11.8.04

Crónicas da Figueira V

Ano após ano na mesma esquina. Mais que uma escultura de ferro ou bronze esta senhora faz parte do picadeiro, ela e a sua banca ambulante, de madeira, à antiga. Sempre a visitei. Em criança para um pirolito, daqueles de caramelo sem corantes nem conservantes, com a cor e o aspecto do caramelo - tal como ele é -, enrolado em papel pardo. Mais tarde fui virando progressivamente para as pevides, os tremoços ou os amendoins. Ao fim da tarde com imperiais, a meio da noite também com imperiais. Um dia surgiram os exóticos pistachios, hoje banais, no seu verde absinto que se estranha antes de entranhar. Foi novidade, foi notícia. Também o foram os amendoins descascados - salgados ou picantes -, as pastilhas Gorila ou Pirata, os recentes Chupa-Chups.
E ela continua, sempre a cumprimentar educadamente, sejam três da tarde ou quatro da manhã em fins-de-semana. Há mais vendedores das mesmas tentações junto a ela, mas aquela esquina é a minha, como em todos os hábitos duradouros que não se tornam vício. Nunca soube o seu nome, prefiro mesmo não saber, mas continuarei no entanto a passar e a comprar, a vê-la encher a medida e completar o saco com mais alguns a vulso. A reconhecer-me quando o mês começa, sem saber o meu nome, ano após ano.

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