30.12.08

Desejos para 2009

Saúde e bom senso. Sei que é pedir muito, mas pedir ainda não custa nada.

Partir de novo

Este final de ano está a fazer incidir sobre mim um certo ódio por parte dos meus amigos. Compreendo-o bem, afinal no lugar deles apenas o espírito natalício me impediria de cortar relações. O caso é que depois da viagem por terras da América do Sul – que aqui foi sendo relatada e à qual voltarei – amanhã partirei de novo. Para bastante mais perto, pois ficarei por terras europeias, mas para destino há muito desejado e sempre adiado. O ano será passado, assim Deus o queira, na Praça de São Marcos, em Veneza, de garrafa de um qualquer vinho na mão. Sem programa que não seja este, a semana daí em diante estará em aberto. Apenas sei que dormirei num secreto e barato recanto que calha ser o armazém de um alfarrabista no centro da cidade. Como um amigo, exigente nestas coisas, foi obrigado a reconhecer, passar o ano em Veneza a dormir num alfarrabista tem o seu quê de muito chique.

Diálogos Imaginários

(Ao telefone)
– Charles!
– Menino, como está? Passou bem o Natal?
– Muito bem, Charles, apesar de a tua falta ter sido muito sentida por todos.
– Obrigado, menino, também estranhei não ter estado com a sua família, mas tive grande alegria em poder visitar a senhora minha mãe e a minha irmã.
– Como está tudo por Bath?
– Muito bem, menino, a senhora minha mãe está de excelente saúde e tenho aproveitado as longas férias com que me presenteou para passar tempo com ela.
– Charles, não precisas de agradecer, faz tempo que não tinhas férias.
– O menino parte amanhã para Itália. Quando irá voltar?
– Na próxima quinta-feira. Espero poder contar contigo para a chegada, é que fazer malas custa muito, mas desfazer sem a tua presença é um verdadeiro inferno.
– Não se preocupe, menino, regresso na terça-feira, a tempo de organizar a casa devidamente.
– Excelente, Charles. Entretanto deixa-me desejar um feliz ano novo e dar os cumprimentos à tua família.
– Muito obrigado, menino, serão entregues. Espero que tenha uma excelente viagem e que o próximo ano seja magnífico, para o menino e para toda a sua família.
– Muito obrigado, Charles. Até para o ano.
– Até para o ano, menino.

23.12.08

Horas de Natal – 01.00h

Gilles Peress, 2003, “Christmas in New York” – Magnum Photos

A música absorvia as possíveis conversas na pista de dança. Uma centena de corpos gingava ao som de batidas impessoais e vibrantes. Junto ao bar outros tantos olhavam em volta virando copos a ritmo muito apreciável. Alguns tristes barretes de Pai Natal lembravam o dia que quase todos queriam esquecer. Não era suposto o Natal passar por aqui, por este refúgio habitual de quem quer fugir de tudo o que tenha a ver com Natal. Os olhares começavam a esvaziar-se, a focarem-se em criaturas do sexo oposto, a desmascarar a real intenção dos presentes: companhia e sexo fácil que conseguisse ofuscar a solidão desesperada. O Natal nada significa para os presentes, mas ouvir falar tanto em família e amigos leva o mais empedernido solitário a precisar de alguém, nem que seja para umas horas de tensão carnal e prazer. Todos estavam ao mesmo e quase todos o iriam conseguir, a música e as bebidas eram apenas pretextos, o que ninguém queria era voltar para casa sozinho.

Gilles Peress, 2003, “Christmas in New York” – Magnum Photos

Horas de Natal – 23.45h

Gilles Peress, 2003, New York City – Magnum Photos

– Corre, Isabel, já estamos atrasados para a missa.
– Oh, Carlos, não posso voar! Infelizmente não me deste uma vassoura de presente.
– Muito engraçada, sim senhor, o vinho do Porto a fazer o seu efeito.
– Não digas disparates, este ano correu tudo tão bem, até parece que a tua família se habituou à minha loucura.
– Disparate, sempre gostaram de ti.
– Mais ou menos, mas também é difícil gostar do que não se conhece.
– Pronto, vá lá, entra no carro.
– Já estou, podes arrancar.
As ruas estavam desertas e as janelas iluminadas faziam a cidade parecer um vasto presépio. O carro seguia com calma e conversavam calorosamente até passar no Martim Moniz. Junto a um centro comercial um pequeno aglomerado de gente chamou-lhes a atenção. Silhuetas de tristeza dispunham-se em redor de uma carrinha branca que contrastava com as paredes sujas do edifício. O carro parou e Isabel olhou admirada para Carlos.
– Porque estás a parar?
– Está ali o meu primo Luís.
Isabel voltou a cara e viu o primo junto à carrinha a distribuir copos de uma qualquer bebida quente. Sem uma palavra, Carlos saiu do carro logo seguido por Isabel. O sobretudo, a gravata e o casaco de peles de Isabel eram imagem de um erro de casting que poderia ser ofensivo para os pobres mutantes. Isto, caso Luís não se tivesse dado conta da sua presença e se dirigisse a eles antes de qualquer reacção. Trazia um sorriso enorme e um brilho nos olhos que lhe eram estranhos.
– Olá meninos, o que fazem por aqui?
– Estávamos a caminho da missa quando olhei e te reconheci. – respondeu Carlos – Mas eu é que devia perguntar o que fazes aqui. Julguei-te em casa dos teus pais, aliás, conto passar por lá a seguir à missa.
– Julguei que soubesses, este ano resolvi viver um Natal diferente. Faz tempo que queria fazer algo de útil nesta época tão especial e depois de conhecer este grupo de apoio aos sem-abrigo dei-me como voluntário para os acompanhar na noite de Natal. No início levei um soco no estômago com as histórias que fui ouvindo, mas depois percebi a importância para esta gente de, neste dia que é da família e dos amigos, terem alguém que se tenha lembrado deles e que esteja ali para uma palavra de conforto. Está a ser, sem dúvida, o melhor Natal da minha vida.
– Meninos, olhem as horas, vão para a missa e talvez nos encontremos depois lá em casa. Ainda não sei bem até que horas vou ficar.
Cumprimentaram-se com desejos de continuação de um “Bom Natal” e Carlos e Isabel dirigiram-se para o carro.
Até chegarem à igreja não trocaram uma palavra ou um olhar.

Horas de Natal – 23.00h

Raymond Depardon, 1982, Central Park, New York City – Magnum Photos

O comando da televisão volta a emergir da manta. O velho aquecedor não é suficiente para que a sala se torne confortável. Mais uma mudança da canal, fugindo de uma passagem já decorada da “Música no Coração”. A noite passa a ser arrastada como tantas outras em que a indiferença perante o mundo é a arma usada contra a solidão. A fome chega e o jantar pré-cozinhado, comprado no supermercado em frente, é uma fugaz lembrança. A preguiça, a mesma preguiça dos muitos dias arrastados, faz passar mais uns minutos até que a vontade ganhe e consiga provocar a deslocação até ao frigorífico. Não será de grande sucesso a demanda, mas pelo menos um pacote de leite aberto restará no deserto branco e gelado. As mãos voltarão ao resguardo da manta, após largar o comando que deixou imagens de variedades italianas aparentemente paradas no tempo.

Horas de Natal – 22.00h

Gilles Peress, 2003, “Christmas in New York” – Magnum Photos

A gritaria era imensa, entre discussões de adultos e guinchos de crianças menos civilizadas. Olhou, tentando perceber como se estavam a portar os seus. Fazia o possível para que não contribuíssem para o caos reinante, quanto menos crianças descontroladas, menos insuportável se tornava o ambiente. Sabia ser o último ano que passaria nesta calorosa confusão que era a família da Ana, hoje também a sua segunda família. Pensou nos pais e na irmã, por certo em redor da braseira da sua casa mãe na província. Para o ano estaria por lá, regressaria ao consolo único da família real, da que o conhece e reconhece tal qual é, o seu apoio perene ao longo da vida. Como seria com as crianças, como explicar-lhes que iam ter um Natal amputado de um dos pais, ou que se teriam de dividir pelos dois?
Reparou que estava recolhido a um canto e que os cunhados o olhavam com alguma estranheza. Resolveu juntar-se à confusão, afinal tinha combinado com a Ana que este Natal seria de normalidade e que não estragariam o espírito natalício a ninguém. As discussões ficaram com eles, as agressões verbais que não tinham querido fazer foram esquecidas por momentos em respeito aos outros. No início do ano oficializariam tudo com calma, sem sobressaltos, com o cuidado possível para que os filhos não sofressem, os mesmos filhos que os vinham levando a arrastar uma fachada oca há alguns anos. Esperava que os compreendessem, que aceitassem que lhes era impossível continuar a viver juntos, que seriam todos mais felizes assim. Claro que não perceberiam, por isso a tristeza foi atirada para depois do Natal, pelo menos que até ao fim do ano ainda acreditassem que o seu Pai Natal era ainda um casal e não duas pessoas incapazes de se encararem com verdade.

Horas de Natal – 20.00h

Gilles Peress, 2003, “Christmas in New York” – Magnum Photos

A pequena casa estava quente e acolhedora, humilde como sempre foi, lar de gente pobre. O refogado indiscreto pairava no ar muito para além da cozinha. Ana aprendeu cedo que não é essencial dinheiro para comer bem, ensinou-o sua avó na pequena casa, no Alentejo, onde sempre morou. O talento evoluiu e hoje consegue de pão duro ou restos de carne fazer pratos deliciosos. O Natal merece mesmo assim mais, por isso há alguns anos que decidira, com o marido e os filhos, que este era dia de comer ainda melhor, mesmo que com isso deixasse de haver presentes bons. O Natal era a festa deles os quatro, sentados em redor da mesa a comer bem ao longo das várias horas que antecediam a Missa do Galo, e nas seguintes com o chocolate quente e as filhoses. Os presentes existiam, mas era proibido comprar fosse o que fosse já feito, pois cada um fazia os presentes que dava. Eram simples símbolos da amizade que, ainda para além dos laços familiares, os ligava. O dinheiro não esticava e preferiam aplicá-lo num bom peru e no vinho do Porto. O prodígio tinha sido conseguirem que os filhos, hoje com catorze e dezasseis anos, sempre tenham entendido o que para eles era a essência do Natal – a festa mãe da sua religião e o dia da sua família.

22.12.08

Horas de Natal: 19.00

Stuart Franklin, 1998, Londres

Fechou a loja às sete em ponto, pensando como iria ter tempo para fazer o jantar. Este ano não poderia ir à terra para junto da família. Novo emprego e uma conta bancária a aproximar-se com perigo do zero. Hoje teve de ficar mesmo até ao fim, a patroa decretou que queria a loja aberta até ao mais tarde possível e escolheu os mais novos para a tarefa de fechar.
Agora ainda lhe resta o inferno dos transportes públicos até Massamá. Felizmente estarão vazios e serão mais rápidos do que o habitual, já que quase toda a gente está em casa entre embrulhos de última hora e preparativos na cozinha.
Tentou lembrar-se do que poderia pedir ao marido e ao filho para irem fazendo, mas, para além de por a mesa, de nada se lembrava. A total inépcia e recusa determinada em entrar na cozinha eram características dos homens da casa. Bruno já deveria estar no sofá em pantufas e com uma cerveja à mão, o Sérgio devia estar, já há horas, em frente ao computador. Este ano foi difícil e sentiu uma enorme falta do jantar de peru em casa dos pais. Frango assado com arroz e uns coscorões de sobremesa será o que a espera. Os doces feitos na véspera em mais uma noite mal dormida, o resto para fazer quando chegar a casa. Sérgio vai sentir a falta dos presentes habituais, mas este ano era impossível a mais vaga excentricidade. Um par de meias para o pai e outro para o filho e uma noite calma com a companhia da televisão, mais uma noite como tantas outras.

Santo Natal

"Natividade", El Greco

Sejam tempos fáceis ou difíceis, o Natal será sempre símbolo de tranquilidade e paz, de esperança em muitos Natais.
Santo Natal a todos.

Natal Azul!

A ausência fez com que o Natal só lentamente mostrasse a sua proximidade. O passeio por algumas ruas do centro de Lisboa agravou uma sensação que já vem de alguns anos: será que a cor do Natal vai mudar para azul? Verde dos pinheiros, dos abetos, de todas as árvores de todos os natais. Encarnado das bagas de azevinho, das romãs descascadas, do Pai Natal. Branco da pureza do Jesus nascido, da neve que abundante cai em muitos sítios. Azul?
Há alguns anos que as iluminações de Natal são dominadas por um modernaço e incompreensível azul. A baixa vista do ar deve parecer que foi inundada por um rio transbordante. Como se não chegasse e o senhor António Costa resolveu entregar o Marquês e o Terreiro do Paço a uma companhia de telemóveis cuja cor é…azul. Lamento muito, mas este não é o meu Natal. O meu Natal não é azul. Verde, sim, encarnado, também, branco, com certeza, azul, não me parece. Deixem-se de modernices.

19.12.08

Visual de Natal

Tempos de Natal levam a novo estilo neste blog. Regressa o fundo preto, o de sempre não fora a vontade esporádica de mudança. Vinicius dizia que as mulheres gostam sempre de voltar, eu diria que não são só as mulheres.

18.12.08

Estátua ao Sousa

No seu desmedido esforço por melhorar as finanças do país, este governo resolveu facilitar a alienação de património por parte do estado. Património histórico, diga-se. Não me parece mal visto, enquanto se enterra dinheiro público em bancos falidos por gestores fora-da-lei, abre-se porta para recuperar esse dinheiro com a venda de património, muito provavelmente a ex-gestores desses mesmos bancos. Alguém se espantará se Dias Loureiro vier a comprar a Torre de Belém para adaptar a residência, ou a PRISA de Pina Moura o Mosteiro dos Jerónimos para sede da empresa, ou a Mota Engil de Jorge Coelho o Museu Nacional de Arte Antiga para centro controlador dos contentores de Alcântara. Já tudo parece possível, a bem da “economia”.

17.12.08

Nostalgias recentes

Tango. Modo de repetição. Clássico e electrónico. Gardel e Yira, Goyeneche e Tanghetto, Adriana Varela e Hugo Díaz. Deixo para ouvir, e ver, “Percanta”, do grupo “Otros Aires”, em videoclip não oficial gravado em Lisboa.

E Lisboa chora!

António Costa de um lado, Santana Lopes do outro. Palavras para quê! Resta a esperança em Helena Roseta.

Renovação e credibilidade

O novo e credível PSD, dos credíveis Manuela Ferreira Leite, Pacheco Pereira e António Borges, escolheu Santana Lopes como candidato à Câmara de Lisboa. Só falta mesmo aceitarem Isaltino em Oeiras e Valentim em Gondomar.

16.12.08

Coisas que dão vontade de emigrar

O senhor Pinto de Sousa achou importante, seguindo o espírito natalício, presentear as finanças do Estado com um suplemento monetário. Vai daí e desencantou uma declaração anual de IVA que os trabalhadores a recibos verdes deviam entregar. Ontem, dias depois de tomar esta medida, discursava pelo Simplex e pela necessidade de diminuir as complexidades administrativas. A declaração anual em causa é da mais pura redundância pois apenas serve para juntar informação que os contribuintes já haviam declarado mensal ou trimestralmente. Acresce que os trabalhadores a recibos verdes desconheciam totalmente a existência da dita declaração. Isto a propósito da cartinha que recebi e que me queria extorquir 125€ pela declaração respeitante a 2006 e que, segundo informação da minha repartição, seria seguida por outra respeitante a 2007. Poderemos, com mesma falta de pudor de Pinto de Sousa, falar em roubo. Descarado e intolerável. Imoral. Acredito que seja necessário encontrar dinheiro para injectar no BPN e no BPP, mas poderiam tentar encontrá-lo sem recorrer ao roubo, pelo menos a um roubo tão indigno. Que Pinto de Sousa mente, já ninguém duvida, mas que tenha dado início ao um saque directo e sem vergonha aos contribuintes, isso sim é notícia.

P.S. O governo recuou, o que é uma pena. Salvo assim as minhas actuais finanças, é certo, mas perde-se a oportunidade de ver as gentes saírem de uma vez por todas para a rua em sérios protestos contra quem por aí diz que governa o país. A coisa não vai por bom caminho quando um conservador começa a ter ideias fortemente revolucionárias. Porque é que não me deixei ficar no Rio de Janeiro?

15.12.08

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Penoso regresso de viagem. Apetece fazer birra de criança malcriada para voltar a sair. Os postais atrasados continuam à espera de chegar a este blog, assim como os enviados desde a Patagónia e que os correios argentinos e portugueses retêm por motivos insondáveis, por certo nada relacionados com as inocentes palavras escritas à família. Vem faltando a paciência de organizar papéis, escritos e fotografias, talvez por querer perpetuar a viagem no tempo, pelo menos até ao Natal que já se anuncia.

9.12.08

Postal de Lisboa

Regresso com frio. Voltar é sempre bom, mas difícil quando se passou tão bem fora. Há dois dias apanhava sol e tomava banhos de mar, hoje precisei de me enchouriçar para suportar o vento gelado de Lisboa. Coisas da aclimatação. Ficaram postais por mandar, como tantas vezes. Alguns chegarão com o atraso costumeiro dos correios, mesmo que enviados por internet.

5.12.08

Postal do Rio

Depois da favela, a subida de bonde a Santa Teresa. A viagem ameaça não parar em programas radicais. Este bairro é uma delícia de situação e arquitectura, com belos edifícios, muitos decadentes, e uma população vagamente excêntrica. Artistas e gentes de piercings e tatuagens convivem em boémia. Magnífica e poderosa feijoada à brasileira de almoço a obrigar a uma subida a pé. Ah! Faltava falar da parte radical, é que a subida é feita num eléctrico que passa em cima do aqueduto da Lapa e...não havia lugar. Ah! E tenho vertigens. Pois, a viagem foi feita pendurado de fora do bonde e nos instantes iniciais temi que não voltasse a poder abrir as mãos. No fim, uma vez mais, a satisfação de uma viagem deliciosa apesar de radical. "O Rio de Janeiro continua lindo".

4.12.08

Postal do Rio

Os contrastes de passar, no espaço de dois dias, de Ushuaia a Buenos Aires e depois para o Rio de Janeiro, baralha ambientações térmicas. O Rio recebeu-me com um sol inclemente e humidade no ar, suficiente para a praia ser um destino incontornável. A Prainha, afastada do centro, é um oásis de tranquilidade numa cidade buliciosa. Alguns surfistas e uma paisagem dominada pela natureza apenas quebrada por dois botecos. Calor e pele ainda clara a obrigar a cremes potentes e refúgios na sombra. A água gelada faz lembrar as praias do norte de Portugal, desmentindo mitos de água quente no Brasil. Manhã tranquila, o que não se pode dizer da tarde.
Destino Favela, Rocinha. Chegada de táxi a São Conrado onde é suposto apanharmos um moto-boy, motas que transportam passageiros na favela, que nos "suba" até ao boteco do Belo. Distribuímos o grupo - sim, porque aqui no Rio deixei de viajar sozinho - pelas motas e aí vamos. Desporto radical seria um eufemismo para descrever a inacreditável experiência de "trepar" pela favela de moto, com trânsito intenso na estreita rua de curvas em cotovelo, ocupada por autocarros, vans, carros e um enxame de outros moto-boy. Sempre em velocidade, ultrapassando o que aparecia à frente, curvas quase deitados, tangente a tudo o que mexe e não mexe, e em redor a favela. Demasiados momentos em que me julguei esborrachado no chão, no mínimo de joelhos esfolados. Nada aconselhável a cardíacos, nem a medrosos, nem a quase ninguém, embora no final, já com os pés na terra, a sensação seja magnífica e se possa usufruir da experência com a segurança possível de estar no meio da maior favela do Rio. Passado o transe da viagem um olhar para o lado e uma vista alucinante. O Rio aos meus pés, o casario da favela a descer agarrado à encosta íngreme. Ao fundo os prédios, depois o mar, ao lado outros morros. O verde da floresta atlântica que surge pujante no meio da cidade. A favela é favela, mas a vista daqui é de luxo. Caminhamos um pouco rua acima até ao boteco do Belo, se é que isso se pode chamar à garagem com bar, uma mesa de snooker com dificuldade em se manter de pé e duas máquinas de jogos electrónicos. Tomamos um chope e subimos ao cimo do edifício incompleto em cimento para um vista ainda mais abrangente. Muitas fotografias tiradas em plena favela, com uma descontracção que não imaginava possível. Favela é local onde nunca esperei entrar, experiência única e provavelmente irrepetível, no entanto não aconselhável a grande parte das pessoas que conheço.

1.12.08

Postal do Fim do Mundo

Após ter estado em Buenos Aires parecia que o tango se tinha ido, que essa tradicao nao chegara ao sul. Nada mais falso, o melhor tango que ouvi foi numa noite em Ushuaia, no Ramos Generales. Acompanhado por cerveja "Cape Horn", foi deleite ouvir um trio - bandonéon, violino e piano - tocar bem um reportório de óptimo gosto, alternando tangos antigos com temas de Piazzola. Foi o melhor tango que ouvi e soou com tanto exotismo aqui em Ushuaia - apesar desta fazer parte da Argentina - como soaria flamenco nos Acores.
Aproveito a deixa. Será um disparate meu, mas o que mais consigo aproximar da Terra do Fogo sao os nossos Acores. A paisagem nao é parecida, apesar de haver montanhas, escarpas, verde e mar. Há uma poesia da distância, uma melancolia, a coragem de viver no isolamento. Da porta do "Ramos Generales", fumando um cigarro, olho o porto, o canal e as montanhas ao fundo. Recordo o gin tónico do Peter's, a marina da Horta, o canal, o Pico ao fundo. Sei que nada tem que ver, mas terei para mim que sim. Assim como a baía Lapataia me lembra as lagoas da Flores. Os Acores sao o nosso fim, este é o fim do mundo todo. Insistirei nesta semelhanca. Manias minhas.

Postal do Fim do Mundo

O sítio era acolhedor e resolvi que era ali que ia provar o cordeiro fuegino (de Terra do Fogo). Pedi de imediato uma deliciosa Beagle, cerveja artesanal da zona, e quase nao contive o espanto de encontrar entre as receitas de cordeiro uma "à portuguesa". Até no fim do mundo está Portugal, nos cordeiros e nos três portugueses, pouco simpáticos, que encontrei no Cerro Marcial.

Postal do Fim do Mundo

Lobos marinhos, Pinguins, Cormoranes, aves e aves diversas como condores e albatrozes. O canal atrai fauna diversa e nao escondo que senti alguma emocao ao ver pinguins no seu habitat natural. Pequenos, Magalhânicos, andavam no seu passo meio desengoncado pelas margens da ilha, mergulhando ocasionalmente no mar. Ali mesmo ao lado, o suficiente para haver vontade de trazer um comigo, nao fora isso uma intolerável crueldade.

Postal do Fim do Mundo

(Ainda antes de Ushuaia)
Voo sobre o Estreito de Magalhaes, esse caminho encontrado pelo genial português para passar do Atlântico ao Pacífico sem ter de dobrar o temível Cabo Horn. Impressiona agora mais perceber como naquela época foi possível chegar onde ainda hoje é tao distante. Em que pensariam quando depois de dias imensos de viagens chegassem aqui e por este estreito ousassem entrar? Grande homem esse Magalhaes, independentemente de muito ter feito ao servico de Espanha.
A vista sobre os Andes é poderosa, mostrando um vasto campo de montanhas, neve e nuvens. Um aparente preto e branco, apenas quebrado por manchas verdes em zonas mais baixas. A aproximacao pelo ar a Ushuaia é espectacular, o aviao a sobrevoar a baixa altitude o Canal Beagle com mudancas bruscas de direccao que, nao fora a beleza da paisagem, semeariam com facilidade o panico nos passageiros.

P.S. Faltam acentos, mas estes teclados estranhos nao perdoam.