29.4.06

Notas de Viagem – Sevilha II

Seis e meia em ponto, Real Maestranza cheia, como sempre em corridas de feira. Hasta la bandera como diriam os locais. Silêncios sepulcrais e emoções incontidas. Os toiros saindo à praça bravos, investindo em burladeros e capotes. Os toureiros provando investidas em vistosos passes de capote, os picadores recebendo as fortes investidas sustidas por decididas varas que ferem o animal e mostram a sua bravura com a insistência com que continuam a investir ao mesmo tempo que são agredidos. O brinde ao público no centro da praça ao som de um coro de aplausos esperançosos de uma lide valente e inspirada. Silêncio e os primeiros passes por baixo, baixando a cabeça ao toiro, comprovando a sua bravura e nobreza. Os primeiros olés, espontâneos, que brindam quites arrimados e passes templados. A lide em crescendo com o público a corresponder com aplausos e olés. A faena que foi redonda, emotiva e bonita – o matador suplantou com inteligência e arte a força bruta e brava do animal. O momento fundamental chega, o epílogo deste jogo de vida, no silêncio ouvir-se-ia um alfinete a cair, o toureiro perfila-se, espada na mão direita, e entra, com todas as ganas necessárias, a matar. Estocada inteira, completa, provavelmente mortal. O toiro contorce-se e fica abalado, mas continua a investir, com bravura, com uma bravura rara e digna. A morte tarda, por forças que chegam do interior da sua ancestralidade, e o toiro arrasta o seu corpo quase inanimado até ao centro da praça, até onde apenas os bravos vão morrer, fora dos seus terrenos das tábuas, onde a protecção não chega. No centro, sob os aplausos emocionados do público, cai, com uma dignidade própria dos grandes.

Notas de Viagem – Sevilha


Patio de los Naranjos, Sevilha, 2006

O bulício preenche as ruas onde turistas se cruzam com belas sevilhanas. O Bairro de Santa Cruz com o seu ondulado de ruas onde insistentemente nos perdemos. Casas bonitas e portões por entre os quais se vislumbram serenos pátios. Janelas gradeadas de negro quebrando o branco das fachadas. Azulejos relembrando o carácter árabe de quem aqui passou. Sevilha é alegria e rua, tudo lá fora vivido, mesmo quando os verões de quarenta graus ainda não chegaram. Os dias pegam com as noites que pegam com os dias. Pelo meio tempo para uma corrida de touros na elegante Real Maestranza. Tapear e beber, e a conjugação seguida e alternada deste dois verbos, entre deliciosos montaditos de carne, revueltos con espárragos, calamares, ou pratos de Jamón Ibérico e Queso Manchego. A perdição acompanhada de um Ribera del Duero ou da local e típica Manzanilla. Sevilla é isto e muito mais, sempre dominada pela Giralda e pela Torre del Oro – vestígios árabes que sobreviveram ao correr dos tempos – e pela enorme e majestosa catedral, coração em redor do qual pulsa toda uma cidade.

26.4.06

Primavera

Saio para fim-de-semana com casaco de Inverno, apanho um dia em Sevilha com granizo e um dilúvio sem fim, regresso com o calor de um dia de Verão. A primavera é muito interessante, mas também escusava de ser tão impertinente.

Coisas da Vida Boa

Os campos do Alentejo. O verde profundo, as tonalidades brancas e amarelas pontuadas por excêntricas manchas de roxo, tudo por debaixo de vetustos sobreiros ou antigas azinheiras.

21.4.06

Paridades

Através de processos rocambolescos (vide aqui) o PS fez ontem aprovar a Lei da Paridade. Muito bem, Portugal volta a dar um passo atrás no caminho civilizacional e os nossos políticos vão mostrando a sua enorme qualidade a cada dia que passa. Agora, passamos a ter um “Terço” de mulheres escolhidas por critérios alheados da competência e valor pessoal, o “Terço das Senhoras” ou as novas Socrattettes. Para entrar na equipa do Terço prevê-se agora um recrutamento aturado de figuras representativas da nossa sociedade, assim como foram Matilde Sousa Franco (conhecida mundialmente como a viúva de Sousa Franco) ou Teresa Almeida Garrett (c. m. como a viúva de Lucas Pires), atrevendo-me a sugerir convites a Maria Roma (c. m. como mulher do ministro Freitas do Amaral), Jacinta da Dores (c. m. como mulher do presidente da Junta de Carquejais-de-Cima) ou Ana Pacheco (c. m. como mulher do deputado Nuno da Câmara Pereira).
No meio deste disparate poderíamos encontrar algumas virtudes, pois o parlamento podia tornar-se um pouco mais decorativo. O problema é que, avaliar pela amostra actual, é duvidar da qualidade estética das novas deputadas (sim, tirando a excepção da Joana Amaral Dias), por isso acho que seria justo chamar Pedro Santana Lopes (agora um desempregado político) para assessor de imagem do parlamento, com direito de veto perante candidatas em que beleza não fosse um atributo relevante. Assim, talvez conseguisse vislumbrar utilidade na medida, afinal a estética é um elemento importante numa democracia civilizada.
Como acho discriminatório para outros componentes da nossa sociedade que só tenhamos quotas para as mulheres, acho justo para o futuro reivindicar as seguintes quotas: dez por cento para homossexuais (segundo a famosa sondagem do “Expresso”), dez por cento para portugueses africanos de primeira geração, cinco por cento para portugueses africanos de segunda geração, dois por cento para goeses, um por cento para ex-habitantes de Macau, e assim por diante. Os cálculos seriam sobrepostos segundo uma fórmula matemática elaborada pelo Departamento Pedagógico de Ciências Matemáticas do Ministério da Educação. Assim, finalmente a representatividade da população no parlamento seria atingida. Quanto à qualidade e ao mérito dos novos deputados, isso é um pormenor de somenos importância perante a multiparidade atingida.

Bósnia

Na reportagem do Telejornal de ontem sobre a visita de Cavaco ao contingente português na Bósnia, o repórter resolve perguntar a um miúdo o que conhecia ele de Portugal. A resposta deixou-me estarrecido de vergonha, pois acho de uma total improbabilidade que a pudesse ouvir em Portugal. O miúdo disse conhecer “Marcos Portugal, Figo, Cristiano Ronaldo, Rui Costa…” e mais uma série de jogadores de futebol. Que é imediata a reacção lá fora, ao dizermos que somos portugueses, que conhecem “Figo”, já estamos habituados. Que saibam o nome de outros jogadores de futebol, também é normal. Agora, Marcos Portugal! Realmente é bizarro que na Bósnia um miúdo conheça Marcos Portugal, ou talvez não tanto, se calhar apesar da guerra a Bósnia ainda não foi tomada pelas “modernas” pedagogias que dia a dia embrutecem os jovens portugueses, talvez na Bósnia “Educação Musical” queira dizer ensinar de facto música ás crianças, talvez na Bósnia cultura não seja sinónimo de instalações incompreensíveis ou filmes indicados para noites de terríveis insónias. Fica a pergunta, quantos miúdos em Portugal identificariam Marcos Portugal como um compositor dos séculos XVIII-XIX? E quantos não diriam imediatamente que era um cantor pimba?

18.4.06

Músicas

Aqui ao lado novas músicas: na Grafonola toca agora “Fields of Gold”, na voz cristalina da saudosa Eva Cassidy, intérprete muito aqui de casa; no Gira-Discos, e ainda em referência à Páscoa passada, passa “Pilgrims”, na belíssima voz bem irlandesa de Seán Keane.

Páscoa

Passou, mais uma, por outro ano a Páscoa chegou ao Domingo. Esta foi Páscoa, mesmo Páscoa, com tudo o que a Páscoa deve ter e ser. Fé, alegria e Família. Soa a serôdio, mas é assim mesmo. Missas e cerimónias, procissões com encapuçados e bandas de trompetes soltando tristes sons, andores enfeitados de bonitas flores. O Cristo, crucificado ou ressuscitado, sofredor ou portador de esperança. A Páscoa tem significado e é para o ter, algo que vá para além de viagens stressadas para o Algarve ou filas intermináveis em auto estradas com condutores destilando ódio e insultos ao ritmo que mudam de ponto morto para primeira. Ainda há espaço e tempo para outras Páscoas, só temos de os procurar.

8.4.06

Semana Santa


“Flagelação”, Caravaggio, 1607

Na próxima semana este blog estará a Caminho de Santiago. A todos uma boa Páscoa.

Nervos

Aqui, vai-se entrando em estágio. Há que preparar o dramático jogo de hoje. Daqui a pouco saída de casa para uma bifanas e cervejas já perto do estádio. Depois, bem, que seja uma noite feliz pelas bandas de Alvalade.

6.4.06

Coisas da Vida Boa

Sim, ainda existem conservas assim. A lata envolta num papel de design apurado e moderno, com a sardinha, os tomates e a moderna menina que dá nome ao produto sobre o discreto fundo amarelo. Parece relíquia de tempos passados, mas foi comprada, e comida, faz poucos dias. O conteúdo era excelente, com sardinhas que realmente parecem sardinhas em sabor e consistência, e um molho de tomate que não sabe a corantes ou conservantes. Produto português, de boa qualidade, mas difícil de encontrar. Afinal, cada vez mais a sina das coisas da vida boa: existem, mas tornam-se tão discretas que parecem secretas. Aliás, aproveito para contribuir para isso não revelando onde consegui comprar esta lata. Maldades minhas…

4.4.06

A Bomba

A indispensável Bomba fez três anos. Com costumeiro atraso daqui vão os parabéns e uma música de Piazzolla com letra de Borges – “El Títere” – vai para a Grafonola aqui do lado.

Ontem

A noite passada foi estranha, senti um ar quase quente enquanto jantava ao ar livre. Parecia que o calendário tinha avançado para Julho, esplanada cheia, gentes bem dispostas. O ar ainda esbranquiçado das peles chamava-nos à realidade, ainda é Abril, onde águas mil ainda cairão dos céus.