A notícia da criação de um Museu Ibérico de Arqueologia e Arte em Abrantes deixou-me com enorme expectativa. Não é todos os dias que um museu é criado, ainda mais na nossa terra e com as interessantes colecções que para este se prevêem: Colecção de Arqueologia da Fundação Estrada e doações das colecções pessoais de Maria Lucília Moita e Charters de Almeida. A expectativa aumentou ao saber que havia sido escolhido o Arquitecto Carrilho da Graça para desenhar o edifício. Fiquei a esperar o melhor. E esperei até desesperar perante a maquete apresentada, na qual pensei que havia alguém com muito sentido de humor a querer fazer um qualquer ensaio académico sobre como não implantar um edifício na malha urbana. Infelizmente tratava-se, de facto, do projecto do novo museu abrantino.
Quando discuto arquitectura e o seu diálogo com as cidades, insisto em dizer que mais do que o traço, o que me importa é a volumetria e o enquadramento. Para a harmonia de uma cidade é muito mais lesivo um grande volume bem desenhado, mas mal enquadrado, do que um pequeno edifício feio, mas bem enquadrado. No fundo é também isto que distingue a arquitectura da escultura. Entre as zonas mais sensíveis a estes enquadramentos estão, obviamente, as linhas de festo ou cumeada, ou, em linguagem mais popular, os cimos dos montes. Abrantes é uma cidade que se desenvolveu a partir do topo da colina e em que o relevo é decisivo na sua definição urbanística. Tomam assim importância acrescida as zonas do Castelo e do Convento de São Domingos, quer pelos edifícios, quer pela privilegiada vista que daí se pode usufruir, quer pelo seu impacto em quase todas as vistas para a cidade. Estes edifícios, sábia e humildemente construídos há muitos anos, souberam adaptar-se ao local, mostrando-se bem, mas com bastante pudor, não se impondo à cidade e à paisagem que encontraram.
Tendo em conta o curriculum do Arquitecto Carrilho da Graça, era isto que esperava, um bom traço de arquitectura, elegante e vistoso, que respeitasse o local para o qual era desenhado. Daí a surpresa ao descobrir um paralelepípedo com uma colossal volumetria, que tanto poderia ter sido desenhado para o deserto do Sahara como para uma megacidade como Tóquio. Seguramente não foi desenhado a pensar neste local, fico até com a dúvida se o senhor arquitecto se dignou a visitar Abrantes para além do dia em que veio assinar o contrato. Acho esta dúvida legítima em respeito ao curriculum do Arquitecto Carrilho da Graça e às obras que já nos deixou, além de uma justificação para o tamanho disparate com que quer brindar Abrantes.
No mundo de hoje, os arquitectos estrelas adquiriram uma força sobre os autarcas sedentos de afirmações de poder, cujos paralelos remontam a regimes antigos e de má memória. Basta a sua assinatura para tudo ser tolerado e aplaudido com uma reverência provinciana, de quem se vê perante a possibilidade de ter na sua cidade um edifício “de autor”, a exemplo de Ghery em Bilbau que criou invejas e desejos de réplicas que ainda mais aguçaram o novo-riquismo. Felizmente ainda há quem consiga por os grandes egos na ordem, caso da Baronesa Thyssen que “obrigou” Siza Vieira a alterar o seu projecto para o Passeio do Prado, evitando assim o abate de árvores centenárias para darem lugar a betão, com a ameaça de retirar o museu do edifício em que se encontra. O problema é que “armas” destas não são fáceis de encontrar para travar os projectos.
A cidadania, ainda imberbe em Portugal, vai no entanto crescendo, sendo reconfortante verificar a justa indignação abrantina na adesão à petição que circula na internet – “Petição por uma decisão democrática sobre o Museu Ibérico de Abrantes”, – e agora também em papel, a favor de um adequado debate sobre este projecto.
Que isto faça pensar quem de direito.
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