28.2.05

Clint

Ontem o grande vencedor dos Óscares foi Clint Eastwood por “Million Dollar Baby”. Ontem o canal Hollywood fez o favor de passar “Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal”. Obrigado Clint.
Não gosto de boxe, torna-se-me mesmo difícil de perceber como se pode gostar deste desporto. Talvez por isso tenha ido com a minha profunda fé Eastwoodiana um pouco abalada ver “Million Dollar Baby”. Claro que deveria saber que a fé, quando existe, devia ser quase inabalável. O filme é um prodígio e, quanto ao Clint, acho que se devia aprovar a clonagem para perpetuar o seu talento. O argumento levava a prever um lacrimal espectáculo indicado para donas de casa urbanas, de vidas frustradas, poderem carpir a sua vida ao longo do filme. Claro que isto se passaria caso fosse entregue a outro realizador, nas mãos de Eastwood transforma-se em pura magia. Para além de muito mais méritos que se lhe podem apontar, há um que o distingue: a capacidade de fazer um filme inteiro na corda bamba do emocional e do lacrimal, sem que nunca caia para o lado lamechas; basta lembrar “Um Mundo Perfeito” e “As Pontes de Madison County”.
Ao rever “Meia-noite no Jardim do Bem e do Mal” lembrei-me de que este filme, ao contrário do que ontem triunfou, conseguiu dividir opiniões que oscilaram entre o excelente e o chatíssimo. Confesso que o acho magnífico, uma subtil crítica social ás pequenas cidades onde tudo pode o que pode acontecer, de facto acontece, mesmo que não se saiba. Aqui Clint não moralizou e deixou um ambíguo final onde pensamos se o mal triunfou, ou se realmente era mal, ou se estávamos na meia-noite que separa o mal do bem.

Óscares

Sobre Eastwood não será preciso dizer mais nada, quanto a Scorsese é pena que ainda não tenha sido desta, mas com esta concorrência…
Para o melhor actor a vitória foi óbvia, digo isto sem ter visto o filme, mas para saber quem ganhava não era preciso, a Academia é muito previsível nestas coisas.
Pena que o argumento de “Before Sunset” não tenha ganho, sempre era uma menção honrosa para esse filme maravilhoso.

Diálogos Imaginários

- Charles, por favor ponha manteiga e mel nos croissants.
- Com certeza menino, e faço sumo de tangerina ou fica só pelo chá.

Coisas da Vida Boa

Um sofá confortável, muitos jornais, comando de televisão. É Domingo e o telefone não toca.

24.2.05

Presente

Nas notícias só se fala em futuros, sejam governos ou líderes de partidos. O presente é por vezes mais agradável, ao som de Rosa Passos e com um bule de chá indiano à frente. A chuva parece querer aparecer, ainda que por tímidos e escassos borrifos. As ruas estão calmas, sem altifalantes partidários e com as gentes de volta aos habituais passos resignados. A vida torna-se mais suportável sem os incómodos que nos maçavam desde há algum tempo.

21.2.05

Fim-de-semana em curtas

A deslocação “à terra” foi brindada por um sol radioso. Os jantares de família e as discussões pré-eleitorais aqueceram o gelo. As conversas prolongaram-se noite dentro por entre a quietude provinciana.

Ontem falou-se muito de emigração. Sugestões de uma ilha comprada colectivamente no Brasil ou uma proposta de sociedade para abrir uma livraria de viagens em Bath ou Brighton. Claro que tudo se manterá, pelo menos por agora, como uma vaga miragem a que falta a necessária dinâmica para concretizar.

Portugal foi embalado no vácuo. Lentamente abriremos a embalagem e então vamos perceber o que nos espera. Começou ontem no discurso de vitória, se continuar assim prevejo o pior.

A vitória do PS foi retumbante, incontestável, arrasadora. As comemorações modorrentas e tristes. Em Lisboa costa que umas centenas passaram no Rato, na minha terra duas fugazes buzinas interromperam o silêncio da noite. Lembro que há uns anos – nas vitórias de Cavaco – as ruas foram entupidas por aglomerações de milhares de pessoas e caravanas intermináveis.

A noite passada foi intranquila devido a uma crise de asia, fica por perceber se devido aos resultados das eleições ou ao whisky com Castelo, ou talvez a ambos.

17.2.05

Eleições

Pode parecer um insulto a alguns que leiam este texto, mas não consigo compreender que alguém inteligente, minimamente informado e não filiado, possa votar nos dois maiores partidos. Todos nos queixamos do desgoverno do país de há muitos anos para cá, todos nos insurgimos pela abundância de clientelas políticas e boys, todos nos queixamos da falta de ideias desta campanha – especialmente de dois partidos –, todos nos queixamos da falta de qualidade dos políticos, em especial dos possíveis primeiros-ministros. A quem se deve tudo isto?
Ainda assim há quem pense votar neles, com tudo isto ainda há quem fale em votos úteis, com tudo isto ainda há quem deixe de lado o voto convicto, com tudo isto eles continuam, e continuarão a ser, os donos e senhores do poder em Portugal.
Não conheço ninguém – fora dos partidos – capaz de ver quaisquer superiores qualidades em Sócrates ou Santana, no entanto sei que muitos votarão neles. No final, em frente ás urnas, insistem em dar o voto a quem, pelo menos eu assim acho, não o merece.
O voto em branco é sempre uma opção, por aqui muito apreciada. O protesto é dobrado em papel e expresso contra todos. Votar em branco é dizer que ninguém nos convenceu, que ninguém merece o nosso voto, mas que nos damos ao trabalho de nos deslocar para votar e mostrar o nosso desagrado. Agrada-me. Fora esta opção, tenho para mim que o voto inteligente e óbvio de alguém das direitas teria de passar pelo CDS. Nas esquerdas as opções até são mais vastas, desde a demagogia radical do BE ao comunismo humano do PCP de Jerónimo de Sousa, passando pelo sempre pertinente PCTP/MRPP de Garcia Pereira. Opções até não faltam, não fora a obsessão de todos quererem votar num primeiro-ministro não se contentando com um voto convicto para um parlamento, que, no fundo, é o que de facto estamos a eleger.

Breves de campanha (2)

O cenário do debate de terça-feira parecia saído de um talk-show dos anos oitenta, era tão mau que nem numa perspectiva kitch se aproveitava. Com um ambiente destes como é que querem que os políticos se inspirem.

Sócrates resumiu tudo sobre a sua candidatura a primeiro-ministro quando no debate disse (referindo-se à reforma da Segurança Social): “Mas nós não propomos nada, nós não propomos nada. Apenas propomos que se estude…”

Insisto que, à medida que a campanha avança, aumenta a minha simpatia por Jerónimo de Sousa. Acabemos depressa com este disparate.

Momento delicioso quando Paulo Portas apresentou no debate o esquema com bonequinhos sobre o sistema de saúde. Talvez este seja o caminho, apresentar as ideias políticas na forma de livros infantis, pelo menos seria menos enfadonho e mais esclarecedor.

Carmelinda Pereira ainda existe, assim como o POUS. Fantástico.

Inverno

A mulher-a-dias continua de gripe e o Charles é ainda uma figura imaginária. As eleições são no Domingo e continua a não chover. Talvez um disco do Caetano amanse a neura.

15.2.05

Este Inverno

A minha doença foi uma angústia que um pico na garganta ainda me traz à memória. Sonhei com o meu butler – que entretanto denominei de Charles – a trazer os remédios em bandeja de prata, enquanto S. Pedro, solidário com a minha presença em casa, enchia as ruas de uma chuva desalmada. Nada feito, nem o Charles nem a chuva que tanta falta faz.
Voltava eu à banalidade da minha vida, quando mais um desastre me sobressaltou a existência: a minha mulher-a-dias está de gripe. Não bastava eu, não bastavam alguns amigos, até a pobre da senhora tinha de cair de cama. Controlo os instintos mais egoístas e insensíveis e desejo sinceramente as melhoras. Claro que por dentro estou tão abalado como uma vara de vime: a pilha de roupa acumulada, o pó por limpar, a casa de pantanas. Como diria o desgraçado, e irritante, Calimero: E´ un´ingiustizia però!

14.2.05

Fumadores

A lei sobre os fumadores foi aprovada. Felizmente não foi tão longe quanto os fascistas o desejavam. Ainda assim há agora uma nova maneira de marcar restaurante: atendem e perguntamos “Desculpe o restaurante é para fumadores?” se a resposta for afirmativa podemos então fazer a clássica pergunta “É possível marcar mesa para hoje?”, no caso de nos ser dada uma nega podemos sempre dizer “Temos pena e passe uma muito boa tarde.” Resumindo, não bastavam os impostos sobre o tabaco como agora temos de gastar mais dinheiro com o telefone. Enfim, uma maçada.

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La Granja de San Ildefonso, Segovia, 2002

10.2.05

Breves de campanha

A doença deixou-me calmo mas um pouco mais ácido – deve ser dos Nimed. Olho a campanha com uma sobranceria tal, que penso estar a ver um episódio da Rua Sésamo com o Santana a fazer de Bocas.
Desparazite-se o país. Comecemos pelos vírus da gripe e terminemos nos SS (Sócrates e Santana). Por uma questão de saúde pública.

As certezas na vida são poucas, mas eu agora tenho uma, absoluta. Vamos ter um mau primeiro-ministro a partir de 20 de Fevereiro. Por outras palavras: vamos ficar entregues (uma vez mais) à bicharada.

Votem meus amigos, votem. Agora não se enganem, as iniciais PS são de Puro Sacrilégio (mesmo que seguidas por outras letras).

A brigada SS vai-nos governar. Socorro.

A desgraça é tal que dou por mim a olhar com candura para Jerónimo de Sousa. Durasse a campanha muito mais tempo e auto interditava-me para não correr o risco de votar nele.

Agradecimentos

Na guerra viral uma batalha foi ganha, mas restam ainda alguns bichinhos que teimam em me deixar algum mal-estar. A agonia abrandou, um pouco, e ainda sonho com o meu mordomo inglês. O MacGuffin lembra simpaticamente Remains of the day e o espantoso mordomo interpretado por Antony Hopkins. Servia bem, muito bem mesmo. Eficaz e imperturbável. Competente e discreto. Coisas impossíveis num mordomo português.

O Impensável lembra Álvaro de Campos e deixa um seu poema para a Charlotte (as melhoras de quem passou – e acho que ainda está a passar – o mesmo) e para mim. Não é que alivie muito mas sempre ajuda. Hoje lembra o casamento do príncipe Carlos numa perspectiva que me agrada. Até consinto que não tenha sido um marido muito exemplar, mas transparece uma simpatia inegável. Gosto do seu ar vagamente aéreo, do que são as suas preocupações e do seu aparente alheamento. No mundo chato e taciturno de hoje é bom haver que não se leve demasiadamente a sério, especialmente quando teria todos os motivos para o fazer.

Humores

A doença faz de nós rabugentos, críticos implacáveis ao que não sejam remédios e mezinhas. Não me parece mal. Os outros talvez não pensem o mesmo, mas até gosto de estar indignado com o mundo em geral. Faz-me sentir lúcido e vivo.

6.2.05

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Os últimos dias foram passados numa cápsula, numa estufa viral quase desligada do mundo. Os micróbios acharam-me bom e alojaram-se na minha garganta. A febre não via motivos para diminuir e lá se foi mantendo, só amansada por comprimidos regulares. Procurei manter o corpo activo – recusando a cama – em extenuantes mudanças de sofá ou arrastamentos à cozinha ou ao computador. Uma estafadeira que podia ser poupada, caso já me fosse possível concretizar um sonho: manter um discreto e eficiente mordomo inglês.

3.2.05

Anginas

Afinal não era gripe, eram anginas. Que sorte a minha, para além da febre e sonolência pareço ter duas bolas de ténis na garganta que arranham a qualquer passagem. A posologia até se manteve, acrescida de um indispensável antibiótico que espero me ressuscite para os inteiramente vivos a tempo do fim-de-semana. Com tudo isto até serei compelido a ver atentamente o debate Santana – Sócrates. Enfim, uma desgraça nunca vem só.

1.2.05

Gripe

Um bule de Orange Pekoe da Gorreana, cada chávena acompanhada por uma colher de chá de mel serrano de Urze. Torradinhas com manteiga e mel. Nimed em barda. Um sofá e uma manta, um DVD em “continuous play” de bons filmes. Daqui a bocado um sumo de tangerina acabado de espremer. Excelente maneira de passar a tarde, não fora a p… da gripe.