6.6.06

Requiem por um bom jantar

Chegamos tranquilamente e perguntamos pela mesa. Dizem-nos que demora um quarto de hora, pelo que abancamos no bar. Pedimos um Gin-tónico e acendemos um cigarro – correcção, segundo a nova proposta de lei não acendemos nada, ou então, saímos de copo na mão para a porta e fumamos um cigarrito ao ar livre, mesmo que estejam zero graus. A mesa lá está pronta e vamo-nos sentar. A demora habitual na escolha dos pratos e, depois de continuar no Gin ou optar por um vinho branco, lá puxamos de um cigarro enquanto as senhoras decidem que prato vão comer – correcção, segundo a nova proposta de lei não puxamos nada, e como seria indelicado levantarmo-nos agora, roemos um pouco os dedos e começamos a ficar com um humor menos apresentável. Já estamos pouco divertidos quando chegam as entradas com as quais nos entretemos, findas as quais fumamos um cigarro – correcção, segundo a nova proposta de lei não fumamos nada, ou então simulamos uma ida à casa de banho e fugimos até à porta onde, mesmo que estejam quarenta graus e o restaurante não tenha toldo, fumamos desesperados um cigarro que até se calhar não fumaríamos à mesa, mas que a proibição nos dá umas ganas de fumar. Lá dentro a comida ameaça chegar, e aqueles que não saíram para a casa de banho apresentam uma face que deixa adivinhar um rosnar ao primeiro factor externo que complique o periclitante equilíbrio interior em que se encontram. O jantar até foi bom e tudo estava óptimo, e o simpático chefe de sala lá aparece a perguntar por sobremesas. Umas senhoras ponderam uma fruta perante os olhares desesperados e a deitar fumo de quem dava a vida por um cigarro. Mais de metade da mesa começa a puxar por um cigarro, o mais desejado que vem a seguir a qualquer boa refeição – correcção, segundo a nova proposta de lei não puxa por cigarro nenhum. As regras de boa educação são então, e em definitivo, quebradas, e a mesa levanta-se toda – para desespero do chefe de mesa que pensa que querem fugir sem pagar – e forma-se um aglomerado à porta com convivas de mais mesas entre cotoveladas e empurrões devido à chuva que vai caindo sem que haja abrigos para a mesma nas imediações do restaurante. A confusão instala-se perante a recusa dos clientes em tomar o café à mesa, pelo que a chegada de bandejas de café até à porta – entretanto oferecidas pela gerência para acalmar um pouco os ânimos – é saudada com aplausos, que fazem acorrer ás janelas senhoras com rolos no cabelos e roupões turcos cor-de-rosa e homens peludos em tronco nu que olham incrédulos toda a cena.
Imaginam-me num filme destes? Uma vez de três em três meses ainda vá – o sacrifício faz parte da vida –, agora jantar fora deixará, com enorme pena minha, de ser um programa aceitável. Ganharão os take-away, porque por enquanto – embora tema que não por muito tempo – as leis fascistas ainda não entraram para dentro da nossa casa e aí, aí poderemos jantar tranquilamente.

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