24.12.03

Natal



O Anarcoconservador deseja a todos os seus leitores um Feliz e Santo Natal.

19.12.03

Será que o Pai Natal é de esquerda?

Em tempos em que a discussão entre esquerda e direita, e o que de facto as distingue, é cada vez mais actual, parece pertinente perguntar qual será a ideologia do Pai Natal.
Partamos do princípio de que ele existe, sim, que este senhor vive algures na Lapónia e nos visita, de forma estranhamente ubíqua, uma vez por ano.
A argumentação primeira, aquela em que todos pensarão, é que o senhor é caridoso, que distribui presentes por todos, que é solidário, que não é um capitalista interesseiro, já que nada cobra pelo seu serviço. Até aqui, segundo os chavões habituais, ele é sem dúvida de esquerda. Mas os presentes que ele entrega aos ricos são melhores que os dos pobres, será ele um porco capitalista entregue à distinção de classes?
Trabalha apenas um dia no ano inteiro, apesar de o imaginarmos o resto do ano actualizar ficheiros de moradas. Denoto aqui uma certa postura hedonista, de aproveitamento dos rendimentos para estar 364, ou 365, dias praticamente sem produzir. A sua cota para a sociedade é grande, mas não deveria ser maior e prolongada durante o ano? Chegado aqui começo a julgá-lo de uma certa direita individualista, achando que o seu papel para com a sociedade é cumprido apenas num dia do ano, podendo usufruir no resto das coisas boas da vida.
Consta que tem renas, e que elas o transportam, ao suave ritmo do chicote, para todo o lado. A exploração indevida dos animais não o coloca por certo do lado irracionalmente protector dos animais que caracteriza uma certa esquerda radical. Será que vamos ver alguma manifestação no dia de Natal contra a opressão das renas da Lapónia, com gritos de assassino qual manifestação anti-taurina?
Surge outra dúvida, porque será que nunca muda de uniforme, e porque escolheu o vermelho como cor? Acho que um fatinho castanho iria melhor com o seu ar bonacheirão de velhinho simpático. Detecto aqui uma assunção do vermelho como cor de intervenção, de certo ligada a tendências pró comunistas, quem sabe se devido a uma adolescência revolucionária por entre as neves do Norte da Europa. Devo aqui acrescentar a insistência nas longas barbas, por norma associadas aos grades revolucionários, lembro Marx, Fidel e o eterno Che. Serão da família? É que dela nada conhecemos e o seu passado permanece obscuro.
Acho que em conclusão o senhor deverá ser social democrata. Vem do Norte da Europa, onde os sociais democratas são de esquerda, mas deve ter uma costela portuguesa, onde a prática da social democracia se encontra num limbo entre o centro esquerda e o centro direita. No fundo acho que apesar da imagem exuberante, o Pai Natal é do centro, do cinzento centrão, daquela amálgama ideológica incompreensível e oscilante ao sabor das marés. Se fosse português estava agora a apelar ao entendimento entre Durão e Ferro, procurando que apenas existissem dois partido em alegre e monótona alternância.
Por tudo isto é que eu não acredito no Pai Natal. Para mim o Natal é o nascimento de Jesus, uma comemoração de fé alargada a uma festa de família. O Pai Natal sempre foi personagem exótica e de difícil encaixe na visão natalícia lá de casa. Quem dá os presentes sempre foi, e será, o Menino Jesus. A ele agradecemos e a ele pedimos, o Natal é, fora de dúvidas, seu. Viva o Menino Jesus.

18.12.03

Campo de Trigo com Corvos

Por insondáveis motivos lembrei-me hoje de um dos quadros da minha vida. Recuei alguns anos até uma alegre viagem por terras holandesas. Por entre os passeios em Amsterdão detive-me, com os amigos que me acompanhavam, no Museu Van Gogh. Este era já um dos meus pintores preferidos, e tinha grandes expectativas de ver o museu a ele dedicado.
O espanto perante as cores reais e irreprodutíveis foi enorme. Já tinha noção da diferença entre um quadro in vivo e uma reprodução, mas nunca como com Van Gogh essa diferença era tão gritante.
A visita foi longa e intensa, mas o chef d’ouevre estava reservado para o fim, este extraordinário "Campo de Trigo com Corvos". Um céu azul, intenso, com revoltas nuvens num aparente prenúncio de tempestade, esmaga e detêm o olhar. Por debaixo, entre barrentos caminhos sulcados por carroças, um longo campo de trigo. Ou antes um quase mar amarelo, ondulado ao ritmo de uma brisa intensa, num movimento suave mas firme, agitando a terra e testando as raízes. Neste cenário forte, carregado, um grande bando de corvos plana. Talvez fugindo de uma tempestade, talvez picando sobre a terra em busca de alimento, qual gaivotas mergulhando no mar. Aqui, um tema aparentemente bucólico transforma-se em muito mais, uma simples paisagem desperta um turbilhão de sentimentos. A grande pintura é assim, um indizível desencadear de sensações, tantas vezes sem motivos concretos.
As cores e o movimento conseguem um efeito hipnótico e lembro-me de ter de ser insistentemente chamado para largar o quadro e ir embora. Este era o último quadro da exposição, este é, segundo alguns, o último quadro de Van Gogh. Talvez seja uma coincidência, mas por entre os vários quadros deste pintor que adoro, este é, até agora, aquele que mais gostei.

Natal dos Hospitais

Ontem em "zaping" passei por imagens que me pareciam quase arqueológicas. Parei e percebi que era um programa sobre a história do Natal dos Hospitais, apresentado por Júlio Isidro, Ana Zanatti e Henrique Mendes. Fiquei a ver um bocado e deliciei-me em momentos de alegre nostalgia.
O cenário era uma tenda de circo em tons cinza prateado de onde caíam fitas brilhantes. Os colarinhos das camisas eram avantajados, senhoras usavam calças por dentro de altas botas e camisas de manga de balão. E os artistas... Herman ainda magro, ainda com muita graça, ainda com o cabelo preto, na pele de Tony Silva cantando um delicioso medley de músicas da época. Cândida Branca Flor num número musical acompanhada por um bailarino saído de um filme musical série Z dos anos 40. Rui Veloso cantando "Um café e um bagaço", com menos 30 quilos e mais um bigode. O romântico Tony de Matos no seu melhor. Carlos Alberto Moniz a cantar para as crianças, acompanhado pela irreconhecível filha Lúcia, então pré, pré adolescente. Um irreconhecível Fernando Mendes, este com menos 60 quilos, com Francisco Nicholson num número de revista.
Neste momento parece uma obsessão estar a citar o estado de gordura de cada artista, mas é a mais pura da verdade. Leva-me a pensar se podemos estabelecer um paralelo entre a engorda dos artistas e a progressão económica de Portugal. A ser assim, podemos prever que comecem rapidamente a emagrecer, pelo menos assim o diz a Ministra das Finanças. Convém guardar segredo, pois o Dr. Tallon pode ficar sem clientes e tornar-se violento.
Hoje por acaso liguei a televisão...lá estava o Natal dos Hospitais. Um pouco diferente nos cenários, nas barrigas proeminentes dos artistas consagrados, na própria cor da televisão. No resto igual, o dia em que todos os artistas, bons ou maus, desconhecidos ou consagrados, aparecem na televisão. Descobrimos cantores obscuros de voz abafada pelo playback e visual inaudito. Revemos gente que julgávamos desaparecida. Conhecemos novos artistas. No fundo é como ir a um casamento, sem a missa e as comidas. Um acontecimento anual indispensável que só se suporta como exercício quase masoquista de nostalgia. Aguentei uns dez minutos.

Presentes de Natal

Ontem achei por bem começar a pensar na parte prática do Natal. A família é grande e ainda nem sequer de leve tinha pensado nos presentes. Neste ponto poderia tender a ficar horrorizado com a proximidade do Natal e a manifesta falta de tempo. Assim não é.
Hoje o Natal é marcado por um consumismo desenfreado, barbaramente estimulado pelas televisões. As crianças escolhendo catálogos inteiros do Toys'r'us para pedir ao Pai Natal. A febre das compras, particularmente sentida nas grandes superfícies, onde as pessoas se acotovelam, quase se espezinham e se agridem para chegar aos jogos que os filhos pediram e que têm de se dados. Hoje as crianças não podem ser desiludidas, podem sofrer de desequilíbrios graves se não receberem a Barbie Patinadora ou o Action Man da Guerra do Iraque. São as novas pedagogias e educações que as crianças recebem, responsabilidade de pais e professores em cotas iguais.
Independentemente disto adoro as compras de Natal. Deliro ao passear alegremente pelas lojas, vendo, mexendo, pensando no "não sei quê" de ideal para cada pessoa. Que seja barato, original e de preferência inútil (adoro dar inutilidades, aquelas pequenas coisas que não compramos para nós, mas que gostamos de receber e de ter). Dar presentes por gosto, mais não será do que dizer a alguém que dele gostamos. Quando se aproxima o Natal gosto de sair para a rua, no frio de Inverno, e passear longamente, tentando descobrir aquilo que me apetece dar. Mas recuso as grandes superfícies. Prefiro o Chiado, as ruas iluminadas, o ar que se respira com o cheiro a castanhas ainda presente. As pessoas girando felizes, de sorriso na cara e sacos nas mãos. Lanchar por ali, na Benard ou no Chá do Carmo (ou ainda um belo gelado na Hagen Dahz), parando a ver o corrupio. Descer um pouco à baixa, deambular pela Rua Augusta. Subir ao Bairro Alto em busca de algo original, com passagem obrigatória na TonTon. Tudo isto a passar-se no dia 22, ou 23, ou mesmo 24. Sim , depois de tantas voltas ficam sempre as compras para o fim, para aquele último dia em que entro na FNAC e só de lá saio com todos os presentes cumpridos. Sejam livros de cozinha ou discos de música clássica, sejam vídeos da Walt Disney ou livros de contos tradicionais, sejam romances actuais ou biografias imprescindíveis. Aqui o caos é grande, neste dias, mas muito e muito distante de um Continente. As pessoas são razoavelmente civilizadas, não costumam trazer crianças, não gritam, não há carrinhos de compras obscenamente cheios a impedir o caminho, não há músicas do coro de Santo Amaro de Oeiras. Pode-se ir de Metro fugindo ao inenarrável trânsito desta época, pode-se ficar para jantar no Bairro Alto.
Ontem na FNAC perguntei se tinham o vídeo do segundo Harry Potter, responderam que não , só no Colombo ou então no fim da semana. Óbvio que voltarei no fim de semana, ir ao Colombo nesta época nem que me paguem, muito.

17.12.03

Imagens 3

A teimosia é uma característica minha, assumo.
Volto à carga com as fotografias, agora em novo "hospedeiro". Será desta?
Na senda da posta anterior: Será que só eu vejo o que estou a ver?

"Burgueses de Calais" de Rodin
Patio de Escuelas Menores, Salamanca 2002

Casa das Conchas, Salamanca 2002

16.12.03

Imagens 2

Afinal ontem nem tudo correu bem. Tenho as imagens num sítio hospedeiro mas, apesar de eu ontem as visualizar bem, parece que afinal as imagens não aparecem. Já tirei as postas onde só apareciam cruzes encarnadas. Resumi-me à insignificância dos meus conhecimentos informáticos, pelo menos para já terei de proseguir sem fotografias.
Não resisto a citar um comentário hoje recebido a este propósito:
"Não vejo as imagens - por vezes acontece, nós vemos, mas os outros não."

15.12.03

Imagens

Após as primeiras semanas de blog, achei que gostava de inserir no mesmo algumas fotografias minhas. Fui ao Blogspot saber como o podia fazer, vi os upgrades, e tentei. Durante semanas fui tentando e, nada.
Finalmente descobri que podia ir buscar imagens que estivessem alojadas noutros sítios da Net, com a vantagem de não ter de fazer upgrades. Foi assim que arranjei um "hospedeiro" para as minhas imagens que agora posso inserir no blog. A partir de hoje, na segunda fase deste blog, também com imagens.

Porquê um Blog?

Há dois meses que comecei este blog. Hoje pergunto-me porque me terei metido nisto, porque se metem as pessoas neste mundo da blogosfera.
No meu caso começou por puro acaso. De quando em vez, escrevia uns mails mais pensados e elaborados, que enviava para alguns amigos. Parece que eles se iam divertindo e, depois de um deles - curiosamente a primeira posta deste blog -, houve quem me sugerisse que fizesse um blog. Na altura confesso que pouco ou nada sabia de blogs, apenas tinha ouvido vagamente falar de alguns e do que era de facto um blog. Resolvi navegar um pouco e fui descobrindo - graças aos links dos blogs que primeiro consultei - uma série de gente interessante, a escrever bem, e com opiniões livres e não espartilhadas pela fortemente "engagée" comunicação social portuguesa. Por uma ou duas semanas iniciava o dia com uma leitura dos meus blogs favoritos. Pensei então que podia fazer o meu blog, mas no fundo porquê um blog? Talvez porque gosto de escrever, apesar de uma enorme preguiça para começar qualquer texto, gosto muito de escrever. O blog foi para mim uma maneira de disciplinar um pouco a escrita, de combater a irritante preguiça, de dizer algo, nem que seja para o ar ou para mim. Manter um blog arruma ideias, exercita o cérebro, faz-nos pensar com regularidade e escrever de forma mais expedita.
Há certamente algo de narcisista em escrever para os outros, em acharmos que temos algo para dizer e que haja quem nos queira ler. No meu caso há também um certo pudor, que me leva a que até hoje só um amigo (também blogger) conheça o meu blog. Com outros descaí-me a dizer que tinha um blog, mas resisti até hoje a dar o endereço. O meu pudor foi forçado a esbater-se porque, este Sábado, fui compelido a finalmente dizer o nome do meu blog. Cedi, e ainda hoje seguirá um mail para alguns amigos desvendando a identidade do meu blog.
Termina assim a primeira fase do AnarcoConservador, aquela em que entrei na blogosfera escrevendo para mim e para quem foi encontrando este blog pelas mais diversas razões. Durante dois meses tentei perceber que tipo de blog queria: se algo de mais sério, baseado em questões políticas e da actualidade; se algo pessoal, com reflexões e pensamentos sobre a vida; se algo mais corrosivo, tentando destruir na escrita as convenções de que não gosto.
Hoje acho que encontrei o rumo para este blog, ele será definido exactamente pela falta de rumo. Vou escrever, como aliás fiz até hoje, sobre aquilo que literalmente me apetece, sem preocupações de coerência. Falarei de política e de viagens, de situações e de livros, de filmes e de lugares. No fundo porei por escrito os assuntos em que for pensando, com a anarquia que caracteriza os meus pensamentos.
A partir de hoje, e com muito gosto, também para alguns amigos. Sejam bem vindos e espero que se divirtam.

12.12.03

Hoje

Acordei cedo e não estava mal disposto, para mim uma quase absoluta contradição. Abri as janelas e um sol brilhante adivinhava-se por detrás de uma neblina matinal. Vencido o frio do quarto despertei para um dia de trabalho que esperava não ser um arrastar penoso de minutos. Hoje tinha assuntos vários a tratar Alentejo adentro, e isso animava-me o espírito.
A calma estrada começou a ser vencida e o sol foi-se impondo ao branco nevoeiro. O pasto verde brilhava num tom quase ofensivo, as folhas baças dos sobreiros cediam o protagonismo ás silhuetas irregulares. Não gosto especialmente de guiar, mas estas estradas, nestes dias, são tapetes onde deambulamos vencidos pela beleza esmagadora da natureza.
O fim do dia chegou, no momento do regresso, com o brilhante sol a desaparecer. As cores sucediam-se por detrás dos troncos despidos ou dos esguios montados. Apetece parar o dia, o tempo, fixar estes momentos e usá-los, abusá-los. Dias destes reconciliam-nos connosco, com a beleza, com o mundo, até com o Homem que ainda não conseguiu destruir tudo. Ainda há dias e sítios assim. Felizmente.

9.12.03

Telemarketing

Sábado de manhã, telemóvel desligado. O sono seguia profundo e retemperador. No corredor o telefone toca, levando ao meu desesperado despertar. A noite anterior tinha seguido longa até quase de madrugada. Enrolo-me para o outro lado, não quero acordar, não me apetece levantar. Adormeço. Um pouco mais tarde volto à realidade com mais um toque, que se foi sucedendo uma e outra vez. Vou conseguindo adormecer, a espaços, numa persistência por descanso. Consigo um pouco de sono profundo, do qual acordo um pouco menos mal disposto. Após o banho o telefone volta a soar e atendo, tentando decifrar quem persistentemente me incomodava em dia de descanso. Do outro lado uma voz feminina sobrepondo-se a algum ruído de fundo fez-me pensar em telemarketing. Passo a uma voz mais antipática, após identificação da criatura, perguntando se já me tinha tentado ligar. A resposta afirmativa fez despoletar em mim uma fúria agressiva, afinal tinha sido esta a culpada pelo agravar de uma ressaca já de si infame e poderosa. Comecei, com voz ainda vagamente ameaçadora, a perguntar à senhora se achava normal incomodar as pessoas a um Sábado de manhã. A sua insolente resposta acabou com as minha reservas, passando a descompô-la - ainda que educadamente - com toda a minha revolta. No fim de uma firme reprimenda, a senhora, que de mim nada conhecia, rematou com uma pérola que me fez definitivamente despedir com um seco "Boa tarde" seguido do desligar do telefone. Disse com voz ainda mais insolente, malandra e enervantemente bem disposta "Ah! Peço desculpa, já percebi que o senhor aproveitou para passar a manhã no ninho com a sua esposa".
Será preciso mais para declarar guerra ao telemarketing.

Cultura

Nota avulsas acerca do Prós e Contras sobre cultura de ontem à noite.

1. Frente a frente o actual e o anterior Ministro da Cultura digladiam argumentos. Não são só duas correntes políticas que estão em causa, são duas formas diferentes de estar na política e na vida. O histriónico Carrilho, sempre tomado pela voracidade dos flashs e das câmaras; o sereno Roseta, sempre discreto e apagado.
Carrilho optou sempre pela demagogia, falando de metas estabelecidas (sobre o que Roseta lembrou a Casa da Música que devia ter estado pronta em 2001), lembrado com soberba tudo o que fez (ou diz que fez). Roseta respondeu objectivamente, sem se enlear em promessas, falando no que vai fazendo, no seu assumido "low profile".
Definitivamente em tudo são diferentes. Prefiro a seriedade de Roseta, não alinhando em festividades efémeras, falando do concreto, assumindo uma postura política absolutamente "fora de moda". Carrilho soa, quase sempre, a uma divagação aborrecida. Roseta não tem obra feita, mas deixemos que trabalhe e falemos daqui a uns anos, quero crer que o balanço será positivo.

2. Irrita-me ver o "Comendador" Berardo a surgir como mecenas florentino à escala portuguesa. Não discuto os méritos da colecção arquitectada por Francisco Capelo, pelo que conheço ela é de facto excelente. Simplesmente não tenho memória curta e recordo a minha dolorosa visita à Quinta da Bacalhoa por si adquirida. Esta Quinta, marca fulcral do Renascimento em Portugal, foi barbaramente assassinada por este senhor. Não o Palácio, mas os maravilhosos jardins. Nestes rebentou todo o extraordinário sistema hidráulico com uma enorme terraplanagem, deitou abaixo o pomar (imprescindível ao desenho do jardim) e uma grande quantidade de árvores centenárias (nomeadamente as que protegiam o palácio da Estrada Nacional). Não esqueço também o restauro de muros com cimento ou betão e os azulejos hispano-árabes que foram partidos sem clemência. O IPPAR assistiu impassível a este crime. O "Comendador" e "patrono das artes" foi devidamente avisado por especialistas do mal que estaria a fazer e continuou com a obra (antes fosse a ignorância a sua desculpa). Parece que a motivação estava ligada com a plantação de mais vinha e com a logística do casamento do seu filho.
Repito, não discuto o mérito das suas colecções, mas definitivamente não gosto da criatura e revolta-me o altar cultural em que o guardam. Cultura não é só o actual, o contemporâneo, é também o respeito pelo que nos foi legado pelos nossos antepassados.

3. No início fico espantado com um dos intervenientes, o que estará lá a fazer Zita Seabra? Há algum tempo que não aparecia e, confesso, quase não me lembrava da sua existência. Passado um pouco do debate compreendo a sua presença, perante a lucidez das suas intervenções, com as quais só consigo concordar. De todos os intervenientes destaca-se claramente, em particular no que diz respeito à fulcral ligação das políticas de Cultura e Educação.

4. O debate perdeu pela excessiva politização, pelo confronto entre este e o anterior governo, entre o fiz e o vou fazer, entre as visões da direita e da esquerda. Valeu mesmo assim a pena.

4.12.03

Camarate

Lembro-me como se fosse hoje, numa recordação de infância perene. Estávamos em redor da braseira, como habitualmente nas frias noites de província. A emissão foi interrompida, um jornalista com ar grave anunciava que se tinha despenhado em Camarate o avião que transportava o Primeiro-Ministro Sá Carneiro, o Ministro Adelino Amaro da Costa e Patrício Gouveia. Na sala um silêncio sepulcral, os meus pais e as minhas irmãs entreolharam-se. A incredulidade deu lugar a algumas lágrimas de revolta. Ninguém queria acreditar que estes homens, em especial Sá Carneiro, tivessem morrido. Sentimos a sua morte como a de um parente de quem gostamos.
A esperança de um Portugal democrático e pacificado estava a solidificar-se com a crença neste homem. Meses antes, lembrava-me da praça da minha cidade completamente cheia para um comício da AD, acompanhado por uma audiência quase histérica. Como mais novo, acompanhava os meus irmãos nestes momentos, enchiam-me de autocolantes e eu empunhava feliz bandeiras ao som de palavras de ordem. Até hoje sobreviveram as bandeiras, o single com o hino, até alguns autocolantes. Foram tempos de esperança, de política vivida com convicção, sem votar em males menores, com intervenção real das pessoas.
Era então uma criança, mas a importância desses tempos, dessas pessoas, demostra-se ao lembrar-me ainda hoje, como se de ontem se tratasse, do dia em que caiu em Camarate esse avião, e com ele a esperança de muitos portugueses.

Arrendamento nas cidades

A propósito de uma excelente posta do Impensável, acerca do crédito mal parado para a habitação, cito:
"A política do arrendamento originou outras consequências catastróficas: os centros antigos das cidades não foram renovados e encontram-se em estado de ruína e despovoados: perderam-se memórias e modos de viver e um precioso património - já que não há dinheiro para a restauração dos imóveis."

A situação actual é profundamente hipócrita. O Estado, com medo da contestação e perda de votos, adia há anos a actualização das rendas. Hoje em dia, século XXI, há casas com rendas de 25€ (sim mensais, não é diários) em pleno centro das cidades. Alguém me convence que isto dá para mais do que para comprar o livro de recibos? Quando as obras são necessárias quem as paga, o senhorio ou o inquilino? O inquilino refugia-se na sua própria miséria, tendo por vezes a distinta lata de exigir obras. O senhorio obviamente recusa, já que ao fazê-lo entra na fase em que paga para ter um inquilino.
Em quase todos os países da Europa os jovens arrendam casas. Antes de casar, quando resolvem viver sozinhos, ou depois, numa primeira casa quando ainda não sabem o que a vida vai ser. Não compram directamente como em Portugal, por certo com uma taxa de casas próprias elevadíssima. Mas é compreensível, a mensalidade de um arrendamento é sensivelmente igual à prestação de um empréstimo. Assim, quem não prefere comprar em vez de alugar (claro que isto remete para a muito portuguesa forma de encarar a propriedade, mas isso fica para outra posta).
No nosso país o instrumento chave para reabilitar os centros urbanos é uma lei do arrendamento realmente eficaz. Que de uma vez por todas termine com a obrigatoriedade dos proprietários serem "Santas Casas da Misericórdia" dos seus inquilinos, mantendo, por vezes com prejuízo, as casas com rendas ridiculamente baixas. Como consequência lógica os edifícios degradam-se e os centros urbanos estão moribundos.
Sem isto não há decretos ou vontades que recuperem as cidades. A partir daqui sim, pode-se pensar em técnicas para atrair novos habitantes e para dinamizar os centros. Como se pode chamar, realmente e em número considerável, gente para os centros, sem que haja habitação condigna, segurança, comércio, em suma, movimento e vida? Ninguém quer ir para sítios mortos, não tranquilos ou sossegados, mas definitivamente mortos. Para aqui caminham os nossos centros, em particular o da nossa capital, espelho do país.

3.12.03

1º de Dezembro

A abaixo citada gripe impediu que conseguisse fazer uma posta neste dia, que atrasada aqui vai.
Aos mais incautos o primeiro dia do último mês parece ser feriado por motivos de doença (não, não estou a voltar à posta anterior). O mundo tinha que dedicar este dia à enorme catástrofe que é a SIDA. A minha - já citada noutras postas - aversão aos "dias de..." agrava-se mais uma vez. (reconheço no entanto que este dia se justifica perante a dimensão desta calamitosa doença) Este dia é feriado em Portugal, e é o por motivos bem importantes.
Portugal é Portugal, um País, Livre (mais ou menos) e Independente (de forma "europeiamente" relativa) e não mais uma região dos reinos de Espanha. Para muitos isto pode nada querer dizer, para mim é importante. Há quem queira uma união ibérica, começando por vibrar com o casamento do príncipe com a jornalista e acabando em loas ao Rei (deles). Há quem queira uma Europa diluída de nações, em que cada uma conte um pouco tão pouco que é nada. Há quem se diga patriota sem resquícios de nacionalismos de pacotilha, e tenha orgulho em Portugal e nos portugueses, particularmente nos que deram de si para que sejamos hoje um País Livre e Independente.
Um país tem por base a história, a sua história, e é sobre ela que se constitui. Não tenho dúvidas que muitas dos problemas dos EUA são a sua falta de história, é por ela que a sociedade americana têm as características que tem. A esquerda moderna têm uma propensão, quase uma base de raciocínio, para limpar a história, para a seleccionar com bases ideológicas, em suma para a manipular. Para a esquerda a história é algo a esquecer, e quem a lembrar é, certamente, um perigoso nacionalista e, como tal, fascista. Por isso é politicamente correcto hoje em dia esquecer a história, as suas datas e os feitos antigos. Merda, é o que eu digo sobre isto.
Sou patriota, tenho curiosidade por conhecer a minha história, vontade de a lembrar e orgulho por ela. Posso reconhecer "pecados", fases em que estivemos mal, mas é com indisfarçado orgulho que recordo esses conjurados que no Palácio Almada se reuniram para que Portugal fosse de novo independente. Aos espanhóis Espanha, e mantenhamos com orgulho Portugal para Nós.

Gripe

A cabeça vazia, como se um aspirador nos tivesse extraído as entranhas. Os ouvidos quase surdos, o som filtrado por forma estranha. O nariz aberto como uma torneira. A tosse esporádica mas avassaladora, com os pulmões tentando saltar, sustidos sem saber como. A febre, nem alta nem baixa, antes pelo contrário. A gripe, ou, na linguagem mais na moda, a virose.
Assim estou desde há dois ou três dias, resumido ás vantagens e desvantagens de casa. A um computador que não me apetece ligar, talvez pelo trabalho que dá sair da sala de estar, talvez pela excessiva informação que dele sairía. Os livros amontoados na mesa de cabeceira, uns a meio outros virgens, que a vontade é ter vontade de os arremessar pela janela - não fosse o enorme esforço de me ter de arrastar até ela, mantendo energias para os conseguir atirar. As revistas, vistas e revistas, especialmente nos seus artigos menos interessantes e estimulantes, numa tentativa de baixar o exercício cerebral ao mínimo possível.
A televisão surge como a solução final, a melhor companhia, não fosse o "zaping" um exercício fundamental mas perfeitamente inútil. Termino quase sempre a ver tele-vendas ou equivalentes do tipo programas da TVI. O vídeo seria a solução milagrosa - sim, ainda não aderi ao DVD e a minha televisão é mais pequena que o monitor do computador - não tivesse o meu, por certo por solidariedade, avariado a função de "rewind". Restam-me assim as cassetes que previamente tenha rebobinado, o que no meu caso são poucas, desgraçadamente poucas. Safam-se algumas, revejo assim "A Desaparecida" e "Notorious" do grande Hitchcock.
Apesar de todas as tentativas a agonia mantêm-se, não é esta afinal a maior característica da gripe, fazer com que nos sintamos tão indefinivelmente mal.