Ao longo da vida há sítios por onde passamos que se tornam parte integrante de nós. A mercearia onde comprávamos rebuçados em criança, o quiosque onde íamos ao jornal com os nossos pais, o café onde lanchávamos com as nossas avós. Todos teremos memórias de sítios essenciais, sejam de memórias de infância, sejam de momentos mais recentes. Este fim-de-semana chegaram notícias tristes da Figueira: a Casa Havaneza estava de porta fechada. Um papel dizia que reabriria, mas após os boatos de Agosto, acerca da mudança de dono, são poucas as esperanças de que tudo fique na mesma.
A Havaneza era uma livraria à antiga, onde podíamos comprar jornais e revistas, canetas e cigarros, postais e, claro, livros. A definição “comércio tradicional” não se poderia aplicar de melhor forma. Não falamos de uma loja que valia só pelos seus produtos, mas de uma instituição cuja importância se estendia a quem nos acolhia por detrás do balcão. Há lojas onde vamos com o propósito já definido de comprar algo, mas outras há onde vamos, simplesmente vamos, para ver o que há, para estar. As idas à Havaneza não tinham de ter um fim ou uma lógica, por vezes eram passagens para ver as novidades na montra sempre em mudança, outras, entradas para ver as revistas que tinham saído ou se tinha chegado o livro que tínhamos perguntado se havia e que estava a caminho. Como esquecer as capas de papel pardo com o nome gravado que cobriam os livros para poder levar para a praia sem estragar. Como esquecer os belíssimos marcadores de livros com fotografias antigas da Figueira, ou a edição de postais com essas e outras fotografias doutros tempos desta praia. Como esquecer a sua esquina e as suas montras, as janelas azuis, a placa encarnada de latão, o letreiro comemorativo dos cem anos de casa.
Pode a Havaneza reabrir, mas será decerto outra Havaneza, em que a senhora D. Helena não estará por trás do balcão com a sua simpatia difícil de conquistar, esperando a passagem de amigos, clientes antigos, ou novos clientes cujo interesse a fizesse levantar e dar dois dedos de conversa. A Havaneza não era uma loja fácil, onde éramos acolhidos por empregados ignorantes e falsamente simpáticos que nos bajulam desnecessariamente, na Havaneza os clientes eram bem tratados, mas com um educado distanciamento só vencido pela repetição, pelo interesse. A Havaneza era desorganizada e pouco prática, mas esse era também o seu charme, e também o motivo porque encontrávamos sempre um livro interessante que não procurávamos.
A Casa Havanesa era património da Figueira, ou ao menos deveria ser. A “minha“ Figueira é, era, indissociável da Havaneza, como o era de mais alguns sítios que tristemente já desapareceram. Talvez seja excesso de conservadorismo, talvez seja um ataque de nostalgia num escuro dia de Outono, o certo é que a Figueira que me fez feliz já só existe na praia e nas pessoas. Tudo em redor foi sacrificado a um pretenso progresso.
Como disse um amigo, com os seus pequenos exageros, parece que se foi alguém de família. Não diria tanto, mas por certo que se foi algo de meu.
A Havaneza era uma livraria à antiga, onde podíamos comprar jornais e revistas, canetas e cigarros, postais e, claro, livros. A definição “comércio tradicional” não se poderia aplicar de melhor forma. Não falamos de uma loja que valia só pelos seus produtos, mas de uma instituição cuja importância se estendia a quem nos acolhia por detrás do balcão. Há lojas onde vamos com o propósito já definido de comprar algo, mas outras há onde vamos, simplesmente vamos, para ver o que há, para estar. As idas à Havaneza não tinham de ter um fim ou uma lógica, por vezes eram passagens para ver as novidades na montra sempre em mudança, outras, entradas para ver as revistas que tinham saído ou se tinha chegado o livro que tínhamos perguntado se havia e que estava a caminho. Como esquecer as capas de papel pardo com o nome gravado que cobriam os livros para poder levar para a praia sem estragar. Como esquecer os belíssimos marcadores de livros com fotografias antigas da Figueira, ou a edição de postais com essas e outras fotografias doutros tempos desta praia. Como esquecer a sua esquina e as suas montras, as janelas azuis, a placa encarnada de latão, o letreiro comemorativo dos cem anos de casa.
Pode a Havaneza reabrir, mas será decerto outra Havaneza, em que a senhora D. Helena não estará por trás do balcão com a sua simpatia difícil de conquistar, esperando a passagem de amigos, clientes antigos, ou novos clientes cujo interesse a fizesse levantar e dar dois dedos de conversa. A Havaneza não era uma loja fácil, onde éramos acolhidos por empregados ignorantes e falsamente simpáticos que nos bajulam desnecessariamente, na Havaneza os clientes eram bem tratados, mas com um educado distanciamento só vencido pela repetição, pelo interesse. A Havaneza era desorganizada e pouco prática, mas esse era também o seu charme, e também o motivo porque encontrávamos sempre um livro interessante que não procurávamos.
A Casa Havanesa era património da Figueira, ou ao menos deveria ser. A “minha“ Figueira é, era, indissociável da Havaneza, como o era de mais alguns sítios que tristemente já desapareceram. Talvez seja excesso de conservadorismo, talvez seja um ataque de nostalgia num escuro dia de Outono, o certo é que a Figueira que me fez feliz já só existe na praia e nas pessoas. Tudo em redor foi sacrificado a um pretenso progresso.
Como disse um amigo, com os seus pequenos exageros, parece que se foi alguém de família. Não diria tanto, mas por certo que se foi algo de meu.
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