6.11.07

A Fraude

Post longo e atrasado acerca da exposição do Hermitage.

A simpático convite de uma amiga, tive o “enorme privilégio” de assistir à inauguração da tão badalada exposição do Hermitage no Palácio da Ajuda, que dá pelo nome de "Arte e Cultura do Império Russo nas Colecções do Hermitage - De Pedro, o Grande, a Nicolau II". A chegada assustou-me um pouco ao deparar com a multidão que aguardava à entrada, mas tive assim oportunidade para por a conversa em dia enquanto fumava um animado cigarro. Não foi assim muito longa a espera e lá subimos rumo à Galeria D. Luís – pelo menos fomos tentando, porque um aglomerado de gente perfumada que julgava estar, apesar da produção, no metro, ia empurrando e furando a ordem. No topo da escadaria percebemos que numa sala decorria um cocktail, noutra sala estava exposta uma mesa de gala e que uma longa fila apontava para o que parecia ser a exposição. Optámos por deixar o croquete para o fim, no que se revelou uma má opção, e por começar pela sala com uma mesa posta com uma bonita baixela, serviço de porcelana (penso que de Meissen) e faqueiro com cabos de porcelana do mesmo serviço. Bonita, mas faltava qualquer coisa ao arranjo, talvez uma toalha que permitisse destacar mais as peças e que seria acessório lógico numa mesa que quisesse ser de gala.
Antes de entrar na exposição, devo referir que não conseguia ter a expectativa muito alta, uma vez que, conhecendo a Galeria D. Luís, sabia que o seu tamanho era, para uma propagada mega-exposição, no mínimo ridículo, restando a dúvida se as obras tinham arrasado muitas paredes do palácio tornando o espaço amplo, ou se a exposição era micro em vez de mega. Felizmente pouparam as paredes, mas a exposição de mega pouco tinha, estando ainda assim todo o espaço aproveitado por vitrinas ou painéis, o que com a enorme densidade de gente por metro quadrado tornava difícil ler os painéis explicativos e acompanhar as partes para mim desconhecidas da história da Rússia.
A colecção de peças apresentada é bonita, mas banal. A maior componente presente é de pintura, na sua quase maioria retratos da família real efectuados por pintores russos desconhecidos. Académicos e correctos, como centenas de retratos que podemos encontrar em qualquer palácio da Europa. A porcelana exposta, maioritariamente Meissen, Wedgwood e de uma oficina de S. Petersburgo, é interessante, mas para um português que tenha visitado pelo menos dois ou três museus e palácios – M. N. Arte Antiga, Palácio de Vila Viçosa ou Fundação Medeiros de Almeida – vai achar pobrezinho comparado com o que já viu. As famosas peças de Fabergé, apresentadas nas imagens promocionais com uma fotografia que as faz parecer enormes, são afinal três coroas pequeninas colocadas numa bonita meia coluna, o que em joalharia nada quer dizer, mas ajuda a compreender o logro, comprovado ao ver que as peças em nada se assemelham ao estilo dos famosos ovos Fabergé.
Uma grande área foi para mim, por motivos profissionais, muito interessante, mas era constituída por gravuras, bonitas, mas que não são de forma alguma uma manifestação de arte das mais importantes. Ajudavam a contar a história de S. Petersburgo, das suas intervenções urbanas e dos palácios do Peterhof e Tsarskoe Selo. Nesta zona situavam-se também as duas peças mais interessantes da exposição, os dois trenós reais, equivalentes dos nossos coches e, além de originais, muitíssimo bonitos. Consta que foram estas as únicas peças que os portugueses conseguiram escolher, o que até denota bom gosto da parte do Comissário.
O resto são fardas, dois ou três vestidos da Emperatriz, bric-a-brac palaciano e três ou quatro peças de bonito mobiliário. O que veio e está exposto parece provir de uma sub-cave do magnífico Hermitage, as peças hoje de copa, os esquecidos das reservas, o refugo. Parece exagero mas, apesar de nunca ter ido ao Hermitage, não imagino que qualquer destas peças tenha o mínimo de importância para o museu, pelo menos a aferir com o que encontrei em alguns dos grandes museus e palácios da Europa, e até de Portugal. Para quem não saiba, o Hermitage, que é a maior pinacoteca do mundo, aluga, numa atitude inteligente, obras dos fundos de reserva que são, como se deve imaginar, imensos. Ou seja, esta não é uma exposição montada com obras cedidas, é uma mostra alugada e bem alugada, pelo que deveríamos esperar acolher obras de qualidade. A Ministra, fascinada com a possibilidade de trazer o nome Hermitage para Portugal, acedeu a contribuir para a manutenção do museu, o que seria muito meritório, não fosse o facto de os museus portugueses constantemente se queixarem de falta de verba.
Esta é a típica acção em que se vende gato por lebre ao abrigo de um grande nome, mas em que o que se mostra, sendo interessante, não justifica nem um décimo do dinheiro investido na tinta gasta em divulgação. Só mesmo uma mentalidade provinciana pode achar que esta exposição pode ombrear com as exposições cujos ecos nos chegam de Madrid ou Barcelona (neste momento temos Durer e Cranach no Thyssen, Andy Goldsworthy e Paula Rego no Reina Sofia, só paRa dar uns exemplos).
Chegando aos números, podemos referir que a brincadeira custou a módica quantia de 1,5 milhões de Euros, para além das obras necessárias na Galeria D. Luís que orçaram em 900 mil Euros. Para dar um termo de comparação, o orçamento do anual do IPM prevê 10 milhões de Euros para despesa corrente e 3 milhões de Euros para programação. A conclusão é que a feira de vaidades russa custa metade do orçamento de programação dos todos os museus portugueses sob a alçada do Estado, o que atesta bem da sua “enorme importância”. A Ministra decerto pensou, se é que de facto o faz, que já que o dinheiro não é dela, gaste-se, já que houve patrocínios, gastem-se aqui, façam-se obras nesta sala de exposições da Ajuda, já que o CCB está ocupado com Berardo e os outros museus não têm dinheiro para vigilantes ou para a luz.
Não resisto a apontar outro pormenor delirante – que detectei ao olhar distraidamente para o tecto – que se refere ao aproveitamento da exposição para integrar uma instalação de arte contemporânea, pelo menos é esta a única justificação que encontro para que as condutas do ar condicionado e restantes galerias técnicas estejam todas à mostra. Não creio que, com o vasto orçamento da exposição, isto se deva a falta de dinheiro para um tecto falso!
No fim da triste visita, nem restou a consolação do croquete, pois na sala do cocktail apenas estavam os estalinistas esbanjadores (para quem não tenha percebido, aquela que se diz Ministra e o seu Secretário de Estado) e o seu séquito, sem um vislumbre de copos ou tapas, pelo que foi com a rapidez possível, e tentando não deitar ninguém ao chão pelo caminho, que saí da sala por motivos de higiene mental e de prudência, já que a coabitação com a dita senhora pode conduzir a comportamentos sancionados pela lei portuguesa e a presença de polícias dissuadia o insulto ou o merecido calduço.
Como nem tudo é mau, devo referir que a exposição até nem estava mal montada, com iluminação razoável e painéis explicativos aparentemente adequados. Será até uma exposição agradável de ver, mas convém avisar os futuros visitantes para não serem papalvos, não passarem por provincianos, compreenderem o esbanjamento e perceberem, de uma vez, quão Incompetente é a senhora Estalinista que se diz Ministra da Cultura.


P.S. Para desanuviar, aproveitem e vão até ao Museu Nacional de Arte Antiga para ver a exposição sobre o tapete ocidental, que terá custado uma ninharia, em comparação, mas que é de uma enorme qualidade.

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