23.2.07

Linha do Tua

José Pacheco Pereira in “Sábado”, 22 de Fevereiro de 2007

“Poucos sítios mantêm a paisagem natural rude e agreste, bela ao modo do "terrível", como os vales dos afluentes do Douro, rio de montanha rodeado por rios de monta­nha, que fizeram o seu leito cavando ro­chas e não espraiando-se por terras baixas irrigadas. O vale do Tua é um desses casos de beleza, ignorado, perdido, numa parte de Portugal que a maioria dos portugueses nem sabe que existe.
Mas, não tenhamos ilusões, a sua bele­za selvagem só tem uma explicação, a de não ter havido até agora nenhum negócio rapace que tornasse o vale numa selva de empreendimentos e as cumeadas em en­xames de eólicas. É natural que este seja o desejo dos locais, que precisam de empre­go, negócio, comércio e riqueza e que, como uma vez me disse um velho de um desses locais prístinos, "não percebo por­que gosta disto, são só montes, estamos fartos de só ver montes, que interesse têm?". A verdade é que, se for assim, nem o pouco que têm em potência vai sobrar em acto. Gastar-se-á em meia dúzia de anos. Porque o nosso problema é que pas­samos sempre do oito para o oitenta, do nada miserável do atraso para o novo-ri­quismo da combinação construção-turis­mo barato subsidiado-obras públicas.
E no meio do caminho da sua vida, como Dante à entrada do Inferno, lá continuará o vale do Tua, com a sua linha de "metro" que transporta meia dúzia de pessoas ao dia, de lado nenhum para lado nenhum, num sítio tão remoto e deserdado de tudo menos da beleza que nem um responsável dos comboios achou necessário ir lá para honrar os seus mortos, os mortos da em­presa que "gere". Retirado o último morto das águas, o silêncio voltará, se calhar tam­bém já sem o "metro" de Mirandela.”

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