A perna de pato de ontem não me correu muito bem. Dias há em que a bancada da cozinha se assemelha a uma página em branco onde não sabemos o que escrever e muito menos como. Cozinhar sem receita é como escrever sem plagiar, necessita treino e inspiração. Às vezes a coisa não corre bem quando hesitamos perante a pimenta e as ervas ou em que o zimbro não parece cair bem com a paprika. O mesmo se passa quando sabemos que queremos escrever, mas olhamos desolados para o branco opressivo e apenas banalidades nos passam pela cabeça. Estava comestível, até nem estava nada mal, mas ficou longe do que poderia, e deveria, ter sido. Foi assim como um post aceitável, até bem escrito, mas que passados dez minutos ninguém se lembra.
30.11.07
Verdade reposta
Retiro o que disse no post anterior, com humildade reconheço que ontem foi uma data histórica: a senhora Pires de Lima foi por um dia (de facto) Ministra da Cultura e arranjou, não me interessa como, dinheiro para comprar o Tiepolo. Deo gratias.
29.11.07
Luto Profundo
A Madredeus acabou. Termina assim o grupo mais importante da música portuguesa, que ao longo de vinte anos manteve uma superior qualidade musical e um espantoso êxito por esse mundo fora. O Madredeus reinventou uma portugalidade que se encontrava dispersa pelo folclore e pelo fado, agarrada a uma estrutura musical muito consolidada. Reinventaram sons e criaram uma sonoridade inconfundível, cuja melhor definição que encontro é que era Portugal. Como Amália, foram um povo numa voz e a voz de um povo.
Agradecimento
Ao “A Origem das Espécies” pelo link para este sítio, muito em especial porque vem de um dos blogs preferidos por estas bandas.
Tiepolo
Vai hoje a leilão em Lisboa. Extraordinário é que está “em vias” de classificação, facto atribuível decerto à enorme abundância de grande pintura que temos neste pobre país. “Em vias” é uma expressão magnífica, daquelas que diz tudo e não diz nada. O Estado, ou melhor, o suposto Ministério da Cultura, não compra, pois parece que terá gasto todo o seu escasso dinheiro na exposição do Hermitage. Ainda assim não o deixa sair de Portugal, caso para dizer: do mal, o menos. Apenas gostava de ter o milhão e meio de euros para o comprar, não para o ceder ou alugar a um museu público, cada vez mais locais pouco frequentáveis, mas para a sala de minha casa, sim, acho que aí estaria muito bem.
26.11.07
Proibido Proibir
Chego, via “A Origem das Espécies”, a este texto de António Barreto no Público.
«Os cozinheiros que faziam no domicílio pratos e “petiscos” a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente aos cafés e restaurantes de bairro sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializavam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.
A solução final vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, que não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado.Esses exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais na gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.
[...]
«Os cozinheiros que faziam no domicílio pratos e “petiscos” a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente aos cafés e restaurantes de bairro sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializavam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.
A solução final vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, que não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado.Esses exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais na gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.
[...]
Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico.Vender, nas praias ou nas romarias, bolas-de-berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido. Nas feiras e mercados, tanto em Lisboa e Porto como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos.
Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Proibido.Embrulhar castanhas em papel de jornal? Proibido.
Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido.
[...]
Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Proibido.Embrulhar castanhas em papel de jornal? Proibido.
Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido.
[...]
Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido.
[...]
Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.
As regras, cujo cumprimento leva a multas pessadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever.
[...]
As regras, cujo cumprimento leva a multas pessadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever.
[...]
Tudo isto, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro.»
A tudo isto apenas gostaria de acrescentar: “Puta que os pariu”.
A tudo isto apenas gostaria de acrescentar: “Puta que os pariu”.
Ontem
Estive de feriado, lembrando a importância do dia 25 de Novembro na vida deste país. Na posição vertical, de comando em punho, vendo comédias românticas apenas interrompidas para a missa dominical. Porque era dia de feriado, apenas porque era dia de feriado.
O interior
Gostaria de poder ter escrito o post que segue, mas foi escrito pelo Francisco José Viegas no “A Origem das Espécies”.
“O presidente da República lamenta a desertificação do interior e o presidente da Câmara de Gouveia informa que nos últimos anos perdeu 3000 pessoas. A última grande iniciativa lançada para fixar empresas e pessoas «no interior», lançada pela então ministra Elisa Ferreira, previa uma festa com a redução de 5% no IRC. Mas a realidade é esta: um quarto do território com três quartos de população; três quartos do território com um quarto da população.
De vez em quando, o país inteiro (três quartos da população, um quarto do território) dá-se conta de que existe um país incompleto (um quarto da população, três quartos do território). O “país incompleto” pesa pouco na balança dos créditos e constitui uma ameaça para o orçamento, cada vez mais apertado quando se trata de financiar “regiões improdutivas”. Para uma economia estritamente liberal, seria conveniente arrendar esse território e ceder à exploração de uma entidade privada essa parcela populacional. O Estado lucraria imenso e livrar-se-ia de uma grande parte da taxa de analfabetismo, de agricultores humildes, de funcionários da administração pública, de guarda-rios, de professores deslocados e de médicos que ambicionam viver em Lisboa, Porto ou Coimbra. Três quartos da população (ainda que confinados a apenas um quarto do território) talvez não rejubilassem, porque grande parte deles conserva a sua condição de emigrantes na periferia das três maiores cidades, mas os responsáveis pela administração do Estado sorririam à ideia. De vez em quando há problemas em Miranda do Douro, em Portalegre, em Mogadouro, em Almeida, em Pias, na Covilhã ou na ilha do Corvo. Lamentáveis ocorrências apenas explicadas pela incúria e inoportunidade desse “país incompleto”. Sejamos realistas: metade do país não rende. Quer dizer: não é prestável do luminoso ponto de vista da rendibilidade económica. De resto, só défice. Esse “país incompleto” é bom apenas por poucos motivos: oferece uma boa área para que as estradas que vêm de Espanha e do resto da Europa atinjam o litoral sem problemas de maior, pontuados aqui e ali de bombas de gasolina, de restaurantes e de lojas de artesanato; e é “a terra” de muita gente que vai lá às romarias ou ao jantar de Natal. De resto, tirando o turismo de habitação, o país vinícola no Douro e no Alentejo, o circuito dos hotéis de charme e o esforço triplicado dos que vivem mesmo «no interior», o litoral vê o resto como hortas, pastagens e muita pedra. Não está posta de parte a hipótese de arrendar essa parcela do território. Ficariam com a bandeira portuguesa, sim. E até se mandariam professores. Mas, que diabo, seriam administrados por uma empresa que garantiria que o orçamento de Estado não geraria défices assombrosos com essa terra de ninguém que era bom entregar ao turismo rural e à “literatura fantástica” que se encarregaria de divulgar as suas potencialidades para os fins devidos. Quando há eleições autárquicas, autarcas dinossauros ou estreantes aparecem nas pantalhas. Os comentadores têm em conta a expressiva votação em Almeida ou em Vimioso, como no Alandroal e em Aviz? Não. Eles sabem que se trata de um quarto da população, três quartos do território. Esse país terá cartazes, outdoors, visitas do Tribunal de Contas e da IGAT. Tem estradas e IP, “acessibilidades” e Pólis, mas duvido muito que perceba as incidências do défice. Está em défice há muito tempo. Devíamos pensar nele por um instante.”
“O presidente da República lamenta a desertificação do interior e o presidente da Câmara de Gouveia informa que nos últimos anos perdeu 3000 pessoas. A última grande iniciativa lançada para fixar empresas e pessoas «no interior», lançada pela então ministra Elisa Ferreira, previa uma festa com a redução de 5% no IRC. Mas a realidade é esta: um quarto do território com três quartos de população; três quartos do território com um quarto da população.
De vez em quando, o país inteiro (três quartos da população, um quarto do território) dá-se conta de que existe um país incompleto (um quarto da população, três quartos do território). O “país incompleto” pesa pouco na balança dos créditos e constitui uma ameaça para o orçamento, cada vez mais apertado quando se trata de financiar “regiões improdutivas”. Para uma economia estritamente liberal, seria conveniente arrendar esse território e ceder à exploração de uma entidade privada essa parcela populacional. O Estado lucraria imenso e livrar-se-ia de uma grande parte da taxa de analfabetismo, de agricultores humildes, de funcionários da administração pública, de guarda-rios, de professores deslocados e de médicos que ambicionam viver em Lisboa, Porto ou Coimbra. Três quartos da população (ainda que confinados a apenas um quarto do território) talvez não rejubilassem, porque grande parte deles conserva a sua condição de emigrantes na periferia das três maiores cidades, mas os responsáveis pela administração do Estado sorririam à ideia. De vez em quando há problemas em Miranda do Douro, em Portalegre, em Mogadouro, em Almeida, em Pias, na Covilhã ou na ilha do Corvo. Lamentáveis ocorrências apenas explicadas pela incúria e inoportunidade desse “país incompleto”. Sejamos realistas: metade do país não rende. Quer dizer: não é prestável do luminoso ponto de vista da rendibilidade económica. De resto, só défice. Esse “país incompleto” é bom apenas por poucos motivos: oferece uma boa área para que as estradas que vêm de Espanha e do resto da Europa atinjam o litoral sem problemas de maior, pontuados aqui e ali de bombas de gasolina, de restaurantes e de lojas de artesanato; e é “a terra” de muita gente que vai lá às romarias ou ao jantar de Natal. De resto, tirando o turismo de habitação, o país vinícola no Douro e no Alentejo, o circuito dos hotéis de charme e o esforço triplicado dos que vivem mesmo «no interior», o litoral vê o resto como hortas, pastagens e muita pedra. Não está posta de parte a hipótese de arrendar essa parcela do território. Ficariam com a bandeira portuguesa, sim. E até se mandariam professores. Mas, que diabo, seriam administrados por uma empresa que garantiria que o orçamento de Estado não geraria défices assombrosos com essa terra de ninguém que era bom entregar ao turismo rural e à “literatura fantástica” que se encarregaria de divulgar as suas potencialidades para os fins devidos. Quando há eleições autárquicas, autarcas dinossauros ou estreantes aparecem nas pantalhas. Os comentadores têm em conta a expressiva votação em Almeida ou em Vimioso, como no Alandroal e em Aviz? Não. Eles sabem que se trata de um quarto da população, três quartos do território. Esse país terá cartazes, outdoors, visitas do Tribunal de Contas e da IGAT. Tem estradas e IP, “acessibilidades” e Pólis, mas duvido muito que perceba as incidências do défice. Está em défice há muito tempo. Devíamos pensar nele por um instante.”
22.11.07
O mínimo
Apesar de mais um jogo medíocre em que a qualquer momento esperava um surpreendente golo finlandês, facto agravado pelo hábito destas situações lá para o lado de Alvalade, a selecção nacional lá conseguiu passar à fase final do europeu. Da frase anterior ressalvo o “apesar de” e o “lá conseguiu”, expressões supostamente impensáveis de dizer após o último jogo de qualificação num grupo de qualidade e dificuldade mais do que baixa.
Educações
Scolari insiste numa falta de educação e arrogância que começam a cansar e a dar vontade de lhe dar um tapinha à séria. O melhor seria juntá-lo a Chávez e enviá-los para um bom colégio interno inglês onde lhes ensinassem as mais básicas regras da educação e da convivência. Acho até que se iriam tornar os melhores amigos.
20.11.07
Manif
Hoje apetecia-me criar ou aderir a uma manifestação “a la” extrema-esquerda e ir para o aeroporto ou São Bento com panelas para bater e tomates para atirar ao grande democrata venezuelano. Claro que os jornais de amanhã diriam que perigosos fascistas se manifestaram contra Chávez, numa intolerável violação dos direitos democráticos assente em preconceitos imperialistas. O mundo infelizmente anda assim, com a balança dos valores muito estranhamente desregulada, condicionando-nos as opções e tornando-as de imediato politicamente incorrectas.
Ter em casa
O jornalista espanhol que no “Prós e Contras” de ontem afincadamente defendia comunismo e populismo com igual agrado, tentando por todas as vias agredir o Rei de Espanha, é daquelas criaturas que apetece ter em casa, junto ao sofá, para pontapear a gosto. Conseguiu num espaço de tempo reduzido dizer e, mais grave, insinuar tal quantidade de alarvidades que seria um acto de sanidade pública, que os seus heróis “democráticos” não teriam problemas em concretizar, silenciá-lo, não fora o facto de ainda haver quem entenda o que é democracia e que perceba que em nome dela até temos de tolerar a imbecilidade mesmo que dela não gostemos.
Coisa muitíssimo estranha
Ouvir Ana Gomes um programa inteiro e concordar na quase totalidade da suas opiniões. O mais espantoso é não estava a falar de flores ou de culinária, falava de Chávez e do “Porque no te callas” no “Prós e Contras” de ontem.
19.11.07
Que comemoração?
Neste extraordinário país vão-se comemorar os duzentos anos sobre as Invasões Francesas. Coisa bizarra esta, a de comemorarmos o facto de termos sido invadidos pela força por gentes de terras gaulesas, pelas tropas do “magnífico” Napoleão. A demonstração de fair-play colide com o típico mau comportamento português, bem expresso em vários desportos e em derrotas bem menos importantes. Alguém me poderia explicar – em longo, se bem que provavelmente pouco agradável, jantar – o que é que comemoramos. Assim de repente, talvez seja má vontade minha, não estou a ver os espanhóis a comemorarem Aljubarrota com reconstituições históricas. Ou os ingleses a comemorarem a Revolução Americana. Ou os comunistas a comemorarem a queda do muro de Berlim. Faz parte que comemoremos as vitórias, os momentos dos quais nos possamos orgulhar, mas comemorar uma vergonhosa invasão, ou a tão vergonhosa falta de empenho em terminar com a mesma, ou as traições à pátria de muitos sabujos de Junot, ou a pouco edificante fuga da corte para o Brasil, ou a ajuda mais do que interessada – apesar de ajuda – dos ingleses que saquearam o que restou. No meio de tudo isto ficarei com a eterna dúvida de perceber o que comemorarão eles.
15.11.07
Bravo
Forte aplauso para o Bastonário da Ordem do Médicos. Parece que ainda há quem saiba o que quer dizer ética e que não vacile nos princípios. Segundo o Público, a Ordem recusa alterar o seu Código Deontológico para permitir no mesmo o aborto, apesar do parecer da Procuradoria Geral da República que visava “repor a legalidade na situação”. Isto não implica a impossibilidade de cumprir a lei, pois a mesma sobrepõe-se ao Código, mas permite aos médicos manterem, nas palavras do Bastonário, a sua independência, autonomia e liberdade, e, acrescento eu, não poderem ser obrigados a efectuar algo que vá contra os seus princípios éticos.
Pesos e medidas
Ando com grande curiosidade de ver a reacção dos paladinos da liberdade da esquerda mais radical perante a censura de um dos seus autores de referência, Gabriel Garcia Márquez, num país que é hoje para eles um farol da democracia, o Irão de Ahmadinejad. Entre os dois estarão corações a balançar, resta saber se para algum lado irão cair ou se, subtilmente, esta censura será olvidada e o assunto menosprezado como sempre se passa com censuras provindas de regimes de esquerda, ou, hoje em dia mais importante, anti-americanos.
13.11.07
O Embuste
O sempre efusivo, em especial depois do almoço, Mário Lino continua a passear a sua arrogância de quem já decidiu, mas a quem uns maçadores obrigam a fingir que está a ponderar. Como já por aqui disse, o meu pessimismo com os políticos portugueses é perene e, infelizmente, não melhora com a queda das folhas no Outono. Quando o governo aceitou repensar a Ota muitos manifestaram a sua satisfação, já eu, desconfiado com a coisa, preferi esperar para ver. Depois dos “jamais” Alcochete e da margem sul ser decretada um deserto, é difícil imaginar como é que Mário Lino poderia aprovar outra solução que não a Ota. Como Pinto de Sousa insiste na obstinação de manter todos os seus ministros em funções, não é de esperar que despache Lino para outro tacho qualquer, o que, politicamente, inviabiliza qualquer alternativa à Ota.
O presidente da CIP vem agora queixar-se que o ministro desprezou o estudo em que Alcochete surge como a opção mais favorável e que se prepara para, em manobras de bastidores, destruir esse mesmo estudo. Apenas estranho a admiração, caso a mesma seja genuína. Quem leu, e eu estou a meio em vias de terminar, o livro “O erro da Ota” fica com a absoluta certeza que de facto existem conspirações e de poderes ocultos, e que a escolha da Ota só se pode prender com interesses dado o absoluto disparate desta mesma escolha. Quando as pessoas cegam fazem-no por poder ou por dinheiro, ou mesmo pelos dois, a Ota é o melhor exemplo disso.
Acreditando que o governo não faz a menor intenção de mudar de ideias, acho que há, ainda assim, uma via de o obrigar a isso. Sendo a grande e maior obsessão de Pinto de Sousa as sondagens, ou seja a popularidade, cabe aos jornalistas deste país, que não tenham cartão rosa, desmistificarem até ao infinito o embuste e a vergonha que será a escolha da Ota. No momento em que a população se aperceber, realmente, do que este governo está para fazer, talvez o PS comece a descer nas sondagens e Pinto de Sousa prefira ganhar o país e perder Lino e o sindicato de interesses em redor da Ota. Será preciso coragem, já que estes poderes ocultos têm de facto poder, mas pode ser que por uma vez Pinto de Sousa substitua a obstinação e a teimosia por coragem e firmeza.
O presidente da CIP vem agora queixar-se que o ministro desprezou o estudo em que Alcochete surge como a opção mais favorável e que se prepara para, em manobras de bastidores, destruir esse mesmo estudo. Apenas estranho a admiração, caso a mesma seja genuína. Quem leu, e eu estou a meio em vias de terminar, o livro “O erro da Ota” fica com a absoluta certeza que de facto existem conspirações e de poderes ocultos, e que a escolha da Ota só se pode prender com interesses dado o absoluto disparate desta mesma escolha. Quando as pessoas cegam fazem-no por poder ou por dinheiro, ou mesmo pelos dois, a Ota é o melhor exemplo disso.
Acreditando que o governo não faz a menor intenção de mudar de ideias, acho que há, ainda assim, uma via de o obrigar a isso. Sendo a grande e maior obsessão de Pinto de Sousa as sondagens, ou seja a popularidade, cabe aos jornalistas deste país, que não tenham cartão rosa, desmistificarem até ao infinito o embuste e a vergonha que será a escolha da Ota. No momento em que a população se aperceber, realmente, do que este governo está para fazer, talvez o PS comece a descer nas sondagens e Pinto de Sousa prefira ganhar o país e perder Lino e o sindicato de interesses em redor da Ota. Será preciso coragem, já que estes poderes ocultos têm de facto poder, mas pode ser que por uma vez Pinto de Sousa substitua a obstinação e a teimosia por coragem e firmeza.
A ler
Para melhor perceber a inanidade a que o anti-americanismo leva as pessoas e as estranhas alianças e conivências que se encontram, convido a ler este excelente post da Rua da Judiaria.
Fica aqui um excerto:
«Unidos por ideais comuns de um anti-americanismo e de um antisemitismo primários, o fanatismo religioso e aqueles que sopram as últimas cinzas do materialismo dialéctico vão encontrado terreno comum naquilo que, nos finais do séc. XIX, August Bebel chamou “o socialismo dos tolos”.»
Teste
Também via Rua da Judiaria, vale a pena fazer este teste do The Sunday Times sobre a veracidade do nosso progressismo.
Um questionário do The Sunday Times, de Londres
1 – É permitido aos muçulmanos ser homófobos por causa da sua cultura?
2 – Devem ser punidos por lei os casamentos celebrados contra a vontade das mulheres?
3 – É aceitável exigir que as mulheres usem véus?
4 – É o antisemitismo uma reposta legítima à frustração com as políticas dos Estados Unidos e de Israel?
5 – Deve permitir-se que o regime iraniano de Ahmadinejad adquira a bomba nuclear?
6 – Pode ser-se um defensor do povo mesmo que o povo não possa eleger outra pessoa?
7 – Existem ocasiões em que prisioneiros políticos podem ser justificados?
8 – É a al-Qaeda uma organização legítima de resistência no Iraque?
9 – É Ayaan Hirsi Ali demasiado crítica em relação ao Islão?
10 – Devia o Governo Holandês retirar a sua [a Ayaan Hirsi Ali] segurança no estrangeiro?
11 – Deveria Salman Rushdie ter escrito sobre o Corão da forma que o fez em “Versículos Satânicos”?
12 – São a liberdade de expressão, a liberdade de associação e a liberdade religiosa (ou ateística) direitos humanos universais?
13 – É uma tradição cultural aceitável apelar à morte das pessoas que abandonam uma religião?14 – É aceitável interditar a entrada em lugares sagrados a membros de outras religiões, como acontece em Meca?
15 – Podem os “crimes de honra” ou a mutilação genital de mulheres ser colocados num “contexto cultural”?
16 – É aceitável apelar à morte de cartunistas porque não se acha piada aos seus cartoons?
Respostas – 1)não; 2)sim; 3)não; 4)não; 5)não; 6)não; 7)não; 8)não; 9)não; 10)não; 11)sim; 12)sim; 13)não; 14)não; 15)não; 16)não
Um questionário do The Sunday Times, de Londres
1 – É permitido aos muçulmanos ser homófobos por causa da sua cultura?
2 – Devem ser punidos por lei os casamentos celebrados contra a vontade das mulheres?
3 – É aceitável exigir que as mulheres usem véus?
4 – É o antisemitismo uma reposta legítima à frustração com as políticas dos Estados Unidos e de Israel?
5 – Deve permitir-se que o regime iraniano de Ahmadinejad adquira a bomba nuclear?
6 – Pode ser-se um defensor do povo mesmo que o povo não possa eleger outra pessoa?
7 – Existem ocasiões em que prisioneiros políticos podem ser justificados?
8 – É a al-Qaeda uma organização legítima de resistência no Iraque?
9 – É Ayaan Hirsi Ali demasiado crítica em relação ao Islão?
10 – Devia o Governo Holandês retirar a sua [a Ayaan Hirsi Ali] segurança no estrangeiro?
11 – Deveria Salman Rushdie ter escrito sobre o Corão da forma que o fez em “Versículos Satânicos”?
12 – São a liberdade de expressão, a liberdade de associação e a liberdade religiosa (ou ateística) direitos humanos universais?
13 – É uma tradição cultural aceitável apelar à morte das pessoas que abandonam uma religião?14 – É aceitável interditar a entrada em lugares sagrados a membros de outras religiões, como acontece em Meca?
15 – Podem os “crimes de honra” ou a mutilação genital de mulheres ser colocados num “contexto cultural”?
16 – É aceitável apelar à morte de cartunistas porque não se acha piada aos seus cartoons?
Respostas – 1)não; 2)sim; 3)não; 4)não; 5)não; 6)não; 7)não; 8)não; 9)não; 10)não; 11)sim; 12)sim; 13)não; 14)não; 15)não; 16)não
Se acertou na maioria das respostas, parabéns! É progressista a sério.
Se falhou a maioria das respostas… então é um progressista da treta e poderia estar com os filhos de Che Guevara em Teerão (ver post acima)
Original: "Are you a phoney liberal?" - Times Online (PDF)
12.11.07
Viva Espanha
Haja quem tenha mandado calar o inenarrável Chávez quando começou com os seus despropositados e intoleráveis insultos. Que tenha vindo de Espanha não surpreende, ainda menos quando vem do seu Rei, mostrando as virtudes de uma monarquia e da sua real independência.
6.11.07
A Fraude
Post longo e atrasado acerca da exposição do Hermitage.
A simpático convite de uma amiga, tive o “enorme privilégio” de assistir à inauguração da tão badalada exposição do Hermitage no Palácio da Ajuda, que dá pelo nome de "Arte e Cultura do Império Russo nas Colecções do Hermitage - De Pedro, o Grande, a Nicolau II". A chegada assustou-me um pouco ao deparar com a multidão que aguardava à entrada, mas tive assim oportunidade para por a conversa em dia enquanto fumava um animado cigarro. Não foi assim muito longa a espera e lá subimos rumo à Galeria D. Luís – pelo menos fomos tentando, porque um aglomerado de gente perfumada que julgava estar, apesar da produção, no metro, ia empurrando e furando a ordem. No topo da escadaria percebemos que numa sala decorria um cocktail, noutra sala estava exposta uma mesa de gala e que uma longa fila apontava para o que parecia ser a exposição. Optámos por deixar o croquete para o fim, no que se revelou uma má opção, e por começar pela sala com uma mesa posta com uma bonita baixela, serviço de porcelana (penso que de Meissen) e faqueiro com cabos de porcelana do mesmo serviço. Bonita, mas faltava qualquer coisa ao arranjo, talvez uma toalha que permitisse destacar mais as peças e que seria acessório lógico numa mesa que quisesse ser de gala.
Antes de entrar na exposição, devo referir que não conseguia ter a expectativa muito alta, uma vez que, conhecendo a Galeria D. Luís, sabia que o seu tamanho era, para uma propagada mega-exposição, no mínimo ridículo, restando a dúvida se as obras tinham arrasado muitas paredes do palácio tornando o espaço amplo, ou se a exposição era micro em vez de mega. Felizmente pouparam as paredes, mas a exposição de mega pouco tinha, estando ainda assim todo o espaço aproveitado por vitrinas ou painéis, o que com a enorme densidade de gente por metro quadrado tornava difícil ler os painéis explicativos e acompanhar as partes para mim desconhecidas da história da Rússia.
A colecção de peças apresentada é bonita, mas banal. A maior componente presente é de pintura, na sua quase maioria retratos da família real efectuados por pintores russos desconhecidos. Académicos e correctos, como centenas de retratos que podemos encontrar em qualquer palácio da Europa. A porcelana exposta, maioritariamente Meissen, Wedgwood e de uma oficina de S. Petersburgo, é interessante, mas para um português que tenha visitado pelo menos dois ou três museus e palácios – M. N. Arte Antiga, Palácio de Vila Viçosa ou Fundação Medeiros de Almeida – vai achar pobrezinho comparado com o que já viu. As famosas peças de Fabergé, apresentadas nas imagens promocionais com uma fotografia que as faz parecer enormes, são afinal três coroas pequeninas colocadas numa bonita meia coluna, o que em joalharia nada quer dizer, mas ajuda a compreender o logro, comprovado ao ver que as peças em nada se assemelham ao estilo dos famosos ovos Fabergé.
Uma grande área foi para mim, por motivos profissionais, muito interessante, mas era constituída por gravuras, bonitas, mas que não são de forma alguma uma manifestação de arte das mais importantes. Ajudavam a contar a história de S. Petersburgo, das suas intervenções urbanas e dos palácios do Peterhof e Tsarskoe Selo. Nesta zona situavam-se também as duas peças mais interessantes da exposição, os dois trenós reais, equivalentes dos nossos coches e, além de originais, muitíssimo bonitos. Consta que foram estas as únicas peças que os portugueses conseguiram escolher, o que até denota bom gosto da parte do Comissário.
O resto são fardas, dois ou três vestidos da Emperatriz, bric-a-brac palaciano e três ou quatro peças de bonito mobiliário. O que veio e está exposto parece provir de uma sub-cave do magnífico Hermitage, as peças hoje de copa, os esquecidos das reservas, o refugo. Parece exagero mas, apesar de nunca ter ido ao Hermitage, não imagino que qualquer destas peças tenha o mínimo de importância para o museu, pelo menos a aferir com o que encontrei em alguns dos grandes museus e palácios da Europa, e até de Portugal. Para quem não saiba, o Hermitage, que é a maior pinacoteca do mundo, aluga, numa atitude inteligente, obras dos fundos de reserva que são, como se deve imaginar, imensos. Ou seja, esta não é uma exposição montada com obras cedidas, é uma mostra alugada e bem alugada, pelo que deveríamos esperar acolher obras de qualidade. A Ministra, fascinada com a possibilidade de trazer o nome Hermitage para Portugal, acedeu a contribuir para a manutenção do museu, o que seria muito meritório, não fosse o facto de os museus portugueses constantemente se queixarem de falta de verba.
Esta é a típica acção em que se vende gato por lebre ao abrigo de um grande nome, mas em que o que se mostra, sendo interessante, não justifica nem um décimo do dinheiro investido na tinta gasta em divulgação. Só mesmo uma mentalidade provinciana pode achar que esta exposição pode ombrear com as exposições cujos ecos nos chegam de Madrid ou Barcelona (neste momento temos Durer e Cranach no Thyssen, Andy Goldsworthy e Paula Rego no Reina Sofia, só paRa dar uns exemplos).
Chegando aos números, podemos referir que a brincadeira custou a módica quantia de 1,5 milhões de Euros, para além das obras necessárias na Galeria D. Luís que orçaram em 900 mil Euros. Para dar um termo de comparação, o orçamento do anual do IPM prevê 10 milhões de Euros para despesa corrente e 3 milhões de Euros para programação. A conclusão é que a feira de vaidades russa custa metade do orçamento de programação dos todos os museus portugueses sob a alçada do Estado, o que atesta bem da sua “enorme importância”. A Ministra decerto pensou, se é que de facto o faz, que já que o dinheiro não é dela, gaste-se, já que houve patrocínios, gastem-se aqui, façam-se obras nesta sala de exposições da Ajuda, já que o CCB está ocupado com Berardo e os outros museus não têm dinheiro para vigilantes ou para a luz.
Não resisto a apontar outro pormenor delirante – que detectei ao olhar distraidamente para o tecto – que se refere ao aproveitamento da exposição para integrar uma instalação de arte contemporânea, pelo menos é esta a única justificação que encontro para que as condutas do ar condicionado e restantes galerias técnicas estejam todas à mostra. Não creio que, com o vasto orçamento da exposição, isto se deva a falta de dinheiro para um tecto falso!
No fim da triste visita, nem restou a consolação do croquete, pois na sala do cocktail apenas estavam os estalinistas esbanjadores (para quem não tenha percebido, aquela que se diz Ministra e o seu Secretário de Estado) e o seu séquito, sem um vislumbre de copos ou tapas, pelo que foi com a rapidez possível, e tentando não deitar ninguém ao chão pelo caminho, que saí da sala por motivos de higiene mental e de prudência, já que a coabitação com a dita senhora pode conduzir a comportamentos sancionados pela lei portuguesa e a presença de polícias dissuadia o insulto ou o merecido calduço.
Como nem tudo é mau, devo referir que a exposição até nem estava mal montada, com iluminação razoável e painéis explicativos aparentemente adequados. Será até uma exposição agradável de ver, mas convém avisar os futuros visitantes para não serem papalvos, não passarem por provincianos, compreenderem o esbanjamento e perceberem, de uma vez, quão Incompetente é a senhora Estalinista que se diz Ministra da Cultura.
P.S. Para desanuviar, aproveitem e vão até ao Museu Nacional de Arte Antiga para ver a exposição sobre o tapete ocidental, que terá custado uma ninharia, em comparação, mas que é de uma enorme qualidade.
A simpático convite de uma amiga, tive o “enorme privilégio” de assistir à inauguração da tão badalada exposição do Hermitage no Palácio da Ajuda, que dá pelo nome de "Arte e Cultura do Império Russo nas Colecções do Hermitage - De Pedro, o Grande, a Nicolau II". A chegada assustou-me um pouco ao deparar com a multidão que aguardava à entrada, mas tive assim oportunidade para por a conversa em dia enquanto fumava um animado cigarro. Não foi assim muito longa a espera e lá subimos rumo à Galeria D. Luís – pelo menos fomos tentando, porque um aglomerado de gente perfumada que julgava estar, apesar da produção, no metro, ia empurrando e furando a ordem. No topo da escadaria percebemos que numa sala decorria um cocktail, noutra sala estava exposta uma mesa de gala e que uma longa fila apontava para o que parecia ser a exposição. Optámos por deixar o croquete para o fim, no que se revelou uma má opção, e por começar pela sala com uma mesa posta com uma bonita baixela, serviço de porcelana (penso que de Meissen) e faqueiro com cabos de porcelana do mesmo serviço. Bonita, mas faltava qualquer coisa ao arranjo, talvez uma toalha que permitisse destacar mais as peças e que seria acessório lógico numa mesa que quisesse ser de gala.
Antes de entrar na exposição, devo referir que não conseguia ter a expectativa muito alta, uma vez que, conhecendo a Galeria D. Luís, sabia que o seu tamanho era, para uma propagada mega-exposição, no mínimo ridículo, restando a dúvida se as obras tinham arrasado muitas paredes do palácio tornando o espaço amplo, ou se a exposição era micro em vez de mega. Felizmente pouparam as paredes, mas a exposição de mega pouco tinha, estando ainda assim todo o espaço aproveitado por vitrinas ou painéis, o que com a enorme densidade de gente por metro quadrado tornava difícil ler os painéis explicativos e acompanhar as partes para mim desconhecidas da história da Rússia.
A colecção de peças apresentada é bonita, mas banal. A maior componente presente é de pintura, na sua quase maioria retratos da família real efectuados por pintores russos desconhecidos. Académicos e correctos, como centenas de retratos que podemos encontrar em qualquer palácio da Europa. A porcelana exposta, maioritariamente Meissen, Wedgwood e de uma oficina de S. Petersburgo, é interessante, mas para um português que tenha visitado pelo menos dois ou três museus e palácios – M. N. Arte Antiga, Palácio de Vila Viçosa ou Fundação Medeiros de Almeida – vai achar pobrezinho comparado com o que já viu. As famosas peças de Fabergé, apresentadas nas imagens promocionais com uma fotografia que as faz parecer enormes, são afinal três coroas pequeninas colocadas numa bonita meia coluna, o que em joalharia nada quer dizer, mas ajuda a compreender o logro, comprovado ao ver que as peças em nada se assemelham ao estilo dos famosos ovos Fabergé.
Uma grande área foi para mim, por motivos profissionais, muito interessante, mas era constituída por gravuras, bonitas, mas que não são de forma alguma uma manifestação de arte das mais importantes. Ajudavam a contar a história de S. Petersburgo, das suas intervenções urbanas e dos palácios do Peterhof e Tsarskoe Selo. Nesta zona situavam-se também as duas peças mais interessantes da exposição, os dois trenós reais, equivalentes dos nossos coches e, além de originais, muitíssimo bonitos. Consta que foram estas as únicas peças que os portugueses conseguiram escolher, o que até denota bom gosto da parte do Comissário.
O resto são fardas, dois ou três vestidos da Emperatriz, bric-a-brac palaciano e três ou quatro peças de bonito mobiliário. O que veio e está exposto parece provir de uma sub-cave do magnífico Hermitage, as peças hoje de copa, os esquecidos das reservas, o refugo. Parece exagero mas, apesar de nunca ter ido ao Hermitage, não imagino que qualquer destas peças tenha o mínimo de importância para o museu, pelo menos a aferir com o que encontrei em alguns dos grandes museus e palácios da Europa, e até de Portugal. Para quem não saiba, o Hermitage, que é a maior pinacoteca do mundo, aluga, numa atitude inteligente, obras dos fundos de reserva que são, como se deve imaginar, imensos. Ou seja, esta não é uma exposição montada com obras cedidas, é uma mostra alugada e bem alugada, pelo que deveríamos esperar acolher obras de qualidade. A Ministra, fascinada com a possibilidade de trazer o nome Hermitage para Portugal, acedeu a contribuir para a manutenção do museu, o que seria muito meritório, não fosse o facto de os museus portugueses constantemente se queixarem de falta de verba.
Esta é a típica acção em que se vende gato por lebre ao abrigo de um grande nome, mas em que o que se mostra, sendo interessante, não justifica nem um décimo do dinheiro investido na tinta gasta em divulgação. Só mesmo uma mentalidade provinciana pode achar que esta exposição pode ombrear com as exposições cujos ecos nos chegam de Madrid ou Barcelona (neste momento temos Durer e Cranach no Thyssen, Andy Goldsworthy e Paula Rego no Reina Sofia, só paRa dar uns exemplos).
Chegando aos números, podemos referir que a brincadeira custou a módica quantia de 1,5 milhões de Euros, para além das obras necessárias na Galeria D. Luís que orçaram em 900 mil Euros. Para dar um termo de comparação, o orçamento do anual do IPM prevê 10 milhões de Euros para despesa corrente e 3 milhões de Euros para programação. A conclusão é que a feira de vaidades russa custa metade do orçamento de programação dos todos os museus portugueses sob a alçada do Estado, o que atesta bem da sua “enorme importância”. A Ministra decerto pensou, se é que de facto o faz, que já que o dinheiro não é dela, gaste-se, já que houve patrocínios, gastem-se aqui, façam-se obras nesta sala de exposições da Ajuda, já que o CCB está ocupado com Berardo e os outros museus não têm dinheiro para vigilantes ou para a luz.
Não resisto a apontar outro pormenor delirante – que detectei ao olhar distraidamente para o tecto – que se refere ao aproveitamento da exposição para integrar uma instalação de arte contemporânea, pelo menos é esta a única justificação que encontro para que as condutas do ar condicionado e restantes galerias técnicas estejam todas à mostra. Não creio que, com o vasto orçamento da exposição, isto se deva a falta de dinheiro para um tecto falso!
No fim da triste visita, nem restou a consolação do croquete, pois na sala do cocktail apenas estavam os estalinistas esbanjadores (para quem não tenha percebido, aquela que se diz Ministra e o seu Secretário de Estado) e o seu séquito, sem um vislumbre de copos ou tapas, pelo que foi com a rapidez possível, e tentando não deitar ninguém ao chão pelo caminho, que saí da sala por motivos de higiene mental e de prudência, já que a coabitação com a dita senhora pode conduzir a comportamentos sancionados pela lei portuguesa e a presença de polícias dissuadia o insulto ou o merecido calduço.
Como nem tudo é mau, devo referir que a exposição até nem estava mal montada, com iluminação razoável e painéis explicativos aparentemente adequados. Será até uma exposição agradável de ver, mas convém avisar os futuros visitantes para não serem papalvos, não passarem por provincianos, compreenderem o esbanjamento e perceberem, de uma vez, quão Incompetente é a senhora Estalinista que se diz Ministra da Cultura.
P.S. Para desanuviar, aproveitem e vão até ao Museu Nacional de Arte Antiga para ver a exposição sobre o tapete ocidental, que terá custado uma ninharia, em comparação, mas que é de uma enorme qualidade.
Subscrever:
Mensagens (Atom)