30.4.08

Diálogos Imaginários

– Charles, já não sei com que roupa hei-de andar. Num dia vou à praia e apetecem-me linhos à noite, no outro saio de manhã e sou varrido por um vento gelado. Este tempo indeciso começa a trazer-me uns certos nervos.
– Tenha calma, menino, eu vou mantendo alguns abrigos de inverno no armário, enquanto trago algumas coisas de verão.
– Eu sei, Charles, quando abro o armário tenho as várias alternativas à disposição, o pior é que fico contagiado pela indecisão do tempo e não sei mesmo o que vestir.
– Coisas da vida, menino, que insiste em ser feita de decisões.

Homens

A complexidade do ser humano é facto indesmentível. Ainda que por vezes não tenhamos isto em conta, compreender o próximo é tarefa quase sempre impossível. Se o dizemos sobre as coisas pequenas, o que pensar quando o que está em jogo é tão grande como a própria vida? Os últimos dias trouxeram-me dois exemplos, distintos e distantes, de como ficar perplexo perante o outro. Primeiro, quando um primo resolveu por termo à vida, sem que nada o fizesse prever, deixando vasta família em estado de puro choque do qual, por certo, tardarão a sair. Depois veio a macabra história do austríaco, que de tão rebuscada nem esperávamos encontrar num mau filme de terror de série B.
O dia-a-dia teima em nos dar motivos para tudo questionar, mas por entre a rotina inquieta surgem episódios que nos abanam ainda mais e nos fazem pensar do que é capaz o bicho homem. Felizmente resta-me um pouco de optimismo que me faz lembrar os homens bons, que os há, e o que de bom podem trazer ao mundo. Caso contrário, toda a confiança que tenho no Homem se esvairia com facilidade.

29.4.08

Poesias

Esta manhã que se acinzenta traz-me à memória a Irlanda, e com a Irlanda a poesia, e com a poesia Yeats. Aqui ficam as palavras, ditas pelo próprio, destacando-se o famoso, e belíssimo, “The Lake Island of Innisfree”:

“I will arise and go now, and go to Innisfree,
And a small cabin build there, of clay and wattles made:
Nine bean-rows will I have there, a hive for the honey-bee,
And live alone in the bee-loud glade.

And I shall have some peace there, for peace comes dropping slow,
Dropping from the veils of the mourning to where the cricket sings;
There midnight's all a glimmer, and noon a purple glow,
And evening full of the linnet's wings.

I will arise and go now, for always night and day
I hear lake water lapping with low sounds by the shore;
While I stand on the roadway, or on the pavements grey,
I hear it in the deep heart's core."

28.4.08

Segundo

Acho que ninguém percebeu muito bem como, mas o Sporting está em segundo lugar do campeonato. Há coisas que é mesmo melhor não perceber, basta que se concretizem e assim continuem.

Perplexidades

Ele há questões que nos perseguem ao longo da vida sem que para elas encontremos qualquer explicação satisfatória. Há algumas que são particularmente inquietantes e ultrapassam largamente os limites da compreensão. O 25 de Abril ajudou-me a recordar os morteiros, fenómeno profundamente desagradável que quase nos rebenta os tímpanos, interrompe qualquer agradável conversa, e nos distrai de coisas muito mais interessantes. O estranho e bizarro é que eles existem e são usados porque há quem goste deles e de os lançar em dias de festa. Acho que nos dias da minha vida nunca irei compreender isto. O pior é que o assunto me incomoda e me tenta a elaborar teorias. Felizmente ainda há réstias de racionalidade no meu ser que me impedem de perder tempo com coisas sem importância real. A tentação é grande, mas vou procurando resistir, apesar do fascínio inquestionável do tema.

24.4.08

Timing

A cumprir-se a candidatura de Santana, teremos o duelo que, caso Ferreira Leite não se tivesse esquivado, deveríamos ter tido aquando da fuga de Durão. A diferença de timing deixou o partido e o país entregues, durante estes anos, a Santana e Menezes, com os resultados conhecidos. Veremos agora se o partido premeia a cobardia ou a insistência.

Não há fome que não dê em fartura

Há uma semana Menezes estava condenado a continuar porque não tinha alternativas. Hoje parece que afinal todos querem ser presidentes do PSD. Todas as hipóteses são válidas e até se fala de Jardim e de Santana. Faço aqui notar que ainda há algumas personalidades de quem ninguém se lembrou e que gostaria de lançar: Mota Amaral, Duarte Lima, Mendes Bota, Rui Gomes da Silva, Fernando Ruas, Isaltino Morais ou Fernando Seara. Claro que o primeiro é o único em quem acredito, mas qualquer um dos outros seria (ainda) mais animação garantida para as directas.

O nosso país

O arrazoado de artigos incompreensíveis que nunca será decifrado por qualquer ser humano normal, mas que terá consequências enormes para o nosso país, foi ontem aprovado. No parlamento, claro, com a devida distância do povo ignorante. Para alegrar a populaça, as notícias de destaque nos media foram a putativa candidatura de Jardim e a indignação profunda de Luís Filipe Vieira.

23.4.08

Coisas que acontecem

Uma conversa de circunstância deriva para a música e deixamo-nos embalar em opiniões conclusivas, terminando numa prelecção sobre fado, essa então definitiva. A coisa tinha começado perante duas amigas a que se tinha entretanto junto um amigo, que não conhecia, que entrou no assunto com grande descontracção. Apenas no regresso a casa me apercebi de quem era o dito amigo e que ele sabia, de facto, de música e escrevia sobre o tema. Fiquei embaraçado e a pensar se não me tinha entusiasmado em excessivos disparates, mas, apesar da vodka, acho que não fui longe o suficiente para me sentir envergonhado.

Essa é que é essa

“Helena Roseta, no DN, Sobre o novo plano para a frente ribeirinha:

“Perdeu-se assim a possibilidade de cumprir cinco objectivos essenciais: renaturalizar e facilitar o funcionamento físico da frente ribeirinha; abrir crescentemente ao público as áreas portuárias, que tanto fascínio sempre exerceram; ligar, onde possível, a margem às colinas, aproveitando os desníveis para vencer com imaginação o aterro, como fez Carlos Mardel, no século XVIII, no Cais do Sodré; prever o uso do plano de água para transporte urbano ao longo da margem; e garantir a participação dos vários agentes e dos cidadãos. A reconciliação da cidade com o rio teria de passar por aqui.
José Miguel Júdice não gostou das minhas críticas e veio acusar-me de dizer disparates. Queria mesmo que eu me "calasse para sempre", depois de a sua nomeação ter sido viabilizada pelo silêncio da maioria da câmara. Opiniões, dir-se-á. Nem ele nem eu recebemos, aliás, remuneração pelas nossas funções - ele, como administrador, porque prescinde dela; eu, como vereadora, porque não tenho direito. Há, no entanto, uma diferença substancial. Júdice é nomeado pelo Governo, eu sou eleita pelos lisboetas. Tenho por isso uma legitimidade democrática de que não abdico para fazer ouvir a minha voz. É aliás esse o meu dever. Mesmo sem uma fundação, sem lóbis e sem dinheiro por trás. “
Vale a pena ler o artigo na íntegra.

22.4.08

A Guerra das Laranjas

A confirmar-se a candidatura de Manuela Ferreira Leite, é caso para dizer – Aleluia! A sua virtude sebastiânica já foi acenada tantas vezes, em tantos maus momentos dos partidos, que o povo já se inquietava com a falta de resposta. Parece que é desta que o “timing” é certo e que surge uma coragem política que já se pensava perdida. Após deixar o partido entregue a Santana e Menezes, Ferreira Leite terá pensado que Ribau Esteves também era demais e lá avançou.
Para as elites do partido, dos jornais e dos blogs, Ferreira Leite é a personalidade que faltava para salvar o PSD. Eu fico-me com duas questões: irá ela conseguir ganhar o partido caso Santana se candidatar; e será que o PSD ainda tem salvação possível depois de se deixar partir em dois pedaços?
As minhas dúvidas sobre Ferreira Leite são muitas, mas é inegável que pelo menos seriedade e responsabilidade podem ser esperadas. Ainda assim, é importante perceber o que fez de Ferreira Leite uma das políticas mais elogiadas do país. À minha memória vem um consulado como Ministra da Educação que trouxe mais estudantes para a rua do que todas as queimas das fitas juntas, atraindo sobre ela um profundo ódio da geração rasca, e a estadia nas Finanças onde a obsessão foi tão grande que ficou a famosa ideia de que não havia vida para além do deficit. Irá Ferreira Leite convencer a “geração rasca” e os portugueses que sofreram na pele com a obsessão do deficit das suas boas intenções? E quais são as suas intenções pois eu, talvez por ignorância própria, não sei muito bem em que ideologia e projecto para o país a senhora se encontra, apenas que foi indefectível de Cavaco e isso, para mim, não é grande carta de recomendação.
Por tudo isto, aguardemos com alguma esperança de que pelo menos o nível político suba uma pouco acima da tasca pouco frequentável em que se tornou.

21.4.08

Coisas pós-Domingo

Futebol? Não, não sei bem o que isso é. Pois, é que não estou mesmo a ver. É qualquer coisa com bola? Deve ser. Leiria? Ah! Tem um castelo e uns doces famosos, parece que se chamam “brisas”. Futebol é não estou mesmo a ver. É daquelas coisas – não conheço nem ouvi falar.

18.4.08

Naufrágio?

Menezes deixou-se arrastar pelas extravagantes chuvas primaveris, prometendo não voltar a emergir nos fins de Maio. Claro que a promessa não será para cumprir e ficará à espera de ver que corajosos notáveis avançarão, para depois averiguar se volta, ou não, a candidatar-se. Por uma vez Menezes acertou na jogada, obriga os adversários a dar o corpo, algo que muitos deles não apreciam, e fica sempre com a reserva da vitimização. Esperemos para ver, mas lá que a coisa promete, isso é inegável.

Palavras

A Câmara Municipal de Lisboa resolveu não votar o nome de Júdice para dirigir a Sociedade Frente Tejo. Júdice disse que apenas aceitaria o lugar se a CML aprovasse o seu nome. Manterá a palavra ou, a exemplo do futebol, o que é verdade hoje pode ser mentira amanhã. A ser assim é apenas mais um episódio triste desta pouco edificante novela.

17.4.08

O Jogo em imagens I


Versão curta, apenas os golos, via SIC.

O Jogo em imagens II


Versão longa ao som de Bobby McFerrin.

Sporting 1

A primeira parte foi um banho de bola do Benfica que, com grande tranquilidade, trocou a bola a seu belo prazer e encaixou com dois golos. Os jogadores do Sporting pareciam ter tomado uma dose excessiva de Valium e deslocavam-se com uma lentidão capaz de levar ao desespero o adepto mais calmo. O jogador que tinha a bola caminhava a passo e olhava em todas as direcções procurando uma desmarcação, um esboço de movimento, mas tudo o que encontrava era uma exposição de estátuas humanas dignas de Pompeia.

Sporting 2

As palavras que possam descrever a segunda parte são difíceis de encontrar. No estádio acho que ninguém acreditava, sinceramente, que era possível dar a volta ao resultado. O Sporting entrou bem, com outra garra e vontade, e após o remate de Moutinho, que merecia ter entrado (pelo remate e pela exibição sublime), o estádio, apesar dos dois golos de desvantagem, começou a acreditar que era possível. Sentia-se nas bancadas que a coisa que ameaçava caminhar para uma goleada contra nós podia virar. A equipa terá sentido isso e a velocidade do jogo aumentava de minuto a minuto, finalmente os jogadores resolveram mexer-se, e como não encontraram meio termo passaram a jogar a uma velocidade estonteante, tudo começou a correr bem, os passes saíam certos, as fintas sentavam os jogadores do Benfica (pobre Léo, que ainda deve estar a recuperar de tanto nó cego que levou) e os golos, bom, os golos começaram a entrar, e que bem, e que bonitos, a acabar numa obra pura de arte. Avassalador. Um verdadeiro massacre.

Sporting 3

Todos os golos foram importantes e quase todos bonitos, mas o último, de Vukcevic, é absolutamente portentoso. Desde o passe extraordinário de Miguel Veloso, atravessando o campo de lés a lés até cair suavemente mesmo à frente de Vuckcevic, ao remate acrobático, qual passe de bailado contemporâneo, arrancado com uma força imparável que só podia acabar no fundo da baliza. Um verdadeiro espanto.

Sporting 4

Paulo Bento acertou nas substituições. Quando Izmailov entrou, comecei a rosnar na bancada perante os últimos pobres jogos do russo. A segunda parte fez-me calar e Izmailov foi mesmo dos melhores, entre os melhores, em campo. A entrada de Derlei, que eu pensava já não poder jogar esta época, foi importante por dois motivos: saiu Romagnoli, que nesta fase já era um peixe lento fora das águas agitadas do jogo do Sporting; e entrou um jogador hiper-motivado após longuíssima lesão e a jogar contra uma equipa que o mandou embora.

Sporting 5

Acho que desde o jogo com o Newcastle para a UEFA que não via um jogo tão impressionante como o de ontem. Merecíamos isto nesta época depressiva e de jogos tristes e sem história. A coisa foi de tal ordem que a apoplexia foi evitada sem saber muito bem como. Resistir num estádio a um jogo assim não é tarefa fácil. Acho que só recuperei deste periclitante estado com a cervejinha pós-jogo na primeira roulotte que me apareceu à frente.

16.4.08

Coisas deste país

Ana tem 16 anos e uma vida sexual pouco responsável, pelo que irá amanhã fazer tranquilamente o seu segundo aborto. Mário, pai de Ana, consome o seu tempo com Lídia, uma brasileira voluptuosa, e espera com ansiedade a aprovação, hoje, da nova lei do “divórcio expresso” para despachar a sua mulher, Luísa. Pedro, filho de Mário, tem 15 anos e dois piercings e está em vias de fazer mais dois antes que entre em vigor a lei que os proíbe a menores. Luísa, mãe de Pedro, ainda não sonha que vai ser abandonada pelo marido, mas já se encontra deprimida e mais pobre ao ser impedida pela ASAE de continuar a fazer os seus deliciosos bolos para dois restaurantes do bairro.

15.4.08

ACPDE

Ao passar a vista pelo “Prós e Contras” de ontem, encontrei mais um exemplar de uma raça que nos últimos tempos andava um pouco escondida, os ACPDE (vulgo, Apetece Comprar Para Dar Estalos). O Magnífico Reitor Reis mostrou uma insolência, arrogância e cinismo que só são toleráveis em génios e grandes senhores, sendo que Reis manifestamente não é nenhuma das coisas. O exemplo ficou de que a educação escolar – o senhor é, apesar de tudo, Reitor – nada tem a ver com a Educação – que lhe falta tanto como a liberdade em Cuba.

PSD

O actual PSD de Branquinhos, Ribaus e Silvas (o Jardim é outra loiça) causa um irreprimível e mui desagradável nojo. Consegue ainda o prodígio de por muita gente a ter pena e solidariedade pela senhora Câncio, que apenas estará a encontrar a forma adequada de agradecer este enorme impulso para a sua imagem pública.

Snobeiras

Fiquei com uma certa irritação por não ter estado no Snob no Sábado. A invasão desse reduto de liberdades pela tribo da ASAE deve ter sido o acontecimento do ano e só de imaginar a mesa 10 a acolher a brigada fico com uma fúria a crescer por não ter presenciado. Algo de positivo vem no entanto daqui, pois percebemos que a ASAE ainda não está suficientemente infiltrada nos jornais, caso contrário saberia que o Snob é uma trincheira de jornalistas, e que o seu presidente é afinal mentiroso, ao dizer que as inspecções são sempre feitas nas horas mais paradas dos estabelecimentos de modo a não incomodar os clientes – uma e meia de Sábado no Snob será tudo menos hora morta.

11.4.08

Desabafo do dia

Será que esta merda de vento se poderia dignar a parar, ou abrandar, a bem dos nossos níveis de boa disposição violentados barbaramente com esta brisa insuportável.

Coisas dos Trinta

Isto de sair para uma festa durante a semana tem o que se lhe diga. Saímos quando queríamos ficar e começamos a pensar na hora de acordar no dia seguinte. Definimos aquela hora em que o cedo é tarde e o tarde é cedo. Cedo para sair da festa, tarde para chegar a casa. Uma angústia. Valeu para lavar as vistas com as meninas da FHM. E já agora com as outras “caras bonitas que abrilhantavam a festa”.

Ponderação

Após ver uma equipa que tinha de ganhar a jogar para não perder, pondero se vou voltar a Alvalade esta época ou se tento encontrar Paulo Bento para lhe dar um par de calduços. Acho que cobardemente não farei nada disto e voltarei no Domingo para o Leixões. Quem disse que havia poucos masoquistas neste mundo.

10.4.08

A guerra das trincheiras

Passam 90 anos sobre a batalha de La Lys. Lembro-me do avô que não conheci e que por lá esteve. Voltou, depois de estar num campo de prisioneiros do qual fugiu. Tenho pena de não ter podido falado com ele. Por todas as razões óbvias, mas também para perceber melhor como foi esta guerra para onde o Batalhão português foi enviado directo para o massacre. Ele voltou, a maioria dos outros soldados ficou em terras estranhas por capricho de governantes sobre os quais ainda não caiu o justo julgamento dos tempos. Com o centenário da República seria bom que se reflectisse com desassombro sobre o desastre da primeira República. Seria bom, mas por certo não vai ser, porque a opinião ainda é dominada por um republicanismo cego que não entende a diferença entre República e a “nossa República”. É pena.

Amália

Como uma voz nos faz percorrer tantos e tão intensos estados de alma. Despe-nos perante nós próprios, como se as nossas roupas nos fossem retiradas com firmeza e suavidade. Ficamos sós, nós e o som que nos manipula os sentimentos e nos faz rir e chorar como se o mundo em redor tivesse desaparecido.

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"Vagamundo" (Letra: Amália Rodrigues; Música: Alain Oulman) do albúm “Busto”.

(A gravação é de 1961 e a sua qualidade não é muito boa, pelo que convém aumentar o volume para conseguir ouvir.)

Pela janela

Magnífico arco-íris. Baixinho e largo, a acabar mesmo ali à frente, junto ao aqueduto. Acho que vou largar tudo e correr em busca do pote de ouro que está em seu fim, aqui tão perto, quase ao alcance de um braço esticado. Olho de novo e o arco-íris já se quer desfazer, como as ilusões e os sonhos que nos fogem como areia por entre os dedos.

8.4.08

“Prós e Contras” de ontem – I

Preto e branco. Os anos de ditadura deixaram marcas e este continua a ser o país do preto e branco. Nenhum tema se consegue discutir a cores. Sempre a preto e branco. Ou por nós, ou contra nós. A obra tem de se fazer assim, porque não há outras alternativas. Ou se faz, ou não se faz. A discussão é sempre nestes termos, a lembrar tempos antigos e não apenas na falta de cor. Em nome do progresso anda gente a destruir alegremente o país, porque sem obras, e têm de ser aquelas obras naqueles sítios, o país não avança. O pior é que eles próprios acreditam nisso e os outros, os que insistem em querer ver cores e encontrar soluções, são rotulados de obstáculos ao progresso, ou mesmo de colaboracionistas ou executores em crimes lesa pátria.

“Prós e Contras” de ontem – II

O ministro Jamais mostrou, uma vez mais, a sua espantosa desfaçatez, ao dizer que até agora ainda não foi efectuado nenhum “Estudo de Impacto Ambiental”, mas que o mesmo será feito para minimizar os eventuais impactos da solução já escolhida. Ficamos então a saber que os estudos de impacto ambiental não servem para condicionar a escolha de uma obra, mesmo que os impactos detectados sejam enormes e irreversíveis, pois o normal procedimento é serem feitos depois de escolhida a localização da obra e apenas para prever medidas compensatórias do impacto. A coisa assusta, mas não é nada que não imaginássemos já, ao ver as barbáries que se vão fazendo neste país.

“Prós e Contras” de ontem – III

Achei delirante a intervenção do presidente da câmara da Moita, em nome dos presidentes de câmara da margem sul, ao insistir que Chelas-Barreiro era a melhor solução por cumprir quatro requisitos, que passou a enumerar, à medida que o engenheiro Viegas referia que os mesmos requisitos eram cumpridos na solução do Beato. Ficou o país sem perceber como é que quatro pontos respeitados nos dois projectos eram tão importantes para escolher um deles.

“Prós e Contras” de ontem – IV

A questão do impacto na paisagem foi tratada com no estudo do LNEC com evidente desprezo. Uma suave referência a recomendar estudos posteriores, após estar decidida a localização. Não será preciso voltar à lengalenga de que Lisboa é uma cidade bonita e que vive do turismo para perceber que nesta Obra, como nós por cá gostamos, o importante é que a Obra seja feita. O resto é mero pormenor.

Demência ou mau perder

O futebol é um deporto que desperta irracionalidades. Facto. No entanto o bom futebol – mesmo quando praticado por equipas que odiamos e, como tal, tenhamos dificuldade de o reconhecer em público – é universal. Não facto. O treinador e jogadores do Roma, depois de terem levado um banho de bola do Manchester, queixaram-se que Ronaldo, o nosso, faz truques desnecessários que humilham o adversário. Assim, sem mais. Em vez de reconhecerem uma evidente derrota, dizem que o adversário se excedeu e os humilhou. Apenas se compreende porque vem do futebol italiano, muito apreciado pelos teóricos da bola, mas que em mim tem um efeito superior a um Valium. Aliás, não percebo como alguém perde tempo a ver jogos de futebol italiano, para dormir vai sendo preferével o sofá de casa e uma música calma.

Diálogos imaginários

– Charles, ainda bem que não guardou as minhas roupas de inverno. Se não travasse a minha precipitação estaria hoje com uma camisa de linho encharcada. E constipado, quase por certo.
– Prudência da idade, menino, nunca devemos ir atrás do primeiro brilho do sol.

7.4.08

Boas leituras

Neste fim-de-semana bons artigos na imprensa: Alberto Gonçalves na Sábado, Joel Neto na NS, Sousa Tavares no Expresso e António Barreto no Público. A ler.

3.4.08

Parabéns muitos

Uma Bomba de cinco anos. Continue a explodir. Please.

Diálogos Imaginários

– Charles, li com alguma inveja uma posta sobre camisas de linho. Apesar deste calor poder não estar para ficar, talvez seja boa ideia pensar em trocar o guarda-roupa.
– Já tinha pensado nisso, menino, até mandei alguns casacos para a lavandaria para poderem ser devidamente guardados, mas ensina a prudência que não se faça desde já a mudança total. No entanto, já tirei algumas camisas de algodão mais fino e troquei as meias de lã para algodão.
– Charles, o que seria de mim sem o seu bom senso.

2.4.08

Causas de Carlos

Fiquei a saber – via este blog recém-chegado à praça e que me parece recomendável – que o Príncipe Carlos se juntou a mais uma causa: o apoio aos pubs rurais, que se encontram em decadência e fecham a um ritmo alarmante. Nas suas palavras:

"Rural communities, and this country's rural way of life, are facing unprecedented challenges ... the country pub, which has been at the heart of village life for centuries, is disappearing in many areas.
By providing new services from the pub, such as a post office or a shop, not only keeps an essential service in the village or brings a new one in."


O blogger, Zé Pedro Amaral, ironiza com a situação, dizendo que esta é mais uma grande, grande causa, das grandes causas do Príncipe Carlos. Tenho Carlos de Inglaterra como uma das mais interessantes e politicamente incorrectas personalidades da actualidade – e já agora das mais, ou a mais, bem vestida. As suas causas podem não ser as da moda nem as fracturantes, mas tem sido intransigente defensor de um real conservadorismo, daquele que quer mesmo preservar as coisas boas, as coisas “deles”. A agricultura biológica, o urbanismo e o ordenamento do território, a arquitectura tradicional ou, agora, o modus vivendi das populações rurais, podem não preocupações importantes para muitos, mas eu tenho para mim que o são e cada vez mais. Há vida para além da economia, do deficit e da Europa, e há uma coisa muito mais importante e que em Portugal até já teve direito um ministério com o seu nome: a qualidade de vida. Esta depende de alguma forma da economia, mas, de modo algum, é em exclusivo subordinada à mesma.

1.4.08

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O outro blog, que há uns curtos tempos resolvi criar, irá congelar. O tempo não estica como o Homem-Elástico e não está a ser viável a acumulação. Um pouco como o homem que deixa de ter tempo para a amante e resolve voltar a dedicar-se à mulher. Assim, talvez passe a publicar por aqui textos ao estilo das “Coisas dos Trinta”, baralhando um pouco o habitual registo Anarcoconservador. Às vezes há que mudar, um pouco, um pouco que não seja muito, um pouco que vá conservando as coisas como já eram e das quais íamos gostando, ainda que nunca nos satisfaçamos por completo com elas.

Voltar

O mundo onde gosto de me encontrar é recheado de imutabilidades, por isso nem sempre voltar, apesar do meu gosto pela volta, é coroado por esse encontrar tudo na mesma, como nos dias ali passados ou no tempo da despedida. As coisas mudam, algo que teimosamente não gosto de admitir.
Este fim-de-semana voltei a um dos sítios onde fui feliz, tentando contrariar o já estafado aforismo e buscando momentos bem passados e memórias cada vez mais antigas. Procurei, como sempre, os meus sítios, os meus cantos, os meus becos, uma Salamanca como a deixei – inalterada e estática. Infelizmente o mundo não é livro escrito e publicado e não se compadece com estas nostalgias. Por isso deparei com um bar onde passei muitas e boas noites transformado num restaurante modernaço e o único sítio com café decente com o nome mudado e o café lá servido desafiando a própria definição de café, de tão intragável.
Faltariam sempre as pessoas, as minhas pessoas, mas os sítios físicos sempre foram ajudas à lembrança, permitindo-nos reviver o espaço e imaginar quem noutros dias o povoou. Voltar nem sempre é perfeito, nem para um nostálgico incurável como sou, sempre olhando o passado com um carinho que nem eu por vezes compreendo. Faltou-me muita coisa neste regresso, mas resta sempre muito, demasiado para caber num escrito, resta a alma de uma cidade que é algo muito difícil de destruir. Foi bom voltar, como é sempre bom voltar. Vinicius dizia que a mulher gosta de voltar, talvez não seja só a mulher, decerto que não é só a mulher.