26.11.03

Mystic River

Fim de tarde sem nada para fazer. Rumo resolutamente ao cinema para ver o último Clint Eastwood. Espero muito, espero mesmo o melhor deste filme, tal como de qualquer outro realizado por um dos melhores realizadores de cinema da actualidade. Numa pausa em que tento encontrar os melhores filmes estreados nos últimos anos, aparecem seguramente alguns de Eastwood.
Saio esmagado, sem ponta ou reminiscência de desilusão. Saio, com a certeza de ter visto um dos melhores filmes do ano, dos últimos anos. Poderoso e belo.
No meio disto o filme, o esmagador relato da história de três amigos de infância e do seu reencontro anos depois em circunstâncias trágicas, como trágico foi o seu último encontro enquanto Amigos de infância. Nesse dia em que Dave morreu e apenas voltou como um vampiro, vagueando pela vida sem sentido. Tim Robbins é absurdamente arrepiante nesta composição. As suas palavras são lâminas que nos ferem ao longo de todo filme. Lâminas com que apetece ferir quem no Portugal de hoje ainda relativiza o escândalo Casa Pia, desvalorizando os depoimentos dos "vampiros" hoje transformados em delinquentes. De visionamento obrigatório a quem queira falar deste escândalo que, nem por coincidência, "comemora" um ano de primeiras páginas nos jornais. A cena em que Dave confessa parte do passado à mulher é de perfeita antologia, com o fundo negro e a sua cara parcialmente iluminada, disparando feridas e assumindo fragilidades.
Sean Penn é Jimmy, um dos três amigos cuja amizade não voltou a ser a mesma desde o dia em que o carro se afastou e apenas se vislumbrava a silhueta da cabeça de Dave olhando para trás amedrontado. Tornou-se um criminoso, e apenas deixou essa vida por amor à sua filha, que vem a morrer brutalmente no assassínio que serve de motor a este filme. Sean Penn é devastador na sua raiva contida, no seu retrato de um homem à beira de um abismo, sempre controlando, ou tentando controlar, a realidade.
Sean é o terceiro amigo, o polícia que se vê a braços com a investigação do crime, numa altura em que a mulher o deixou, levando consigo a filha. Vive como os outros no fio da navalha, numa apenas aparente normalidade, recordando amargamente o passado. Kevin Bacon consegue aqui um sólido desempenho, talvez o seu melhor.
O filme é muito mais do que os três amigos, são outras personagens igualmente fortes num absoluto festival de interpretação. Um argumento soberbo, uma fotografia de uma beleza sóbria e uma montagem magnífica, alternando com saber os longos planos com passagens narrativas perfeitas, uma realização sensível mas com a precisão de um relógio suiço. Um ensaio sobre a natureza humana, sobre indivíduos e o lado sombrio de cada um, sobre o peso do passado. Um desenho sombrio do mundo de hoje, desapaixonado e cruel, relatado com uma beleza dura e intensa.

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