
FAZ DO PALÁCIO DO SAMBA UMA CASA PORTUGUESA
É UMA CASA PORTUGUESA COM CERTEZA
16.2.07
Fim-de-semana imaginário
Hotel Danieli, Veneza
Banho retemperador e prova final nas fantasias entretanto chagadas ao quarto.
Hotel Danieli, Veneza
Saída para uma bebida antes do jantar.
Terraço do Café Quadri
Subida para uma mesa junto à janela para jantar.
Restaurante do Café Quadri
Passeio pelas ruas.
Baile de Máscaras em casa de amigos.
Lisboa que anoitece...
15.2.07
Diálogos Imaginários
– Charles, com este dia medonho vou ficar por casa. Acho que me apetece um lanche reforçado.
– Com certeza, menino. Vou preparar uns scones, da receita da senhora sua mãe, para servir com compotas de framboesa e chá. Posso também fazer aquele pão-de-ló encruado no meio que o menino tanto gosta. Com o habitual chá e umas torradinhas com lemon curd.
– Perfeito, Charles. Aliás, tão perfeito que acho que vou dizer a uns amigos para se juntarem
– Muito bem, menino. Quando puder diga quantos são para poder arranjar a mesa.
Comboios
14.2.07
História
Salazar
Democratas
Erros
13.2.07
Espanto
Elogio do Silêncio
A propósito da estreia comercial de “Into Great Silence” – “O Grande Silêncio”, de Philip Gröning, volto a publicar um post de Outubro de 2006, aquando a sua exibição no DocLisboa.
“A deslocação a um cinema para ver um documentário de cerca de três horas sobre a vida monástica dos cartuxos (a ordem de clausura com regras mais ascéticas) – filmado com som ambiente, luz natural e sem equipa técnica, que não o realizador, segundo regras estabelecidas pelo abade para, dezasseis anos após o pedido de Gröning, autorizar a entrada na Cartuxa – é experiência radical a que não aconselharia noventa por cento dos meus amigos. Tudo levava a imaginar um filme chatíssimo, e apenas uma conjugação de interesse artístico e religioso me levou aceitar a experiência. Sim, a experiência, porque é disso que o filme trata. A experiência de partilhar uma forma de vida exótica perante os padrões de vida de hoje em dia. Mais do que “entrar” no silêncio, entramos num mundo paralelo em que o tempo é conceito diferente, regrado e repetitivo, mas tranquilo.
A clausura sempre foi uma manifestação de fé que tinha grande dificuldade em compreender. O que levaria um ser humano livre a deixar-se reger por um regime de vida profundamente ascético e que tornava a sua existência um mero ritual repetitivo de oração? Porque motivo alguém escolhe, no mundo de hoje em que as liberdades são conhecidas por (quase) todos, uma vida em que o mundo é apenas uma existência física para lá de muros e paredes? O filme não procura esta resposta, como aliás não procura nenhuma resposta, seguindo o rigor jornalístico na forma com se “limita” a mostrar uma vivência, uma opção de vida, sem um julgamento moral ou social. Gröning não nos diz que esta reclusão, ou qualquer outra reclusão, é boa ou má, aceitável ou não, apenas nos mostra com crueza e rigor como é vivida essa reclusão. Claro que observar como é a vida de clausura nos permite ter o nosso próprio julgamento, não condicionado por ideias veiculadas no filme, mas sim pelo nosso julgamento perante a realidade que nos é mostrada. Ao ver como é a vida destes monges, consigo melhor perceber que assim consigam viver.
O silêncio é algo de que tendemos a esquecer o valor. Quantas vezes poderemos dizer que estamos, de facto, em silêncio? Hoje, a sociedade associa o silêncio à solidão, à tristeza, a uma fuga da realidade cada vez mais barulhenta e feérica, a uma fuga do mundo. Acredito que tudo isto se passe em cada monge que escolheu a vida da Cartuxa, apenas um factor não é semelhante, para eles o seu mundo não é o nosso mundo vulgar e comezinho, o seu mundo é o espiritual, e o “nosso” é apenas suporte físico intermédio numa relação permanente com o divino.
Será a clausura necessária para alguém poder dedicar a sua vida a Deus? Não creio, mas é uma forma como qualquer outra para alguém se encontrar consigo próprio e com Deus. Não será tão exótica esta opção de vida radical como será a dos hippies ou dos ciganos nómadas? Cada vez mais a sociedade nos manipula a acolher diferenças que se tornam politicamente correctas e que acabamos por ter de aceitar, porque não aceitar que alguém queira simplesmente ter o seu mundo sem incomodar ninguém?
Cinematograficamente o filme é interessantíssimo, pois mostra o enorme talento de Gröning para filmar em condições mais do que complicadas. Ele não podia utilizar as técnicas habituais, a sua câmara teria de ser crua e discreta, simples e sem artifícios. A beleza estética que resulta das imagens é impressionante, e há planos inesquecíveis, tais como as orações nocturnas acompanhadas por cantos gregorianos ou os primeiros planos frontais dos monges. Não obstante, o mais notável no filme é a forma como o mesmo é montado e com isso consegue criar uma lógica argumentativa. A montagem consegue tornar o filme surpreendentemente ritmado, criando um ciclo repetitivo de tempos, um ciclo nunca fechado, permanente. A sequência de imagens alterna imagens da vivência dos monges – rezando, comendo, cantando – com a natureza em redor – com a maravilhosa natureza em redor e as suas montanhas cobertas de neves ou ribeiros correndo na primavera. Gröning consegue, através de uma brilhante realização e de uma fabulosa montagem., criar uma quase-hipnose ao longo do filme da qual apenas somos despertados quando as luzes se acendem. No final do filme, a sensação é a de que de facto estivemos na “Grande Chartreuse” por tempo indefinido, há um tempo indefinido. Enquanto o filme dura esquecemos o mundo, o nosso mundo, e compartilhamos a experiência de espiritualidade vivida pela oração, por uma vida de constante oração."
12.2.07
Realidades
Conservar ou fugir
Fair-play
Resultados
Civilização
Pena não se poder espancar
Tiro no pé
10.2.07
Herman e os Gatos
O “Tal Canal” foi um marco, uma lufada de ar fresco num país cinzento, com o “Diário de Marilú”, as crónicas de José Esteves, o “Jaquina Jaquina”, o “Cozinho para o Povo”, o Oliveira Casca, o Carlos Filinto Botelho, o menino Nelinho e a Sra. D. Palmira ou o grande Tony Silva. O “Hermanias” foi um seguidor natural e trouxe o cameraman “mas que é isto, é uma brincadeira ou quê” e o show do inenarrável Serafim Saudade com as suas hilariantes coreografias. Os programas de passagem de ano foram fantásticos e quem não se lembrará de “eu sou José Severino e sou pasteleiro…eu é mais bolos, salgados também, mas é mais bolos…”, do “batem leve, levemente, como quem chama por mim, fui ver era o Ovário…a assunção tema tabu…não, eu queria dizer Octávio, o meu primo Octávio, mas enganaram-se na tipografia”, ou as versões de músicas conhecidas com letras delirantes. O talento do Herman está espelhado na forma como conseguiu tornar o mais chato dos concursos, a Roda da Sorte, num programa do mais louco e desbragado humor. Como esquecer os momentos com Vítor Peter (Oh! Ivone. Oh! Ivone. Oh! Ivone. Good bye my love) ou o programa final, com Herman a disparar, de carabina em punho, estúdio fora, destruindo electrodomésticos e todo o cenário. O Humor de Perdição trouxe as entrevistas históricas a Florbela Espanca “ó filho faz-me qualquer coisa”, a Camões “Uh! Uh! Tens filhas, tens filhas. Traz também. Uh!” e à Rainha Santa Isabel que de tão polémica levou ao fim do programa. O mais sofisticado “Casino Royal” foi talvez o seu trabalho mais incompreendido, mas ainda assim com muitos momentos de grande qualidade. A Herman Enciclopédia, com fases menos felizes, tinha ainda assim personagens fabulosas como o Mike e Melga ou o Diácono Remédios e a sua mãe Rute Remédios.
Os Gatos já fizeram sketches realmente excelentes, mas basta o programa do último Domingo – em o que apenas me arrancaram um leve sorriso – para perceber que o caminho para que possam ser comparados com o Herman é ainda longo. O pior é que os Gatos, além de estarem a esgotar a sua imagem em incessantes anúncios à PT – percebe-se que o dinheiro compra muita coisa e afinal Herman não foi o único a pensar assim –, estão a adquirir tiques de vedetas, em especial o Ricardo Araújo Pereira, para os quais ainda não têm estatuto. Com tudo isto não quero dizer que os Gatos são maus, muito antes pelo contrário, mas acho que só a falta de concorrência que vão tendo por este país os torna umas vedetas incontestáveis e isso só os pode prejudicar, a eles e a nós que podemos perder um grupo que tem de facto, ainda que nem sempre, muita graça.
9.2.07
Agenda em dia
8.2.07
Prioridades
Dentro dos primeiros, há os que valorizam mais a liberdade da mulher por a considerarem um valor superior à vida do feto, e os que valorizam mais a liberdade da mulher por considerarem pura e simplesmente que não existe vida humana no feto. Dentro dos segundos, há os que valorizam mais a vida do feto porque a acham uma vida humana como qualquer outra vida humana; e há os que, não atribuindo à vida do feto o mesmo valor que atribuem à vida de um ser humano nascido, ainda assim, consideram-na mais valiosa que a liberdade da mulher (em abortar e em fazê-lo de forma segura).
Qualquer uma destas posições é politicamente legítima. Independentemente dos conhecimentos sobre medicina, física, ética, filosofia, lógica, matemática, direito ou trabalhos manuais que cada um tenha, qualquer uma destas posições é politicamente legítima. Por isso há debate, discussão, campanhas, urnas, votos, referendo. Por isso, todas as pessoas com mais de 18 anos têm o direito de, no próximo domingo, riscar uma cruz num quadrado.
Um referendo não é uma sondagem de opiniões. A decisão que vai ser tomada dia 11 é uma decisão política. Não num sentido partidário ou sequer ideológico, mas uma decisão política na mais nobre acepção do termo: deve ou não o Estado (o poder público, a comunidade politicamente organizada) continuar a proteger a vida do feto? Deve ou não o Estado, em nome dessa protecção, limitar a liberdade da mulher?”
Ficamos à espera
.
Parabéns ao Corta Fitas por um ano de existência, ao longo do qual se tornou habitual destino de visita.
7.2.07
Over the Rainbow
Eva Cassidy em concerto no Blues Alley.
Uma das minhas vozes favoritas numa versão comovente de Over the Rainbow.
Prece
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Fernando Pessoa, “Mensagem”
6.2.07
Padre António Vieira
“A mais poderosa inclinação e o mais poderoso apetite do homem é desejar ser. Bem nos conhecia este natural o demônio, quando esta foi a primeira pedra sobre que fundou a ruína a nossos primeiros pais. A primeira coisa que lhe disse e que lhe prometeu foi que seriam: Eritis (Gên. 3,5), e este eritis, este sereis foi o que destruiu o mundo. Não está o erro em desejarem os homens ser, mas está em não desejarem ser o que importa. Uns desejam ser ricos, outros desejam ser nobres, outros desejam ser sábios, outros desejam ser poderosos, outros desejam ser conhecidos e afamados, e quase todos desejam tudo isto, e todos erram. Só uma coisa devem os homens desejar ser, que é ser santos. Assim emendou Deus o sereis do demônio com outro sereis, dizendo: Sancti eritis, quia Ego sanctus sum . O demônio disse: Sereis como Deus, sendo sábios; e Deus disse: Sereis como Deus, sendo santos. E vai tanto de um sereis a outro sereis, que o sereis do demônio não só nos tirou o ser como Deus, mas tirou-nos também o ser, porque nos tirou o ser santos, e o sereis de Deus, exortando-nos a ser santos, como ele é, não só nos restitui o ser como Deus, senão também o ser. Quando Moisés perguntou a Deus o que era, respondeu Deus definindo-se: Ego sum qui sum (Êx. 3,14): Eu sou o que sou — porque só Deus tem por essência o ser. Agora diz a todos os homens por boca do mesmo Moisés: Se sois tão amigos e tão ambiciosos de ser, sede santos, e sereis, porque tudo o que não é ser santo, é não ser. Sede rei, sede imperador, sede papa: se não sois santo, não sois nada. Pelo contrário, ainda que sejais a mais vil e mais desprezada criatura do mundo, se sois santo, sois tudo o que pode chegar a ser o maior e mais bem afortunado homem, porque sois como aquele que só é e só tem ser, que é Deus. Todo o outro ser, por maior que pareça, não é, porque vem a parar em não ser. Só o ser santo é o verdadeiro ser, porque é o que só é, e o que há de permanecer por toda a eternidade.”
in Sermão de Todos os Santos
5.2.07
Diálogos Imaginários
– A precisar de mandar vir mais da quinta, menino.
– Isto este ano está um gasto nunca visto.
– Estamos a perder o clima tranquilo que tínhamos. Mas não se preocupe que eu peço aos caseiros para enviarem mais uma camioneta.
– Obrigado Charles, sem lareiras fica mesmo insuportável estar nesta casa.
2.2.07
Publicidade institucional
1.2.07
1 de Fevereiro de 1908
Sugestão
Facilidades
Liberalizar o aborto será torná-lo, oficialmente, num método contraceptivo, apesar de hoje ser possível uma contracepção quase 100% segura (há, sempre, uma milionésima possibilidade de falhar). Há gravidezes indesejadas, é um facto, mas o que importa é perceber porquê e ajudar as mulheres a actuarem antes. Ou então ajudá-las a ter essa criança, criar-lhes condições para uma maternidade digna. Permitir o aborto, sem antes tentar evitá-lo, é seguir a via do facilitismo e da desresponsabilização do estado, e isso, para mim, é inaceitável. Agisse o estado assim noutros assuntos e poderíamos ter lojas de venda e injecção de heroína, um problema social e de saúde pública tal como o aborto, como forma de impedir o tráfico e as más condições de ingestão da droga. Seria fácil de executar, até se acabava com o tráfico, mas seria aceitável para a sociedade?