23.9.04

PS - A escolha

O novo Secretário-Geral do PS será conhecido brevemente. Não simpatizando com o partido – aliás nem com este nem com nenhum existente – a decisão poderia ser indiferente, no entanto não é. Pela sua dimensão esta escolha afectará a todos, quanto mais não seja pela assídua e massacrante presença de quem for eleito nas nossas televisões.
Escolher Sócrates é escolher a gelatina política, o absoluto vazio de ideias disfarçado por citações abundantes (inesquecível a entrevista à Revista do Expresso). A onda de Sócrates é a abominável onda do politicamente correcto, em que a política não é um debate de ideias e da maneira de as por em prática, mas sim a pretensamente subtil arte de chegar ao poder a qualquer preço. A grande vantagem de Sócrates é que ao nível do país poderia funcionar como um placebo, tal como Guterres, fingindo governar e no entanto não fazendo nada. Claro que os placebos também são perigosos pois induzem a ideia de uma cura que não chega, isto enquanto a doença se vai agravando.
Escolher Alegre poderia ser uma forma de elogiar a qualidade – quase sempre boa – da sua poesia, mas aqui está em causa a política e não um prémio literário. Politicamente Alegre é mais perigoso, a sua obsessão pelos denominados “valores de Abril” deixam-me com arrepios a subir pela espinha. Tentamos há trinta anos normalizar a nossa democracia e limpá-la de traumas e recalcamentos, Alegre representa o oposto, representa essa geração de indiscutível valor na queda da ditadura, mas que não consegue passar disso. Com Alegre teríamos um debate político muito mais interessante, e a esse nível é indiscutivelmente o melhor, o problema seria passar isso à prática. O cenário de um governo de Alegre e dos seus “compagnons de route” em coligação com esquerda de Carvalhas e Louçã deixa qualquer pessoa prudente em estado de catalepsia. O país a recuar até 1976 com delírios de nacionalizações, as acusações de fascismo a todos os que não sejam de esquerda, as perseguições em nome de uma pretensa liberdade. Se Sócrates é um placebo, Alegre será uma droga estimulante mas de feitos potencialmente devastadores.
Escolher Soares é uma incógnita, a dúvida permanece ao olhar para um político indiscutivelmente corajoso mas agarrado a valores por vezes caducos. João Soares não é da geração de Alegre, mas herdou do pai todos os tais “valores de Abril”, os mesmos que lhe permitem insultar adversários políticos (lembram-se de Santana nas autárquicas) e qualificá-los pelo seu grau de intervenção na revolução. Em Lisboa não resultou e, apesar de até nem ter feito mau lugar, perdeu talvez “pour cause” da sua arrogância da obra feita e das marchas em fim de campanha com o “pessoal” revolucionário verberando um fascismo que já ninguém encontra a não ser eles. Soares é aquele remédio misterioso, até nem é absolutamente mau, mas o seu fenómeno de adição não está bem estudado e pode levar-nos ao inferno. A sua coligação em Lisboa abriu ideias de Ana Drago como Ministra da Saúde ou Ilda Figueiredo nos Negócios Estrangeiros, facto que deixa os sensatos num sobreaviso aterrorizado.
Afinal eu nada tenho a ver com isso, eles que escolham que depois cá estaremos para ver, e comentar.

Sem comentários: