23.12.08

Horas de Natal – 22.00h

Gilles Peress, 2003, “Christmas in New York” – Magnum Photos

A gritaria era imensa, entre discussões de adultos e guinchos de crianças menos civilizadas. Olhou, tentando perceber como se estavam a portar os seus. Fazia o possível para que não contribuíssem para o caos reinante, quanto menos crianças descontroladas, menos insuportável se tornava o ambiente. Sabia ser o último ano que passaria nesta calorosa confusão que era a família da Ana, hoje também a sua segunda família. Pensou nos pais e na irmã, por certo em redor da braseira da sua casa mãe na província. Para o ano estaria por lá, regressaria ao consolo único da família real, da que o conhece e reconhece tal qual é, o seu apoio perene ao longo da vida. Como seria com as crianças, como explicar-lhes que iam ter um Natal amputado de um dos pais, ou que se teriam de dividir pelos dois?
Reparou que estava recolhido a um canto e que os cunhados o olhavam com alguma estranheza. Resolveu juntar-se à confusão, afinal tinha combinado com a Ana que este Natal seria de normalidade e que não estragariam o espírito natalício a ninguém. As discussões ficaram com eles, as agressões verbais que não tinham querido fazer foram esquecidas por momentos em respeito aos outros. No início do ano oficializariam tudo com calma, sem sobressaltos, com o cuidado possível para que os filhos não sofressem, os mesmos filhos que os vinham levando a arrastar uma fachada oca há alguns anos. Esperava que os compreendessem, que aceitassem que lhes era impossível continuar a viver juntos, que seriam todos mais felizes assim. Claro que não perceberiam, por isso a tristeza foi atirada para depois do Natal, pelo menos que até ao fim do ano ainda acreditassem que o seu Pai Natal era ainda um casal e não duas pessoas incapazes de se encararem com verdade.

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