25.9.09

A múmia

As declarações são sempre dúbias, para supostamente ler nas entrelinhas da densidade. As aparições distantes e esfíngicas. Cavaco criou uma aura de suposto Deus grego que do Olimpo contempla o povo. As duas maiorias absolutas a isto levaram. O seu partido, pelo qual foi dez anos primeiro-ministro de Portugal, sempre foi tratado como uma companhia desagradável com que tinha de conviver. O egocentrismo sempre regeu a sua postura política, os seus interesses acima dos do partido, os seus interesses acima dos do país, os seus timmings como algo sagrado a pairar sobre tudo. Por isso sacrificou Fernando Nogueira e o levou a perder umas eleições. Por isso toda a sua inacreditável postura no caso das escutas que muito contribuiu para influenciar o resultado destas eleições. À volta anda tudo muito cauteloso em dizer o óbvio, que Cavaco mostrou uma total falta de postura de Estado ao deixar arrastar o caso das escutas sem uma declaração clara e definitiva.
A muitos poderá surpreender, enleados no nevoeiro que emana de Belém, no denso nevoeiro que esconde o vazio, a falta de coragem e de decisão. Talvez o vento leve este nevoeiro e, no final, se descubra a face ocultada de Cavaco, a face escondida por entre as ligaduras que envolvem a múmia, que insiste em não falar e em enviar enigmas crípticos que mais não são, afinal, que a ausência de algo para dizer ou falta coragem para dizer o que deve.

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