5.4.05

A Noiva

Uma noiva anda pela noite, com um ar vagamente alucinado, ao longo de uma linha de caminho de ferro, o vestido branco é longo e arrasta no chão. Outras personagens, outras cenas. A noiva prossegue o seu caminho, agora vislumbra-se a 24 de Julho em plano de fundo e ela continua no seu passo irregular e cambaleante. Outras personagens, outras cenas. A noiva chega a um edifício – que se percebe ser a estação do Cais do Sodré – e tenta forçar a porta que está fechada, não o conseguindo adormece encostada a um canto. Outras personagens, outras cenas. A madrugada surge e alguém, provavelmente o primeiro passageiro, deixa uma moeda sobre o vestido branco; a noiva acorda e com a moeda paga o bilhete para o cacilheiro; já lá dentro olha o Tejo com olhos vazios.
Podia ser um filme independente, assente na metáfora bíblica do casamento, na fuga ás convenções e aos compromissos. Era apenas um episódio da nova telenovela da TVI. A qualidade está à vista.
Tenho a mania de passar a vista pelos primeiros episódios das telenovelas, fico a par da história e posso assim, em dias de alienação televisiva, ver alguns bocados. O mesmo se passou com esta – “Ninguém como tu” – da qual já sei o que é necessário: há uma família rica que ficou pobre devido a um desfalque na empresa; há a irmã pobre que convenceu a sobrinha a não casar por dinheiro; a irmã rica é má e rancorosa – apesar de bonita, pois é a Alexandra Lencastre; há ainda uma outra irmã. O resto vai andar à volta disto, ou seja, o costume. Não tenciono seguir, mas espero ter o gosto de apanhar mais cenas como a desta noiva, fugida de fresco de um casamento de conveniência, à deriva pelas ruas de Lisboa. Há realmente coisas que vale a pena ver de tão más que são.