28.11.03

Miséria

Noite miserável a de ontem. Por muito habituados que estejamos a sofrer, ele há coisas que ultrapassam os limites. Perder é uma óbvia consequência do jogo, mas contra um clube de aparentes amadores bem organizados!
A verdade é que quem é do Sporting só o é por ser, pelo menos um pouco, masoquista. Foram 18 anos seguidos sem uma alegria que não fosse ganhar ao Benfica e Porto. Depois habituámo-nos mal, ganhámos dois campeonatos e, com o novo estádio, esperamos decididos novas vitórias. Ontem foi dia de recordações, daquelas derrotas aparentemente impossíveis, da equipa a jogar algo apenas assemelhado a futebol. A época já se arrastava em jogos decididos, a favor ou desfavor, nos minutos finais. Neste jogo nem podemos apelar a uma vitória moral.
Enfim, espero que não voltemos a perus comidos antes de época e a Natais de trágico futebol, afinal a nossa cor é da esperança, e durante 18 anos foi isso que manteve o clube com gente no estádio. Saibamos uma vez mais, com grande pena, perder.

27.11.03

A causa deles

Num único blog acumular Eduardo Prado Coelho e Vital Moreira poderia ser prenúncio de sono, mas eis que surge um casal histriónico, formado por Ana Gomes e Vicente Jorge Silva, para fazer companhia. Cedo á repulsa e entro, apenas por deferência ao recomendável Luís Osório. A blogosfera não voltará a ser a mesma, agora que a ela chegaram os gritos de Gomes.

26.11.03

Mystic River

Fim de tarde sem nada para fazer. Rumo resolutamente ao cinema para ver o último Clint Eastwood. Espero muito, espero mesmo o melhor deste filme, tal como de qualquer outro realizado por um dos melhores realizadores de cinema da actualidade. Numa pausa em que tento encontrar os melhores filmes estreados nos últimos anos, aparecem seguramente alguns de Eastwood.
Saio esmagado, sem ponta ou reminiscência de desilusão. Saio, com a certeza de ter visto um dos melhores filmes do ano, dos últimos anos. Poderoso e belo.
No meio disto o filme, o esmagador relato da história de três amigos de infância e do seu reencontro anos depois em circunstâncias trágicas, como trágico foi o seu último encontro enquanto Amigos de infância. Nesse dia em que Dave morreu e apenas voltou como um vampiro, vagueando pela vida sem sentido. Tim Robbins é absurdamente arrepiante nesta composição. As suas palavras são lâminas que nos ferem ao longo de todo filme. Lâminas com que apetece ferir quem no Portugal de hoje ainda relativiza o escândalo Casa Pia, desvalorizando os depoimentos dos "vampiros" hoje transformados em delinquentes. De visionamento obrigatório a quem queira falar deste escândalo que, nem por coincidência, "comemora" um ano de primeiras páginas nos jornais. A cena em que Dave confessa parte do passado à mulher é de perfeita antologia, com o fundo negro e a sua cara parcialmente iluminada, disparando feridas e assumindo fragilidades.
Sean Penn é Jimmy, um dos três amigos cuja amizade não voltou a ser a mesma desde o dia em que o carro se afastou e apenas se vislumbrava a silhueta da cabeça de Dave olhando para trás amedrontado. Tornou-se um criminoso, e apenas deixou essa vida por amor à sua filha, que vem a morrer brutalmente no assassínio que serve de motor a este filme. Sean Penn é devastador na sua raiva contida, no seu retrato de um homem à beira de um abismo, sempre controlando, ou tentando controlar, a realidade.
Sean é o terceiro amigo, o polícia que se vê a braços com a investigação do crime, numa altura em que a mulher o deixou, levando consigo a filha. Vive como os outros no fio da navalha, numa apenas aparente normalidade, recordando amargamente o passado. Kevin Bacon consegue aqui um sólido desempenho, talvez o seu melhor.
O filme é muito mais do que os três amigos, são outras personagens igualmente fortes num absoluto festival de interpretação. Um argumento soberbo, uma fotografia de uma beleza sóbria e uma montagem magnífica, alternando com saber os longos planos com passagens narrativas perfeitas, uma realização sensível mas com a precisão de um relógio suiço. Um ensaio sobre a natureza humana, sobre indivíduos e o lado sombrio de cada um, sobre o peso do passado. Um desenho sombrio do mundo de hoje, desapaixonado e cruel, relatado com uma beleza dura e intensa.

25.11.03

O amor acontece

Já sinto o espírito de Natal. As ruas começam a encher-se e o frio ameaça chegar. Aproveito a tarde de Sábado para um calmo cinema. A Praça de Londres está radiosa com uma pequena multidão de peões a circular. Passo no Magnólia para um café e um bolo. Entro então no cinema onde me espera uma comédia, realizada por Richard Curtis, o argumentista de "Quatro Casamentos e um Funeral" e de "Notting Hill". Sou um fã confesso destes dois filmes, encontram-se mesmo na minha lista Prozac de filmes anti-depressivos. Parece moda dizer mal de comédias românticas, não é intelectualmente correcto. Para variar ignoro a correcção. Gosto porque sim. Imparcialmente recordo os grandes clássicos sem fazer comparações.
O filme não desmerece os anteriormente escritos por Curtis, falta-lhe talvez um pequeno suspiro de inspiração. Várias histórias encadeadas com algo em comum, o Amor. Sim esse sentimento tão difícil de ser descrito, em palavras ou imagens, sem cair num tom meloso, piroso. Mas aqui o nível não desce a esses patamares. O tom mantêm-se entre o drama e a comédia, sempre em volta do amor. Saímos bem dispostos, com o espírito natalício em alta, com a esperança de encontrar a mulher da nossa vida, se calhar num supermercado onde nos cruzemos, chocando, entre os vinhos e os queijos.
Sei que é um filme de fácil escárnio, especialmente pelos "machos latinos" incapazes de confessar fraquezas, ou, como diria o Pipi, coisas de rotos. Eu aconselho vivamente a quem queira passar um bom bocado e transformar um qualquer mau dia num dia de franca boa disposição e redenção com a vida.

Feriado

Há muito, muito tempo, era eu uma criança, e uns senhores queriam sair de uma ditadura cinzenta para outra de tons encarnados. Eu por certo faria birras, inconsciente do perigo que corríamos em nos tornarmos uma coutada soviética. Mas eis que graças a alguns senhores o processo foi travado e Portugal tornou-se uma democracia. Pelo menos em teoria a liberdade passou a ser possível, sim, a liberdade, a real, a não condicionada ás ideologias, a que me permite dizer aquilo que me apetece.
Hoje devvia ser feriado, assim como no outro 25. Tão importante foi sair de uma ditadura como foi não entrar noutra. Assumamos finalmente os fantasmas da revolução e comemoremos o facto de Portugal ser livre. De não ser possível a um realizador português fazer um "Adeus Lenine" por manifesta falta da história que alguns quiseram para nós.
Deveria ser feriado, hoje sim deveria ser feriado.

19.11.03

Avante camarada Odete!

Afinal Santana estava a enganar-nos. A salvação do Parque Mayer não vem com o mercenário Ghery, mas sim com a Camarada Odete. Perplexo? Nada mais simples, a Camarada estreou-se na revista, e logo no Parque Mayer.

Corramos todos a ver
A camarada a cantar
Rir do que vai dizer
Sair de lá a dançar.

O partido é minha via
Aos camaradas o diz
Deputada pelo dia
Pela noite actriz.

Sim, sei que são muito maus os versos, mas era essa a ideia, a la revista. Realmente entrei em delírio com esta visionária acção de Santana. Agora percebo porque não pestanejava com os valores do arquitecto. O projecto vai ao ar, e em seu lugar (bolas peguei na rima) vamos ter a Companhia de Teatro do PC a animar o Parque com as noites proletárias, por entre as quase ruínas dos teatros. Anima-se a zona e cria-se um ícone cultural para Lisboa, o Comunismo ao vivo, já tínhamos o Oceanário, agora temos uma reminiscência do Parque Jurássico. Ao Parque e em força.

18.11.03

Dia de...

Parece que hoje é Dia Mundial do Não Fumador. Irritam-me particularmente os dia mundiais ou nacionais. Chegámos a um ponto que tudo justifica um dia de... Sejam os doentes de colesterol ou as lésbicas loiras vítimas de assédio sexual. Vale tudo. Basta um pouco de "lobbying" e lá vem mais um dia.
Hoje falamos de não fumadores nos quais não me incluo. Sim, fumo, sou assumidamente fumador. Cobarde porém, já que apenas me fico por cinco ou seis cigarros em dias normais e num maço devorado ostensivamente em dias de saída nocturna. Não me incluo no grupo dos profissionais, daqueles que nunca se ficam por menos de uns dois maços por dia. Daqueles que fumam marcas sérias, tipo SG Filtro ou Ventil, ou ainda os potentes Ritz. Desses empedernidos que se levantam e, ainda na cama, começam a sua série diária de cigarros bem puxados e melhor travados.
A esta altura muita gente já me julgará louco, defensor demente do vício ou corruptor da sociedade. Nada mais errado, apenas me manifesto a favor da liberdade das pessoas, mesmo que a mesma vá contra o que o politicamente correcto julgou adequado. Óbvio que o tabaco faz mal, mas não saberemos nós já o suficiente sobre isto. Eu fumo e sei que me faz mal, como me faz mal beber doze Wiskeys numa noite, ou comer uma sopinha de Cação seguida de uns secretos de porco preto rematados com leite creme queimado. Tudo faz mal em excesso, até a saúde.
Que se informe sobre os males advindos do tabaco, tudo bem. Que se transformem os fumadores em marginais e seres anti-sociais, isso é que não. O nosso país, por enquanto, é tolerante com o fumo, mas surgem já fascistas consciências a quererem-nos apontar o dedo. Citando João Pereira Coutinho em post de hoje: "As campanhas contra o tabaco, na sua versão moderna e aparentemente «consensual», são apenas um pretexto - recorrente e tragicamente humano - para humilhar alguém sob a capa da legitimidade higiénica."
O velho chavão diz que a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros. Se o fumo que a minha liberdade me permite fumar incomoda alguém, que haja uma alternativa que me permita fumar sem o incomodar. E que a mesma não seja ir para a rua no pino do inverno ou nem aí poder fumar (EUA), ou ficar fechado num minúsculo cubo de vidro com tal fumo que entramos a pensar encontrar D. Sebastião (Aeroporto de Heathrow). Pelos direitos dos fumadores, sim também temos direitos, criem nos locais onde não se pode fumar zonas dignas para fumadores. Dignas, simplesmente dignas.

13.11.03

Ao espelho

Porque insistes, espelho permanente?
Porque duplicas, misterioso irmão,
O menor movimento desta mão?
Porquê o teu reflexo de repente?
És o outro eu de que falou o grego
E espreitas desde sempre. Na lisura
Da água incerta ou do cristal que dura
Procuras-me e é inútil eu estar cego.
O não te ver, mas o saber que existes
Acrescenta-me horror, poder com que ousas
Multiplicar o número das coisas
Que somos e as nossas sinas tristes.
Quando eu morrer, vais copiar um outro
E depois outro, outro, outro, outro...

Jorge Luís Borges

Ódios de estimação: Mariza

Há algo de irracional nos nosso ódios de estimação. Não é fácil de explicar o porquê de alguém nos irritar ao limite da urticária. A cara, a voz, os tiques, qualquer coisa serve para que algo, ou alguém, por nós seja odiado visceralmente.
Hoje apetece-me falar de Mariza - a nova "diva" do fado - a propósito de notícias do seu recente concerto no CCB. Não é só a voz que está aqui em causa e muito menos a pessoa, que não conheço (esta frase é demasiado politicamente correcta, mas vou deixar estar). Pode parecer estranho num cantor, mas não é só pela qualidade vocal da senhora que ela me faz urticária.
Ouço o seu primeiro disco e, para além de uma boa técnica vocal, o que chama a atenção é uma desmedida intenção de colar a sua voz e modo de cantar ao de Amália. Os fados escolhidos todos os cantou a Amália. Os maneirismos são os mesmos e a sua personalidade musical quase nula. O segundo disco é francamente melhor, ao ser de interpretação mais livre. No entanto, não me entusiasma muito.
Para além da voz - que ainda me permite ouvi-la em disco - claramente era incapaz de assistir a um concerto seu. A visão daquele "look" de girafa cibernética é mais do que o tolerável para conseguir ouvir alguém cantar. É evidente que o seu visual mais não é que uma boa campanha de marketing, original (muitíssimo original mesmo) e capaz de chamar a atenção de qualquer pessoa aqui ou no estrangeiro. O penteado louro em estradinhas arranjadas qual doce de ovos mas de aspecto incomestível. O pescoço, já de si fino, ainda mais acentuado e ridículo devido aos adereços. Os fatos espantosos, fazendo hesitar entre um gigantesco papel de rebuçado amarrotado e um repolho alongado. Gostava de conhecer a inspiração do suposto costureiro para fazer algo tão positivamente feio. Se eu tivesse a ideia de criar um visual com o intuito de ser o pior possível, ele não andaria longe disto.
Voltando à voz concordo com José Miguel Tavares em artigo no DN de ontem: "Mas se Mariza já é uma grande artista, ela continua a não ser uma grande fadista". Fado não é só afinação e potência na voz, é alma, a alma de um povo. Pode Mariza ser das grandes cantoras que temos. Não gosto, mas admito. Agora o grande fado não passa por aqui. Felizmente que vai passando por outros vozes, menos exuberantes na forma mas francamente mais importantes no conteúdo.

Caminho final

Euforia no vazio, viagem.
Sono alegre pelo espaço, fugiste no labirinto da vida.
Formiga rebelde escolheste a deriva, o rumo perdido.
O tempo levou-te, não o viste passar.
Tomaste o expresso directo para nunca mais.
Branco como o céu foi teu destino.
Caminho de um sentido só.
Seguiste sem medo, na esperança de chegar ao fim, ao ponto azul do teu céu.
Negro o viste sem o sentir.
Chegaste mais depressa do que pensaste, ao centro do alvo eterno.

Santana e Lisboa

Os receios vão-se confirmando. Apesar da esperança de novas ideias e dinâmica para Lisboa, Santana tem vindo a optar pelo "show off".
1. Sobre a polémica de Gehry muito tem sido dito. A opção é legítima e estritamente política, Gehry é hoje mais do que um arquitecto e a sua influencia nas cidades onde projectou trespassa as questões estéticas. Não gosto do seu estilo enquanto arquitectura, duvido mesmo que o seja. Encontro-o mais como uma escultura de provocação pós moderna. O exemplo de Bilbau é particularmente feliz, mas o enquadramento urbano é totalmente diferente. Tenho as minha dúvidas quanto ao projecto do Parque Mayer. Não sendo um opositor à partida, espero para ver o projecto concreto.
Acho que esta opção (de construção) é pouco arrojada, seria muito mais estimulante e definitivamente arriscado (politicamente) prever naquela zona uma área pública que passasse por um jardim/praça pública. A ligação ao jardim botânico permitiria uma obra de ruptura com o habitual de hoje em dia, criando, finalmente, uma área verde nova no centro de Lisboa. Oportunidades destas não se vão repetir, na cada vez mais apertada malha urbana de Lisboa.
A muito discutida questão dos honorários nada tem a ver com arquitectura. O montante é estratosférico e injustificável no que à arquitectura diz respeito. Do que aqui se fala é de um enorme investimento em marketing para a cidade de Lisboa e para o seu turismo. Neste prisma a justificação só pode ser encontrada no terreno da economia.
2. A escandalosa poluição dos outdoors que pululam pela cidade ofende a alma. Em tempos em que devíamos tentar acabar com estas formas de poluição, é a própria Câmara que avança em força nesta forma de publicidade. O que me choca já nem é o dinheiro gasto (se não fosse aqui seria noutras formas de publicidade) mas sim o desastroso impacto na cidade.
3. Quanto ás flores na Avenida da Liberdade, o que se pode questionar é a desmedida verba empregue. Esteticamente não gosto da solução, mas subscrevo a ideia base. Hoje esta Avenida é mais apelativa, especialmente para os turistas que nela encontram a veia central da cidade.
4. A face mais negra vem, no entanto, da ideia peregrina de fazer o túnel do Marquês. O grave problema é não se perceber qual é a ideia para a cidade. Não é normal que ao mesmo tempo se tire o trânsito de algumas zonas da cidade, para depois fazer obras que facilitem, e estimulem, a entrada de mais carros na cidade.
Ao mesmo tempo é anunciada a construção de silos em zonas históricas. Nada tenho contra o estacionamento em altura. Parece-me que conceptualmente os projectos até são interessantes, aproveitando o arrojo da Experimenta Design. Mantenho algumas dúvidas sobre o enquadramento nas zonas em questão, mas mais uma vez é esperar para ver.
5. Como conclusão, o que Lisboa precisa não é de uma série de ideias avulsas, umas boas outras nem por isso, mas sim de uma política coerente que consiga promover a qualidade de vida das pessoas. Não temos uma capital caótica como o México, mas podemos melhorar, e muito, a vida dos lisboetas. O centro arrasta-se numa morte lenta da qual parece difícil de sanar. Não chegam as boas intenções, é precisa muita coerência e isso, a meu ver, é o que tem faltado a Santana Lopes.

12.11.03

Ferro e Baker

Na RTP o Dr. Ferro volta a falar da Casa Pia. Desligo, já não há paciência.
Ponho a minha última aquisição - "Baby Breeze" de Chet Baker - na aparelhagem. Simplesmente genial este disco em que Baker alterna a voz com o sopro, sem nunca perder a irrepreensível qualidade. "Born to be blue" é na sua voz uma delícia etérea. Ouvir Chet Baker faz-nos sentir definitivamente "cool". As noites tornam-se mais simples, calmas e felizes. Quem consegue pensar em Ferro Rodrigues com este som.

6.11.03

Estupefação

Notícia TVI: fenómenos anormais nas rodagens de "O teu olhar". Monitores ficam encarnados e Patrícia Tavares fica possuída começando a falar com voz de Homem. A produção chamou um padre para averiguação. Tudo se passa na Igreja do Castelo de Montemor.
Inês de Castro voltou, no local onde foi condenada, para assombrar a existência de uma novela. Estará tudo louco. Até a Manuela Moura Guedes esboçou um sorriso. A TVI está capaz de tudo perante o fracasso do Big Brother.

Oposição

Onde está a oposição, qual é o seu futuro e o que podemos esperar dela?
Do inefável Dr. Louçã podemos esperar que continue a cumprir o papel de Stallone, disparando sempre e em todas as direcções. A todo o momento descobrirá uma nova minoria à qual irá buscar o voto. Talvez aos defensores dos direitos da formiga branca ou ao grupo armado de defesa dos sobreiros contra os capitalistas da cortiça.
Do moribundo PC (que ontem até deu sinais de existência, talvez num último suspiro) apenas podemos esperar poemas declamados pela camarada Odete, intervenções surrealistas do camarada Bernardino, gritos estridentes da senhora de "Os verdes" ou a sempiterna Festa do Avante.
Temos ainda o Dr. Monteiro do qual nunca sabemos o que esperar. Apenas que será contra e que as posições mais duras serão defendidas pelo indescritível Dr. Ferreira. Aguardemos por esse vazio ideológico que apropriadamente se chama Nova Democracia. De facto a democracia anda mesmo pelas ruas da amargura.
Chegamos finalmente ao maior partido da oposição, pelo menos em número de votos e por enquanto. O PS é cada vez mais um equívoco. A todos os níveis. Um líder que ninguém sabe muito bem o que anda a fazer, numa pose cada vez mais distante e seráfica. Lembrando um pouco o Tonecas dos últimos tempos, vago, pensativo, quase etéreo. Será que no Largo do Rato distribuem comprimidos para a alienação? Imagino o Dr. Ferro gritando: "Ó Costa, traz-me um Alienex duplo."
No meio desta desorientação geral surge agora o persistente JS. Sim, a Juventude Soarista, que na falta do pai - agora mais preocupado no combate diário aos EUA e ao seu Império do Mal - corre decidida para o poder socialista. A confirmar-se, podemos esperar mais oposição, apenas duvido que seja melhor.
Se JS seguir o estilo da sua última campanha em Lisboa já imagino Vasco Lourenço na vice presidência para as relações externas. A família Soares em repetidas marchas contra o fascismo português - seja ele o que for - acusando todo o governo de salazarismo e de retorno ao passado. Dissertando em estudos comparativos sobre o curriculum anti-fascista dos membros do governo. A palavra chave será ressuscitar, os fantasmas e ódios que - passados quase trinta anos - já deviam estar sanados e esquecidos. (Imagino já uma retribuição à altura do governo, questionando a descolonização do pai Soares). A ILGA será por certo convidada para a pasta da família no governo sombra. Quanto a coligações podemos esperar o pior. Numa desesperada tentativa de unir a esquerda, decerto construirá um Albergue da Rosa Vermelha, ressuscitando (outra vez a palavra chave) os espantosos POUS, MDP, PC (R) e outros afins. A este se juntará o Albergue da Esquerda Caviar (BE) e o Partido da Imutabilidade Comunista (PCP).
Por certo será mais animado, mas será prudente apesar disso que mudem de repente de líder? A verdade é que o governo precisa de oposição. Não porque esteja a governar particularmente mal, mas também está longe de ser brilhante. Precisa de ser espevitado para ir ao sítio, para acordar o Dr. Barroso, para estancar os erros de casting sucessivos. No fundo, para conseguir implantar realmente as boas intenções que tem. Haja oposição.

O Homem de Cera e o Fóssil Milionário

Ouço na SIC que José Castelo Branco (assim se intitula), o Homem de Cera e Betty Graffstein, o Fóssil Milionário, foram presos no aeroporto de Lisboa. Motivo: Contrabando de jóias.
A cena terá sido de antologia. Betty com o seu ar esfíngico falando tranquilamente em inglês. "Xossé, o que se passa. O que querem estes senhores? Fale com eles." José - recordando os seus idos tempos de Trumps - armando uma peixeirada digna do Bolhão. "Não me toquem, está-me a sujar a camisa Versace. Não me enxovalhe as calças Gaultier. Parece que não sabem quem sou eu, sou o José Castelo Branco. Acham que eu era capaz de contrabando. O Sr. Agente, sim, o senhor de corpo musculado, quer revistar-me? Essas jóias são da Betty, tirando aqueles 14 colares de pérolas que são meus. São para os meus shows. Acho que vou falar à Lili, ela deve conhecer alguém que me tire daqui. O quê? Querem levar-me para a prisão onde está o Bibi? Ah! Pronto, será que ainda consigo falar com ele hoje."
Imagino o regabofe que terá sido no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Adorava ter visto este ser ridículo e arrogante a ser exposto ao...ridículo.

4.11.03

Estações de Comboio

Vou esperar um amigo a Santa Apolónia. Passou algum tempo desde que me rendi à escravatura do carro. Pouco tenho usado o comboio e das últimas vezes já o fiz na bela pós-modernidade do Oriente.
Para variar o comboio atrasa. Melhor assim. Aproveito para uns minutos de melancólica observação. Lembro os tempos de estudante em que aos fins de semana este espaço ocupava uma parte importante da minha vida. Tempos de ida a casa para junto da família após uma "dura" semana de aulas.
Há um misticismo estranho nas gares. As paredes cansadas pelo tempo, o chão desgastado pelas passagens velozes dos atrasados. As velhas de negro, com caras sulcadas, sempre transportando cestas de verga cheias sabe-se lá de quê. Os estudantes de grandes mochilas, ora animados e ansiosos, ora pensativos. Senhoras, com o ar despreocupado de quem não guia nem quer guiar, comprando revistas de decoração. O apito estridente de uma locomotiva a sair. O inconfundível cheiro que inunda o ar. Os "agarrados" e vagabundos mendigando moedas e cigarros, ou buscando vítimas fáceis para furtos breves.
As chegadas apressadas em busca de táxi ou de um abraço de acolhimento.
Com grande pena minha nunca fiz Inter Rail. Não por um fascínio de percorrer quilómetros de mochila ás costas mas sim pelo inata sensação de liberdade e desprendimento. Sentir por dias e dias o ambiente de gares imponentes ou miseráveis. Repousar em bancos de madeira para fugir ao frio do exterior. Usar este meio de transporte de lirismo só superado pelos veleiros.

Halloween

Abomino o Halloween. Revolta-me esta aculturação a tradições americanas a que nada nos liga. Somos um país de tradições, fortes, porque teremos agora de importar as dos outros. Particularmente esta. Dedicando um dia a bruxas e a abóboras. Estas últimas ficam bem em sopa e as bruxas, bem, o melhor é perguntar ao Herman que nos últimos tempos se especializou neste tema.
Esta época do ano lembra-me broas. Lêvedas e de mel. Lembra o cheiro a castanhas inundando as ruas frias e húmidas. O dia de todos os santos tocando ás provincianas portas da minha terra em demanda de "bolinhos, bolinhos, à porta dos santinhos". As pessoas acorrendo ás janelas, vendo quem tocava, e alegremente nos compensando com um sorriso quase sempre acompanhado de um bolo ou rebuçado. As tias idosas que discretamente nos metiam umas moedas ou uma nota no bolso. O fim do dia em grupo, contanto os brindes conseguidos e comendo-os desenfreadamente. O regresso a casa para o cheiro das broas acabadas de fazer. O dia seguinte rumando à tarde com a mãe ao cemitério para limpar o jazigo de família.