3.3.04

Aborto

Hoje discute-se na Assembleia da República a descriminalização do Aborto. Por motivos quanto a mim oportunistas, um assunto referendado há seis anos, e na altura refutado pela maioria dos votantes, volta à actualidade. Na altura não dei o meu voto, por comodidade e por achar que o "Sim" ganharia. Mas essencialmente porque a campanha tomou contornos abjectos de parte a parte, com a "inteligentzia" a bramir pelos direitos da mulher (com meninas bonitas dizerem-se donas do seu ventre) e os adeptos do "Não" com gritos histéricos pela vida. O assunto é sério demais para ser discutido assim, a campanha levou-me a não querer dar razões a ninguém. Não votei.
Sobre o assunto deixo aqui algumas notas dispersas e desorganizadas:

- Tivemos um referendo há muito pouco tempo. Parece-me elementar que se respeite a vontade da população. Democracia é isto, é aceitar a vontade do "povo" expressa nas urnas, seja a nossa ou não. A esquerda parece esquecer-se disso com demasiada frequência, surgindo com a habitual arrogância moral de quem se julga detentor de verdades absolutas.

- Sendo proibido, o aborto é feito em Portugal. Ninguém questiona, mas também há maus tratos, tráfico de droga, violações, pedofilia e não pensamos em legalizá-los por existirem. Este argumento, tantas e tantas vezes utilizado, não faz sentido. Os governos não podem legislar indo atrás de tudo o que ocorre numa sociedade. Algo por existir não nos pode levar forçosamente a aceitá-lo.

- Um aborto é tirar uma vida, ainda em estado de gestação, mas uma vida. Não podemos, como sociedade, descartar vidas em nome de comodidades ou conveniências. Não aceito o aborto como método contraceptivo.

- O sexo não tem, obviamente, que existir apenas com o fito da reprodução. Mas deve ser responsável, ou em caso contrário a responsabilidade deve ser assumida pelos intervenientes. O "combate" deve ser feito antes da fecundação do óvulo, esta – em alguns casos - nem sequer se deve dar, aí é que o Estado pode, e deve, intervir na formação e educação das pessoas. Prevenir sempre foi melhor do que remediar.

- O aborto é uma questão moral. Mas também é uma questão social. O aborto implica uma postura do Estado.

- Não me parece que descriminalizar melhore a situação. Quem vai ter dinheiro para pagar a multa são os mesmos que tem dinheiro para ir a Espanha. Falsa questão.

- Dizer que a legalização do aborto vai melhorar as condições das mulheres que os fazem não me parece real. O estigma ligado ao aborto impedirá, de um modo geral, as mulheres de recorrerem aos hospitais públicos, particularmente em meios pequenos. Os abortos de vão de escadas não vão acabar, acreditar que sim é de enorme ingenuidade.

Apesar de todas estas observações não consigo ter uma ideia absoluta sobre o assunto. Obviamente que não consigo, nem conseguirei, apontar o dedo a qualquer mulher que faça um aborto. Ainda assim acho que o Estado não deve permitir algo que se deve evitar e combater. O que está em causa é mais do que uma luta entre esquerda e direita, é uma questão social e civilizacional. Podemos acreditar numa determinada sociedade ou noutra, eu acredito numa sociedade em que o aborto não é legal mas que é, dentro do possível, eficazmente combatido.

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