31.5.06

Private joke

“Mas, de repente, o Albuquerquezinho arremessou a torrada que tomara do prato e empertigado na cadeira, fazendo estalar os nós dos dedos, olhou sucessivamente as duas velhas com rancor. Exigia as torradas quentes, louras, a escorrer de manteiga e encontrando uma seca, rosnou com azedume:
– Se sabem que me faz mal! Se sabem que me faz muito mal! E não é uma, são todas que estão secas. Já é desleixo.”
Eça de Queiroz in “A Capital”

29.5.06

Crises

O país está em crise, mas oitenta mil pessoas – sim, não é gralha – encheram, este Sábado, o Rock in Rio. Compreendo a ansiedade do país em escutar que “porque a mim tanto me faz, que digas coisas boas ou coisas más”, na voz dos indescritíveis – por falta de paciência – D’ZRT (deve, aparentemente, ler-se Deezêrt). Ou, com o calor que estava, gritar que “algo levantou poeira” na voz da frenética – até nos cansar – Ivette Sangalo. O único motivo de real interesse, a barriga bamboleante de Shakira, perdia-se na distância ao palco que impedia um convite para cear ao abrigo da multidão. Mas supostamente há crise e um bilhete para esta coisa custava 50 Euros. Assim como assim, e assumindo o gasto, antes uns jaquinzinhos e umas pataniscas de camarão, seguidas de umas costeletas de borrego panadas com arroz de grelos, terminando com um mousse de chocolate ou um leite-creme. No Papaçorda, é claro. Com os cinquenta euritos até deve dar para não ter de escolher o tinto mais barato da lista e beber um whiskey com o café. Enfim, cada um com as suas opções, mas eu, crise por crise, antes poupar para o Papaçorda.

Diálogos Imaginários

– Charles, por favor mude os lençóis todos os dias enquanto esta canícula se mantiver, a única maneira de a suportar é mesmo dormir em lençóis de linho frescos. E não se esqueça de reforçar o stock de chá gelado, é que com este calor desaparece num instante.
– Não se preocupe menino, já tratei das duas coisas e comprei muitos vegetais e fruta para amanhã.

26.5.06

Acrescento

(ao post “Carrilho e Dan Brown”)
Num momento de chafurdice mental, e noite de insónia, acabei por assistir, via RTPN, ao famoso Prós e Contras com o Professor Carrilho. Ao post já escrito nada a retirar, apenas um ligeiro pormenor a acrescentar: a bem da saúde pública, o senhor deveria ser “convidado” a passar uma temporada num hospital para doentes mentais. A insanidade do Professor chegou a mostrar teores de demência que só o foro psiquiátrico poderá explicar. Afinal, mais do que mimado e profundamente mal-educado, o senhor é portador de uma qualquer doença mental que o aliena e afasta da realidade. A sociedade deveria tomar medidas pois, após acusar meio mundo de uma conspiração, reescrever entrevistas que deu ou insultar adversários de forma nojenta, a agressividade pode tomar conta do seu corpo e passar a agressões físicas no meio da rua. Não sei porquê, mas a sua cara estampada na capa do livro, com um sorriso vagamente alucinado, faz prever que esteja vestido apenas com uma gabardine e tenha sido fotografado após regressar a casa do Jardim da Estrela. A sociedade que se cuide.

23.5.06

Grafonola e Gira-discos

Mudanças nas músicas aqui ao lado com uma escolha um pouco anacrónica: na Grafonola passa “Sonatine Bureaucratique” de Erik Satie, tocada por Aldo Ciccolini; no Gira-Discos temos “The Guns of Brixton” no punk-ska inesquecível dos Clash.

Carrilho e Dan Brown

Triste país em que um mal-educado político humilhado volta a ser falado por todo o lado ao ter lançado um livro onde elabora uma pretensamente sofisticada teoria da conspiração. Não li, assim como tenho evitado, por higiene mental, outros comentários ou debates televisivos sobre o assunto. Um senhor americano conseguiu num livro, que também não li por manifesto preconceito intelectual, elaborar uma conspiração acerca de um código que se tornou um enorme sucesso agora transformado em filme. Carrilho estará a treinar para ser o Dan Brown português?

20.5.06

Campo Pequeno IV – Crónica taurina

Praça cheia, como dá gosto ver, com um público a revelar ao longo da corrida uma exigência pouco vista e que muita falta faz à festa dos toiros.
O curro da ganadaria Vinhas cumpriu assim-assim: não brilhou por falta de casta e bravura dos touros, não tendo no entanto estragado a noite aos toureiros. O quarto e sexto eram mais tardos e reservados, não tendo, apesar disso, sido aproveitados da melhor maneira pelos toureiros.
Abriu a corrida João Moura com um touro suave, que foi bem entendido e toureado. Nos compridos o problema costumeiro de Moura: esquecendo não estar em Espanha, insiste em recusar a sorte frontal que estes ferros exigem. Correcto na colocação. Para os curtos Moura teve, apesar da falta de sal, touro para lidar à sua maneira. Brega vistosa, com o touro colado à garupa do cavalo e ferros que conquistaram o público que não recusou ovações sonoras. O touro foi pegado por Diogo Sepúlveda, dos Forcados Amadores de Santarém, que bem citou e pegou o touro.
Recebeu o segundo da noite com um ferro à sorte de gaiola António Ribeiro Telles, mostrando cedo a disposição para triunfar. Lide impecável – aproveitando um touro doce, mas com investida – começada com compridos de praça a praça como mandam os cânones do toureio. Nos curtos esteve excelente, numa lide cheia de pormenores toureiros e ferros bem preparados. Belíssima lide que entusiasmou sobremaneira o público. O touro foi pegado por José Maria Cortes, dos Forcados Amadores de Montemor, que não entendeu a investida do touro, tentando pegá-lo sem recuar o que redundou e duas tentativas falhadas.
Rui Fernandes toureou o terceiro da corrida, granjeando alguns aplausos com o seu toureio irreverente, mas bastas vezes excessivo. Lidou com suavidade e conseguiu ferros de boa nota. A pega foi efectuada pelo Cabo dos Forcados Amadores de Lisboa, José Luís Gomes, que deu uma lição pedagógica sobre a arte de pegar touros. Belíssimo cite, excelente a recuar, magnífico na reunião. A pega da noite efectuada por um veterano das arenas.
O quarto touro saiu para João Moura que não conseguiu encontrar a lide correcta para um exemplar de fraca qualidade. Esteve mal nos curtos e escutou assobios – algo tão raro como necessário em praças portuguesas – apesar de encerrar com um digno ferro de palmo. Como senhor toureiro que é recusou a volta à praça. A pega de António Jesus Grave, dos Forcados Amadores de Santarém, foi vistosa e correcta.
Saiu, embalado pelo triunfo no seu primeiro touro, para o quinto da noite António Ribeiro Telles. Recebeu o touro à saída dos curros, aguentando a sua investida até o colocar para um belíssimo primeiro comprido. Os compridos foram de praça a praça, e só o falhanço na cravagem de um deles foi nota menos boa na sua actuação. Nos curtos esteve mais uma vez em grande plano, com ferros frontais e emotivos e brega magnífica. Rematou uma noite de enorme triunfo com um ferro de palmo brindado à família. A pega foi feita por Pedro Freixo, dos Forcados Amadores de Montemor, que esteve muito bem com o touro.
O último da noite foi lidado, e mal, por Rui Fernandes. Não querendo exagerar, veio neste toiro ao de cima o pior defeito deste toureiro: querer impor aos touros os “números” que cada um dos seus cavalos faz (câmbios, ladear, patas que levatam,…) e todos o fazem. Esteve mal com o touro, cravando compridos em câmbio! Nos curtos quis, com o primeiro cavalo, cravar a câmbio e voltou com outro cavalo que fazia o número de levantar uma das patas dianteiras. Alguma confusão entre toureio e circo, perante um touro manso e parado, que também não ajudou. Pegou Gonçalo Maria Gomes, dos Forcados Amadores de Lisboa, a fechar com chave de ouro esta noite com uma bonita pega.
A corrida terminou com a banda, que esteve excelente ao longo da corrida, a tocar o hino, que foi cantado em pé e com enorme dignidade por todo o público presente num epílogo bonito para uma noite a recordar.

Campo Pequeno III – Manifestação

À porta da Praça acolhia-nos uma manifestação de uns grupos de defensores dos animais, também eles com saudades de terem motivos para sair ás ruas com seus cartazes. Muito gritavam e insultavam quem passava, procurando – “comme d’habitude” – que alguém perdesse a paciência ao ser apelidado de assassino e lhes desse uns bons pares de estalos. Claro que a seguir se iriam queixar à imprensa dizendo o quão brutas são as gentes dos toiros. Filme já visto.
Pelo meio destrinçavam-se t-shirts do Che Guevara, levando a que nos apeteça tirar a seguinte conclusão: Nós que gostamos de touradas somos bárbaros e assassinos, enquanto eles, que admiram o guerrilheiro da barba que, só por acaso, até matou razoável quantidade de gente, são uns benfeitores da humanidade contra a nossa selvajaria. Enfim, paradoxos do nosso mundo.

Campo Pequeno II – A Praça

Catita. O rejuvenescido Campo Pequeno está catita a valer. Belíssima obra de recuperação, num exemplo infelizmente raro neste país. Parece que foram muitos milhões, mas a avaliar pelos resultados foram bem empregues. Não se pode dizer que valeu a espera, porque foram muitos anos, mas lá que ficou bem, isso ficou. Majestosa será a melhor definição para esta “nova” Praça de Touros do Campo Pequeno.

18.5.06

Campo Pequeno

Ao fim de muitos anos de espera, lá reabriu anteontem o Campo Pequeno. Parece que é obra boa. Hoje lá o irei comprovar na inauguração pública com aquilo que era, e deve continuar a ser, a principal função do espaço: uma corrida de touros. Eram muitas as saudades das nocturnas de quinta-feira, dos touros à séria na praça de referência do país. Lisboa não foi a mesma neste interregno de tantos anos e a prova da falta que fez é que os bilhetes voaram na segunda-feira e não fora a abençoada Internet e a coisa teria sido difícil. Sector seis e lá estarei.

17.5.06

Inquilinos e Senhorios

O governo acordou de repente a pensar que devia ser de esquerda, vai então apresenta uma Lei para o Arrendamento que, a uma primeira breve leitura, é digna de uma Nova Albânia. Durante anos a fio vem se arrastando uma situação que é da inteira responsabilidade do Estado Português – do governo que aprovou o congelamento das rendas e de todos os posteriores governos nada fizeram para as descongelar. Perante isto o que faz este governo: lava as mãos e divide as responsabilidades entre inquilinos e senhorios. O Estado assobia e, sem lhe chamar assim, propõe uma expropriação das casas na forma da compra pelo inquilino do imóvel a um preço em função do valor fiscal do mesmo. O desgraçado do proprietário, que vem há anos a ser a Segurança Social dos inquilinos – necessitados ou não –, arrisca-se então a ficar sem casa. John Cleese regozijaria com este tema para um sketch dos Monthy Python.

Arte

Scolari, com quem por motivos estranhos até simpatizo, decidiu quem vai ao Mundial da Alemanha. A convocatória é polémica, como o seria em qualquer país civilizado em que o melhor jogador do campeonato não fosse convocado. Quaresma fará obviamente falta, não a titular, mas como substituto de luxo para virar resultados desfavoráveis ou dar golpes de misericórdia em resultados favoráveis. Perdemos, para o Mundial, a arte de um dos jogadores que me faz, apesar de tudo, gostar de futebol.

15.5.06

Estado do Sítio

Este blog, tal como o país, anda numa modorra que torna desnecessários comprimidos para dormir e eleva as necessidades de cafeína, o calor chegou e começa fazer as mentes dormentes.

Boas notícias

Paulo Bento renovou e não conta com Sá Pinto, talvez assim para o ano terminemos mais jogos com onze jogadores e sem penalties idiotas contra nós.

8.5.06

Diálogos Imaginários

– Charles, ainda bem que voltou, já tinha saudades suas.
– O menino como tem passado? Peço desculpa pela ausência, espero que tenha sobrevivido sem mim.
– Com dificuldade, Charles, com dificuldade.

5.5.06

Música

Mudanças nas músicas aqui ao lado. Na Grafonola pode-se ouvir “Pernambucobucolismo”, do álbum “Infinito Particular”, o último da sempre excelente Marisa Monte. No Gira-Discos a voz imortal de Camarón de La Isla, o grande “cantador” de flamenco, aqui com uma letra de Frederico Garcia Lorca: “Mi niña se fue a la mar”.

4.5.06

América

A cada dia me surpreendo mais com o fundamentalismo anti-americano, logo eu que não gosto em especial da sociedade americana, não gosto particularmente de Bush, acho que a Guerra do Iraque foi um disparate criminoso, gosto de muitos produtos oriundos da América (cinema, música, literatura) mas não ia viver para os Estados Unidos, resumindo, tenho, por pouco tempo porém, uma saudável relação crítica para com a América,
Os argumentos que ouvi há dois dias, oriundos de alguém intelectualmente mais do que estimável e politicamente independente, contribuíram para a convicção de que ainda me tornarei um feroz americanista, capaz de rivalizar com a cegueira de um Vasco Rato. Discutia-se política à escala mundial, as privatizações do “sensato” Chavéz, a “ponderação” do “discreto” Morales, o imperialismo americano. A discussão animou e falou-se da primordial importância dos americanos no fim da segunda guerra mundial e do quanto lhes devemos. Aqui tudo se baralhou, e a cegueira anti-americana culminou num argumento precioso: “A guerra iria acabar de qualquer maneira, uma vez que demograficamente os alemães não a poderiam suster, e não podemos provar que foi a intervenção americana que, de facto, parou a guerra.” Perante a estupefacção e indignação generalizada esbocei que até é verdade, como é verdade que nada prova que o 25 de Abril foi essencial para acabar com a ditadura – ela poderia acabar por si –, ou que os Conjurados apenas anteciparam o abandono do nosso país pelos espanhóis. O argumento vale o que vale, não é que seja necessariamente mentira, apenas invalidaria toda e qualquer a análise histórica. No entanto, a melhor conclusão que ainda consegui espremer foi a seguinte: se a guerra acabaria de qualquer maneira, mesmo sem a intervenção americana, era só uma questão de tempo, ora como no entretanto ia morrendo gente, muito em particular judeus, talvez a limpeza étnica se aproximasse dos seus objectivos. Assim, com um pouco de “sorte”, poucos judeus sobrariam e não seriam suficientes para a criação de Israel, o que seria óptimo para o mundo de hoje já que acabaria com o problema do Médio Oriente e, talvez até, com o novo terrorismo. Concluindo, a culpa da instabilidade no médio oriente é dos E.U.A., mas não só de Bush, a culpa vem Roosevelt e Truman que permitiram a sobrevivência de demasiados judeus. Enfim, o imperialismo já tem demasiados anos para que não nos rebelemos contra ele.
Perante tamanho disparate, ainda me vão ver, um dia destes, em manifestações pró-Bush, não é que eu queira, mas a alucinação perigosa do outro lado ainda me vai obrigar a isso.