18.12.03

Campo de Trigo com Corvos

Por insondáveis motivos lembrei-me hoje de um dos quadros da minha vida. Recuei alguns anos até uma alegre viagem por terras holandesas. Por entre os passeios em Amsterdão detive-me, com os amigos que me acompanhavam, no Museu Van Gogh. Este era já um dos meus pintores preferidos, e tinha grandes expectativas de ver o museu a ele dedicado.
O espanto perante as cores reais e irreprodutíveis foi enorme. Já tinha noção da diferença entre um quadro in vivo e uma reprodução, mas nunca como com Van Gogh essa diferença era tão gritante.
A visita foi longa e intensa, mas o chef d’ouevre estava reservado para o fim, este extraordinário "Campo de Trigo com Corvos". Um céu azul, intenso, com revoltas nuvens num aparente prenúncio de tempestade, esmaga e detêm o olhar. Por debaixo, entre barrentos caminhos sulcados por carroças, um longo campo de trigo. Ou antes um quase mar amarelo, ondulado ao ritmo de uma brisa intensa, num movimento suave mas firme, agitando a terra e testando as raízes. Neste cenário forte, carregado, um grande bando de corvos plana. Talvez fugindo de uma tempestade, talvez picando sobre a terra em busca de alimento, qual gaivotas mergulhando no mar. Aqui, um tema aparentemente bucólico transforma-se em muito mais, uma simples paisagem desperta um turbilhão de sentimentos. A grande pintura é assim, um indizível desencadear de sensações, tantas vezes sem motivos concretos.
As cores e o movimento conseguem um efeito hipnótico e lembro-me de ter de ser insistentemente chamado para largar o quadro e ir embora. Este era o último quadro da exposição, este é, segundo alguns, o último quadro de Van Gogh. Talvez seja uma coincidência, mas por entre os vários quadros deste pintor que adoro, este é, até agora, aquele que mais gostei.

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