17.8.05

Crónicas da Figueira VI

A tranquilidade quase bucólica deste lugar vem sendo barbaramente quebrada. As modernices. As inenarráveis modernices. Há sempre queixas acerca da imutabilidade, mas também o "novo" não tem de irromper como um vulcão.
Por aqui, após anos de lenta - porém agradável - decadência, a modernidade foi aparecendo com a subtileza de um elefante. Aulas de aéróbica na praia, junto à marginal, com música adequada em volume tão discreto que nos hotéis limítrofes se tem de adequar os horários próprios ás horas das mesmas. Concertos em palcos que entopem esquinas nas ruas e obrigam a sorver os cafés nas esplanadas com rapidez para fugir a tempo de evitar a surdez. O "Mundialito" de Futebol de Praia - que nos últimos anos trouxe o inferno a esta praia - rumou, por graças divinas, até ao Algarve, onde espero continue a massacrar inclementemente os veraneantes. No meio de tudo isto, os músicos de rua tornam-se agradáveis presenças pois apenas trazem consigo um pequeno amplificador que acaba a soar a suave flauta perante o resto.
Enfim, tudo estava já mau até surgir o horror, o inferno que até a Dante surpreenderia e que chegou com o último fim de semana. O palco montou-se junto ao Forte de Santa Catarina que - coitado - habituado a bárbaras tempestades de outros tempos, nunca imaginou o que o esperava. Do Brasil lembramos Vinicius, praia, João ou Caetano e preferimos esquecer os forrós, os pseudo-sambas, os sons comerciais que ouvimos em feiras e discotecas de província. Tentem imaginar o drama de um palco a debitar - em contínuo, dia e noite - samba (mau) e forró, com uma intensidade sonora que fez temer pelas paredes de pedra do Forte e que terá, possivelmente, de levar a uma intervenção do IPPAR sobre as mesmas. Mais ainda, complementado - não fosse alguém esquecer o "espectáculo" - por camiões cobertos por colunas e gente a dançar que quase me causaram uma indigestão de uma sapateira que tentava comer numa esplanada.
A visão é de um inferno, de que alguém terá alucinado e prostituído uma cidade em nome de alguns cobres. Na praia, só dentro de água, de preferência em mergulhos longos, conseguíamos por vagos momentos escapar ao ruído.
Nos dias de hoje há quem imagine que o som, a música, são bons por si só. Cada vez mais penso que o silêncio vale a pena e aprecio-o agora, quando o sol se põe e olho para o fim de semana que passou. Algumas crianças brincam civilizadamente e o sol vai caíndo. A paz voltou a esta terra que agora será terreno mais calmo, talvez mais deprimente pela saída de algumas pessoas, mas calmo.