29.6.06

Coisas da Vida Boa

Descobrir que a falta de uso não inutilizou o meu já antigo gira-discos. Aproveito para voltar a discos há muito esquecidos, a gostos antigos. Ouço os intermináveis solos de Mark Knopfler no histórico “Alchemy” dos Dire Straits, a voz grave de Tanita Tikaram, os princípios de Rui Veloso no “Fora de Moda”. Acho que amanhã vou prolongar esta maré de nostalgia e passar aos singles do Marco ou da Abelha Maia.

Medo

Ontem à noite, ao aproximar-me com um amigo de um táxi, gracejei dizendo que íamos com um skin. Entrámos e subtilmente as mãos agarraram-se aos bancos após o senhor, até então mudo, passar quatro ou cinco sinais encarnados. Num deles ainda insultou outro condutor que apenas lhe fez sinais de luzes, estando eu já à espera que parasse o carro e saísse disparado na sua direcção. O trajecto aproximava-se do fim quando reparámos que não tínhamos dinheiro para pagar, tendo então pedido para que ele parasse num Multibanco. Fiquei no carro à espera e finalmente o homem lá abriu a boca, e é caso para dizer, para não mais a fechar. Começou pela insegurança e por situações que passou, sempre com “pretos” ou “gente do leste”. Caso a seguir a caso e já os tratava por aqueles que não deviam cá estar. O meu amigo lá chegou e o destino também. Antes que pudéssemos sair, continuou a falar. Falou da pistola que tinha no porta-luvas, do tiro que deu no outro dia a uns que o quiseram roubar, no que lhes fazia a todos se os apanhasse a jeito. Siderados, nem coragem tínhamos para sair, no medo de ofender a criatura por não o ouvir até ao fim. Uma brecha foi aproveitada para enfim sair e deixar o homem ir embora, só então respirei fundo. Esta gente é realmente perigosa, muito perigosa. São poucos, por enquanto, mas a sua simples existência dá medo. Gente desta que tem arma e cujos olhos destilam ódio, insanidade, que podem a qualquer momento matar ou ferir sem remorsos, em nome não se sabe bem de quê.

26.6.06

Futebol e Touros

O jogo de ontem assemelhou-se a uma corrida de Miuras ou Vitorinos: o interesse não foi a arte pela arte, o interesse estava na batalha “de morte” entre os oponentes, ambos desejosos de ferir. Estas ganadarias são famosas pela sua ferocidade, pelo seu perigo, por dificultarem em muito a tarefa dos toureiros. São touros imponentes e de génio, que não permitem erros, logo respondendo com investidas para colher, para ferir, para matar. As corridas com estas ganadarias estão sempre esgotadas, por público ávido de seriedade nos touros, de combates mais iguais. Poucas vezes a arte é perfeita, pois os touros não o permitem, mas o domínio do toureiro sobre o touro toma predominância sobre os alardes. São corridas de emoção a que só alguns toureiros comparecem, pois o medo muito pode.
Ontem, lembrei-me destes touros durante o jogo, que não foi uma obra de arte, mas foi emotivo, sério, duro, com muito interesse. Portugal enfrentou ontem um Miura de génio, bravo e pouco nobre, com investidas ordinárias e perigosas. Portugal sobreviveu e conseguiu uma faena plena de emoção e entrega, de coragem. Qual toureiro corajoso enfrentou de peito feito o animal, dando-lhe a lide possível depois de colhidas graves (a lesão de Ronaldo), de erros imperdoáveis (expulsão de Costinha) e da incompreensão do director de corrida (expulsão de Deco). Após a colhida foi difícil procurar a arte, pura e espectacular, mas foram cingidas as verónicas e sérios e verdadeiros os passes naturais. Houve verdade e esforço, e, a espaços, pormenores de arte pura conseguidos em momentos de maior domínio. Com o aproximar do final, touro e toureiro perderam força, e já eram mais soltos os movimentos, já as defesas estavam mais abertas, e mais perto estiveram ambos de ferir o oponente. Foi uma batalha de morte em que Portugal venceu, como vencem os toureiros – os grandes – que conseguem triunfar apesar dos touros não colaborarem.

Futebol

Ontem foi futebol duro, uma batalha épica, nem sempre bonita, bastas vezes pouco leal. Os holandeses, habitualmente cavalheiros e bem-educados, foram buscar inspiração ao seu passado de corsários e, aliando à compreensível raiva perante as consecutivas derrotas frente a Portugal, atacaram o jogo desde início com brutalidade. As primeiras faltas sobre Cristiano Ronaldo só com extrema ingenuidade não serão compreendidas como tentativas, bárbaras, de atemorizar o adversário, de preferência inutilizando-o. Não venha o Sr. Van Basten falar de fair-play, quando por certo as ordens de abate vieram da sua boca.
Com o começo holandês e um árbitro abaixo de ordinário, o jogo tinha de descambar, e descambou à séria. Tivesse havido prolongamento e talvez se acabasse a jogar futebol de sete. Não há desculpas para as reacções de Figo ou Deco, mas, perante a barbárie que já se tinha visto, seria difícil aguentar a pressão, ajudada por uma perfeita idiotia de Costinha.
O jogo foi duro, violento, e muitos dizem que feio. Não consigo concordar em absoluto com a última parte. Apesar de tudo, quantos jogos deste Mundial terão tido tantos remates e ocasiões de parte a parte? O nosso golo é uma belíssima jogada, assim como o foram alguns dos nossos contra-ataques. Os holandeses podiam ter marcado por algumas vezes e pressionaram com ferocidade. O jogo deveria ter sido mais leal e menos brutal, mas, ainda assim, houve muito futebol, jogadas de qualidade e uma emoção desmedida.

Pergunta

Aos grandes críticos de Scolari uma simples pergunta: teria Portugal ganho o jogo de ontem com outro treinador, com o conjunto dos (supostos) melhores jogadores portugueses, mas sem esta “equipa”?

20.6.06

Músicas

Mudanças nas músicas aqui do lado: na Grafonola passa agora Caetano Veloso com “Gelsomina“ do disco “Omaggio a Frederico e Giuletta”, gravado ao vivo num concerto em homenagem a Frederico Fellini e a Giulleta Masina; no Gira-Discos os imortais The Velvet Underground, com a voz de Nico, em “I’ll be your mirror” do famoso álbum da “banana”.

Delírio

Raramente abro e-mails de forwards que me são enviados, para além disso tenho “educado” os amigos para apenas me mandarem mails “realmente” divertidos e nenhum que implique cadeias que me deixam logo mal disposto e a correr para o Delete. Tudo isto a propósito do mais divertido mail que me lembro de receber e que me deixou quase literalmente a rebolar no chão a rir, fazendo tristes figuras e arfando com dificuldades respiratórias. Graças ao You Tube, aqui vai.


Para quem mais dificuldades tenha com o espanhol, pode acompanhar com a letra da música, uma autêntica pérola do non-sense.

Hagamos juntos, este crucigrama
Aplacemos lo otro, para mañana
Cantar contigo, me llena de alegría
Chalalala chalalala...
Dejemos todo lo demás, para otro día
Quisiera besarte, pero sin ensuciarte
Quisiera abrazarte, sin dejar de respetarte

Amar es saber esperar, es saber esperar, es saber esperar
Amo a Laura,
Quiero esperar hasta el matrimonio
Amo a Laura,
Quiero esperar hasta el matrimonio
No voy arrancar esta flor,
Que la destruya, no será yo

(Falado) Joven, recuerda que el amor nace del respeto, que no hay nada más hermoso en una pareja, que saber esperar juntos ese momento maravilloso, que es la consumación del amor, tu paciencia tendrá recompensa!

Amo a Laura,
Quiero esperar hasta el matrimonio
Amo a Laura,
Quiero esperar hasta el matrimonio
No voy arrancar esta flor,
Que la destruya, no será yo

Para completar o delírio aconselho vivamente uma visitinha ao site da “associação” responsável por este vídeo: Asociación Nuevo Renascer. Quem sabe surgirão mais candidatos a Presidente do Clube de Fans dos Happiness, o grupo que interpreta esta grande música.

19.6.06

Bizarrias

Foi muito estranho chegar ao meio de um jogo do Brasil a desejar que eles percam. Sim, ontem antes do intervalo já dava por mim a torcer pela Austrália, país pelo qual não tenho nenhuma especial simpatia, afinidade ou proximidade. A apresentação miserável de um conjunto de jogadores geniais levou-me a querer que perdessem, e mereciam. Para quem gosta de futebol, o Brasil de ontem – e, já agora, do jogo com a Croácia – não merece ser o mesmo país da selecção de Sócrates, Zico e Falcão. Chamem-me sonhador, mas o Brasil não pode ser nunca uma selecção calculista e sem alma, aliás, poder até pode, não pode é chamar-se Brasil. Parreira parece um eficiente cozinheiro que, perante as melhores matérias-primas, cozinha rapidamente um almoço inteiro, mas em que tudo está desenxabido e sem sabor. Desperdícios…

Telegrama do Mundial

Bom jogo. Bom resultado. Esperemos pela Holanda.

Agradecimentos

Ao Arte da Fuga, ao Em Nome Próprio, ao Boca de Incêndio e ao Conversa Livre pelos links simpáticos para este estabelecimento.

A banhos

Os feriados foram aproveitados para ir a banhos. O tempo desconvidava a esta opção, mas alguma teimosia nostálgica lá me levou até terras figueirenses, insistindo que o caminho fosse em direcção à praia. Nuvens muitas, a rodos, mas uma temperatura agradável para ler, ao som do meu iPod que me fazia esquecer a falta do sol e dos mergulhos no mar. O último dia lá chegou com sol, com o calor necessário à imersão em águas salgadas. Até lá, alguns passeios e a essencial visita à vetusta e venerada Casa Havanesa para compra de jornais e livros. As poucas coisas da terra que resistiram à voragem da destruição lá se vão mantendo, e os enublados passeios traziam “quelque chose” das decadentes praias da Bretanha em primaveras húmidas.

13.6.06

Coisas da Vida Boa

Os “Santos” ontem, em versão fidalga. Os aperitivos ao pôr-do-sol de “flûte de champagne” na mão, apreciando do quarto andar a organização das mesas e o carvão a aquecer para mais tarde receber as sardinhas. O povo ia chegando e num pequeno palco o inevitável órgão, tocado por músico esforçado, abrilhantava a festa com pérolas da música pimba portuguesa. A comida subiu de cesta e corda, directamente saída da grelha, e foi sendo acolhida lá em cima pelos divertidos convivas. A noite prolongou-se com sangria de vinho branco e danças animadas. Um pouco fascista, assumo, pouco popular, é verdade, no entanto muito agradável.

12.6.06

Telegrama de ontem

Jogo Medíocre. Bom resultado. Grande Figo.

Diálogos imaginários

– Charles, afinal sempre vou passar uns dias à praia. Faça-me por favor as malas, mas não esqueça que parece que pode vir a chover.
– Com certeza menino, esteja descansado que não me esquecerei de alguns abrigos para o vento e a chuva e tudo estará pronto daqui a pouco.
– Não tenha tanta pressa Charles, só vou amanhã e hoje ainda vou dar um saltinho aos Santos.
– Faz bem menino, aproveite para se divertir um pouco.

8.6.06

E não se pode bater-lhes

A Ministra da Educação anunciou ontem uma proposta para que as escolas do ensino básico tenham, obrigatoriamente, actividades extracurriculares, nomeadamente de Inglês, Educação Física e Ensino Artístico (em particular Música). A medida pode ser questionável por muitos motivos – se há dinheiro, se as escolas têm as condições físicas necessárias ou se há professores suficientes para acompanhar as actividades –, agora, pasme-se, qual foi o grande entrave posto pela inefável FENPROF: segundo este sindicato, a proposta é inaceitável porque esvazia os conteúdos de disciplinas já leccionadas em horário escolar! Quer dizer, o facto de uma escola passar a ter um coro, por exemplo, esvazia os conteúdos de Educação Musical onde se aprendem os rudimentos do solfejo; o facto de os alunos poderem ter horas de conversação informal em inglês, por exemplo, esvazia de conteúdos a disciplina onde os mesmos aprendem a gramática da língua de maneira mais formal; o facto de os alunos poderem ter campeonatos inter-turmas dos mais variados desportos, por exemplo, esvazia de conteúdos a disciplina de Educação Física! Enfim, é esta gente que representa os professores e consegue ter uma força inaudita na sociedade portuguesa, mercê da chantagem constante da greve, tendo sido a próxima “jornada de luta” (dia 14 de Junho) convenientemente marcada, como sempre, entre o feriado municipal de Lisboa (13 de Junho) e o feriado do Corpo de Cristo (15 de Junho). Com tudo isto ainda tentam ser levados a sério por gente séria. E que tal recuar aos métodos de há um ou dois séculos e corrê-los todos à bastonada?

6.6.06

Requiem por um bom jantar

Chegamos tranquilamente e perguntamos pela mesa. Dizem-nos que demora um quarto de hora, pelo que abancamos no bar. Pedimos um Gin-tónico e acendemos um cigarro – correcção, segundo a nova proposta de lei não acendemos nada, ou então, saímos de copo na mão para a porta e fumamos um cigarrito ao ar livre, mesmo que estejam zero graus. A mesa lá está pronta e vamo-nos sentar. A demora habitual na escolha dos pratos e, depois de continuar no Gin ou optar por um vinho branco, lá puxamos de um cigarro enquanto as senhoras decidem que prato vão comer – correcção, segundo a nova proposta de lei não puxamos nada, e como seria indelicado levantarmo-nos agora, roemos um pouco os dedos e começamos a ficar com um humor menos apresentável. Já estamos pouco divertidos quando chegam as entradas com as quais nos entretemos, findas as quais fumamos um cigarro – correcção, segundo a nova proposta de lei não fumamos nada, ou então simulamos uma ida à casa de banho e fugimos até à porta onde, mesmo que estejam quarenta graus e o restaurante não tenha toldo, fumamos desesperados um cigarro que até se calhar não fumaríamos à mesa, mas que a proibição nos dá umas ganas de fumar. Lá dentro a comida ameaça chegar, e aqueles que não saíram para a casa de banho apresentam uma face que deixa adivinhar um rosnar ao primeiro factor externo que complique o periclitante equilíbrio interior em que se encontram. O jantar até foi bom e tudo estava óptimo, e o simpático chefe de sala lá aparece a perguntar por sobremesas. Umas senhoras ponderam uma fruta perante os olhares desesperados e a deitar fumo de quem dava a vida por um cigarro. Mais de metade da mesa começa a puxar por um cigarro, o mais desejado que vem a seguir a qualquer boa refeição – correcção, segundo a nova proposta de lei não puxa por cigarro nenhum. As regras de boa educação são então, e em definitivo, quebradas, e a mesa levanta-se toda – para desespero do chefe de mesa que pensa que querem fugir sem pagar – e forma-se um aglomerado à porta com convivas de mais mesas entre cotoveladas e empurrões devido à chuva que vai caindo sem que haja abrigos para a mesma nas imediações do restaurante. A confusão instala-se perante a recusa dos clientes em tomar o café à mesa, pelo que a chegada de bandejas de café até à porta – entretanto oferecidas pela gerência para acalmar um pouco os ânimos – é saudada com aplausos, que fazem acorrer ás janelas senhoras com rolos no cabelos e roupões turcos cor-de-rosa e homens peludos em tronco nu que olham incrédulos toda a cena.
Imaginam-me num filme destes? Uma vez de três em três meses ainda vá – o sacrifício faz parte da vida –, agora jantar fora deixará, com enorme pena minha, de ser um programa aceitável. Ganharão os take-away, porque por enquanto – embora tema que não por muito tempo – as leis fascistas ainda não entraram para dentro da nossa casa e aí, aí poderemos jantar tranquilamente.

3.6.06

Veto

Aplausos sinceros e vivos ao primeiro veto do Presidente da República, impedindo a aprovação da lei da paridade em nome da liberdade e contra a descriminação positiva. Que a lucidez venha de algum lado!

O Campo e a Cidade

Hoje, Lisboa foi “invadida” pelo “Mundo Rural”, que animou a Capital lembrando que o leite não jorra de fábricas e a carne não é criada em congeladores. O Ministro da Agricultura anunciou, que coincidência, umas vagas medidas de apoio aos agricultores, acenando com muitos milhões. Parece que agora passaram a trabalhar ao Sábado, o que não deixa de ser uma novidade a realçar. Para bom entendedor, fica patente a hipocrisia de um ministro cuja remoção do governo seria uma atitude ao abrigo das leis da verdade e honestidade intelectual.

Agradecimentos

Ao André Azevedo Alves, de "O Insurgente", pela simpática referência ao post anterior.
Ao "Devaneios de Caim", ao "Publicista" e ao "Textos para Tudo" pelos links para este estabelecimento.

1.6.06

Luminária

Segundo as notícias do dia, José Saramago, que faz parte da Comissão de Honra do Plano Nacional de Leitura, disse desconhecer os conteúdos desta iniciativa e que a mesma não tinha grande utilidade. Para Saramago a leitura é uma actividade de minorias e sempre assim será, sendo que iniciativas que a tentem promover são sempre inúteis. Assim vai o comunismo das igualdades, iguais sim, mas só alguns.